Narciso acha feio o que não é uma selfie
Marco Antonio Spinelli*
O fundador da PsicanĆ”lise, Sigmund Freud, usou alguns mitos da Mitologia Grega e BĆblica para descrever as dinĆ¢micas que observava na sua prĆ”tica clĆnica. Acabou sem querer dando pĆ©ssima fama a Narciso. Publicamos um artigo recente, em que usamos essa terminologia, sobre ratinhos que ficavam narcisistas quando tomavam determinada medicação. Para quem nĆ£o leu, foi só uma brincadeira com essa onda em redes sociais de acusaƧƵes, geralmente do pĆŗblico feminino, contra homens apaixonados pela própria imagem e que se acham a Ćŗltima bolacha do pacote. Hoje vamos esmiuƧar melhor esse assunto, com o trio que compƵe esse mito e sua importĆ¢ncia, trĆŖs mil anos depois, para nossa Psique.
O trio em questão é Narciso, Eco e Nêmesis. Eco era uma Ninfa, esses seres mitológicos que também comandam nossa psique coletiva. Quando vemos um jogo de Futebol Americano, com aqueles gigantes se agarrando e dando trombadas, vemos, para desespero das feministas, meninas lindas e de saias curtas fazendo coreografias para animar os marmanjos. Essas são as Ninfas, seres femininos mÔgicos que nunca envelhecem nem sentem em seu corpo a passagem do tempo. São cobiçadas por deuses e sÔtiros. E por agências de modelos.
Eco é uma ninfa apaixonada pela própria voz. Zeus, que não era bobo nem nada, manda Eco bater papo com sua esposa, Hera, para poder dar suas escapulidas. Hera, que era menos boba ainda, percebe a jogada e sobra para Eco, que recebe a maldição de não poder mais dirigir a palavra para ninguém, apenas repetir as últimas palavras que ela ouvia. Virou uma ninfa-papagaio, pode-se assim dizer.
Um belo dia, Eco passeava nos bosques quando encontrou Narciso, um jovem belĆssimo e desejado por humanas e ninfas. A sua mĆ£e era uma ninfa, casada com o deus dos Lagos. Um orĆ”culo falou que seu filho nĆ£o poderia ver a sua própria imagem e ela quebrou os espelhos de sua casa. Como era muito belo, Narciso nĆ£o queria saber de ninguĆ©m e esnobava as meninas que corriam atrĆ”s dele. Quando Eco vĆŖ o jovem, fica completamente apaixonada e tenta falar com ele. Mas sua voz nĆ£o saĆa. Ela tenta chamar a atenção de Narciso e mesmo tocĆ”-lo. Ele dĆ” um safanĆ£o e a rejeita. Eco continua tentando chamar sua atenção e sofrendo com a rejeição. Finalmente, ela se retira para uma caverna e fenece, atĆ© virar parte daquela escuridĆ£o. As ninfas correm para NĆŖmesis, a temida deusa da VinganƧa, para reclamar. Na verdade, isso tambĆ©m dĆ” uma mĆ” fama para NĆŖmesis. Ela Ć© muito mais a deusa da perfeita JustiƧa e sempre encontra o equilĆbrio, como vocĆŖs vĆ£o ver, do que uma deusa vingativa. NĆŖmesis dĆ” a Narciso uma profecia: āEle tambĆ©m vai ter um amor impossĆvelā. Foi depois disso que Narciso vai matar a sede na beira de um lago cristalino e se apaixona por sua própria imagem. Sem ter mais nenhum interesse na vida, Narciso tambĆ©m fenece e morre. Um Romeu e Julieta, versĆ£o grega. O final desse mito que Ć© muito belo: NĆŖmesis transforma Narciso numa bela flor, e Eco vira a voz que responde Ć s Ćŗltimas palavras gritadas nas cavernas. A dor se transforma em bem comum. A beleza de Narciso pode ser apreciada numa flor. Eco serve de espelho para a voz das pessoas.
