“Não, meu neném, não chora”, disse a mãe do pequeno Kenned de forma amorosa enquanto embalava no braço e tentava acalmar o constante choro do filho que nasceu com microcefalia durante o surto em meados de 2016.
Na época, o Brasil enfrentou um surto de crianças nascendo com a má formação congênita cerebral associada ao vírus da zika, transmitido pelo mosquito Aedesaegypti. A ciência comprovou não restar mais dúvidas sobre a relação da doença e a condição nos bebês, que é caracterizada pelo tamanho da cabeça, que é significativamente menor do que o esperado.
Em Roraima, desde 2016, foram confirmados 18 casos de crianças microcefálicas registradas pela Secretaria Estadual de Saúde (Sesau). Durante o surto, foram 35 notificações, mas 17 casos confirmados. No ano seguinte houve somente um registro e, em 2018, nenhum confirmado, mas ainda há quatro casos em investigação. O município de Boa Vista foi o que mais teve casos confirmados, com dez, seguido do município de Rorainópolis, com três. Cantá, Pacaraima, São João da Baliza, São Luiz e Uiramutã tiveram um caso em cada município. Os demais não tiveram casos confirmados.
Os dados mostram que bebês do sexo masculino foram a maioria, com 11 casos confirmados, e as meninas, com sete. Em relação ao número de óbitos, cinco crianças diagnosticadas com microcefalia morreram: três meninos e duas meninas.
Hoje, dois anos depois, as famílias das crianças que sobreviveram continuam encontrando dificuldades no tratamento e também em todos os cuidados que elas demandam. Ângela Oliveira do Nascimento tinha apenas 17 anos quando engravidou de Kenned Luan e só soube da condição do filho no nascimento.
“Eu fiquei sem reação. Eu já tinha visto os casos na TV. Fiz os exames e constou que eu tinha pegado zika no terceiro mês. Encontro muitas dificuldades. Cuidar de uma criança assim é muito difícil, a gente não é acostumada. Pensamos que ia nascer uma criança como as outras”, contou.
Dentre as condições que a microcefalia acarreta estão problemas no desenvolvimento da fala, falta de estrutura para apoiar o pescoço e andar, além de frequentes convulsões. “As convulsões e chorar sem saber o que ele sente são as maiores dificuldades. A doutora fala que o caso dele, que foi pela zika, é mais grave do que as outras crianças que têm microcefalia porque ele tem muitas coisas que afetaram o cérebro dele, na parte da coordenação motora”, contou a mãe de Kenned.
Após o nascimento da criança, a mãe foi orientada pela médica a procurar a Rede Cidadania, que realiza atendimentos para crianças e adolescentes com deficiência ou limitações, para aprimorar o desenvolvimento do bebê com a ajuda de equipe multidisciplinar. Desde o primeiro mês de vida, Kenned faz tratamento com fonoaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta e pedagogo. “Eu acho que ele melhorou. Se ele não tivesse aqui, ele não seria uma criança tão esperta”, disse Ângela enquanto tentava acalmar o choro do filho.
O preconceito e a falta de conhecimento sobre a condição acabam criando um embate na própria família sobre a aceitação das crianças com microcefalia. Durante o surto da doença no país, muitos pais abandonaram mães e filhos após descobrirem a condição das crianças.
Sobre o futuro da criança, Ângela confessa que tem medo e preocupação, principalmente por acreditar que as profissionais de educação não vão saber identificar as necessidades que o filho precisa. Para conseguir cuidar do filho, a mãe não trabalha e se dedica totalmente aos cuidados que a criança precisa. O tratamento de Kenned também exige o uso de medicamentos controlados, como o fenobarbital e conazepam, que nem sempre são encontrados na rede pública de saúde.
“Às vezes a gente encontra, mas às vezes a gente tem que comprar porque falta. A gente gasta R$ 500 com os remédios que a médica passa para ele. Eu não sei ainda sobre o futuro dele, tento não pensar muito, foco no presente”, finalizou a mãe.
TRATAMENTO – Conforme o fisioterapeuta Miguel Vitor, a principal questão da microcefalia é a alteração do cérebro. A partir dessa diminuição, a criança fica submetida a alguns atrasos. O cérebro com a capacidade normal está livre para evoluir naturalmente. Já com microcefalia precisa estar sob estímulo frequente para que se adapte a esse tamanho que nasceu e que possa desenvolver o mais natural possível.
Muitas crianças têm um nível diferenciado, não necessariamente toda criança com microcefalia vai ser igual, por isso, o fisioterapeuta afirma que o surto de microcefalia foi base de estudos em muitas faculdades para que pudessem entender mais sobre a condição e aplicar no mercado de trabalho com essa geração de crianças.
“A demanda aqui é frequente. Eu atendo cinco crianças que têm microcefalia. Tem mães de todas as regiões do Estado que vêm fazer o atendimento. O Kenned já está aqui desde o primeiro mês, já teve muita evolução. Ele já mostra controle de pescoço e também tem uma relação ótima com a mãe, através de estímulos, tem vezes que ele tá chorando e escuta a mãe dele e ele para. Isso é ótimo”, comemorou Miguel Vitor. (A.P.L)