Vivemos no tempo de Eco mais do que de Narciso. Em nossa Sociedade do EspetĆ”culo, todos querem viralizar, receber cliques, ter a atenção de todos o quanto for possĆvel. A crianƧa quer ser Influencer quando crescer. Nosso Monte Olimpo Ć© medido por seguidores, clicadas e likes. Muito se fala do narcisismo de Narciso, mas e o narcisismo de Eco? Eco só existe se for ouvida, se for notada, se for desejada. Tenta abordar o belo Narciso porque o deseja e esquece de perguntar se ele estava afim. A doenƧa de Eco hoje estĆ” manifesta nos stalkers, que decidem que vĆ£o possuir seu objeto de desejo a qualquer custo. E nĆ£o aceitam um nĆ£o como resposta.
A beleza da intervenção de NĆŖmesis Ć© transformar dois narcisistas em algo que traz benefĆcio a todos: Eco serve de reflexo para quem chama por ela. Narciso deixa a sua beleza Ć mostra para o mundo.
Nessa Ć©poca em que muita gente quer a atenção sobre si, Ć© muito difĆcil dizer que dar atenção, servir de reflexo para o Outro, pode trazer muito mais alegria do que se oferecer em vitrines virtuais. A verdadeira beleza Ć© a que serve a vida. A verdadeira beleza de servir traz mais alegria que ser um pop star narcĆsico.
Essa é a perfeita justiça de Nêmesis: tirar as pessoas do seu próprio umbigo e gerar alguma generosidade entre elas.
*Marco Antonio Spinelli Ć© mĆ©dico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade SĆ£o Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro Stress ā o coelho de Alice tem sempre muita pressa
O Mistério da Educação
Afonso Rodrigues de Oliveira
āEducai as crianƧas para que nĆ£o seja necessĆ”rio punir os adultosā. (PitĆ”goras)
Educar sempre foi um mistério. E pelo que vemos, atualmente o problema continua. Tenho observado com seriedade, o comportamento dos pais, diante do comportamento das crianças, atualmente. O comportamento das crianças mudou e muito, mas em rodovia diferente do dos pais; um para o norte, outro para o sul. E quando se encontram na encruzilhada a colisão quase sempre acontece. Exatamente as mesmas de tempos passados, só que de formas diferentes.
Eu ainda era crianƧa quando li essa pĆ©rola, na capa do meu caderno, na escola: āA educação Ć© como a plaina: aperfeiƧoa a obra, mas nĆ£o melhora a madeiraā. E pelo que vemos, nunca fomos educados para entender isso, quando educamos nossos filhos. E Ć© por isso que nĆ£o os educamos devidamente. NĆ£o sei se vocĆŖ se lembra, mas jĆ” tivemos, pouco tempo atrĆ”s, escolas especiais para crianƧas consideradas especiais. Quando na verdade, aquelas crianƧas eram as primeiras crianƧas da nossa Ć©poca atual. Mentes mais aberta que por isso nĆ£o eram entendidas. Simples pra dedĆ©u.
Preste mais atenção às crianças de hoje. Mas não as considere gênios nem especiais. São crianças do século vinte e um da era cristã, que nós, adultos e pais, ainda não conseguimos entender, porque não fomos educados para entender. O que estÔ tornando a educação um grande mistério. As escolas estão pairando no ar da dúvida. Os pais, infelizmente ainda na maioria, estão atÓnitos sem saber o que fazer. E por isso querem fazer o que seus pais sempre fizeram. O que jÔ não dÔ mais certo. Não hÔ como educar com gritos, palavrões nem palmadinhas. O que nos obriga a nos educarmos para educar as crianças, preparando os adultos.
JÔ falei pra você de quando chefiei o controle de qualidade de uma empresa em São Paulo. Da experiência que tive com aquele jovem operÔrio que negligenciava no trabalho para ser demitido. Da maneira como ele voltou ao trabalho com esmero, seguindo uma orientação do seu pai, vinda lÔ do sertão cearense. O que indica que a educação nasce no lar, assim como o educando. Se educarmos as crianças nos lares, elas não irão tão mal-educadas, para a escola. Um dia ainda entenderemos que o professor ensina; o pai educa. Quem sabe, um dia ainda criarão o Ministério do Ensino, e aprimorarão o da Educação.
Vamos ser cuidadosos para nĆ£o deturparmos a evolução a que assistimos atualmente, no comportamento das crianƧas atuais. Afinal somos todos da mesma origem racional. O que devemos seguir na caminhada para o retorno Ć nossa origem. Que Ć© inevitĆ”vel e possĆvel. Pense nisso.
99121-1460
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