Dois furtos registrados em Boa Vista com o mesmo modo de agir e menos de dois anos de diferença reforçam a suspeita de que uma quadrilha interestadual especializada nesse tipo de crime esteja atuando em Roraima. Conhecido como “Piratas do Shopping”, o grupo já é investigado em ao menos 14 estados e no Distrito Federal por ataques silenciosos e coordenados a joalherias instaladas em centros comerciais.
O primeiro caso no estado foi registrado em janeiro de 2024, no Roraima Garden Shopping. Na ocasião, um casal invadiu uma joalheria durante a madrugada, acessando o interior da loja pelo teto. Sem acionar alarmes ou deixar rastros evidentes, os criminosos conseguiram furtar cerca de R$ 1 milhão em joias.
À Folha, a Polícia Civil informou que, com base nas evidências reunidas, “há fortes indícios de que o crime foi cometido por uma organização criminosa especializada, com características semelhantes ao Piratas do Shopping”. A investigação, sob responsabilidade do 3º Distrito Policial, segue em estágio avançado, mas corre sob sigilo para preservar a eficácia das diligências.
Quase um ano e meio depois, em maio de 2025, uma loja da mesma rede — desta vez localizada no Pátio Roraima Shopping — voltou a ser alvo de criminosos. Também durante a madrugada, os suspeitos abriram um buraco no telhado para acessar o interior do estabelecimento. Embora a Polícia Civil ainda não confirme relação entre os dois crimes, o modus operandi semelhante reforça a linha investigativa sobre a atuação da mesma quadrilha.
O modus operandi
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Em nota, a corporação destacou que “diversas ações investigativas já foram realizadas, e outras ainda estão em curso, com o objetivo de identificar todos os envolvidos e esclarecer completamente a dinâmica do crime”. A atuação do grupo, segundo a Polícia, é marcada por um padrão: conhecimento prévio das vulnerabilidades das lojas, estruturas arquitetônicas semelhantes entre os shoppings e o uso de executores diferentes a cada ação.
Uma reportagem do Correio Braziliense mostrou que a quadrilha atua a partir de Santo Antônio do Descoberto (GO) e já causou prejuízos superiores a R$ 32 milhões em furtos a joalherias e lojas de eletrônicos. O grupo se desloca em pequenos comboios, cruza fronteiras estaduais e realiza os ataques após dias de reconhecimento nos shoppings.
Os criminosos costumam se espalhar pelas praças de alimentação, agindo como se não se conhecessem, e se comunicam por sinais discretos. Em alguns casos, conforme identificado pelaa Delegacia de Roubos e Furtos de São Luís do Maranhão (DRF), entram pelas lonas de cobertura, usam lojas vizinhas como passagem e até dutos de ventilação para acessar cofres — como aconteceu no furto de 2024 em Boa Vista.
Além da escolha estratégica da loja, o dia e a hora do crime também são calculados. Os criminosos evitam deixar rastros, trocam de roupa após a ação e fogem pela porta da frente. Para não serem identificados, utilizam documentos falsos e hospedagens sem registro formal.
Necessidade de provas
Sobre o primeiro caso, a Polícia Civil já havia informado à Folha que as investigações foram concluídas em março deste ano, com o indiciamento de W.C.S., responsabilizado por furto qualificado, mediante rompimento de obstáculo, escalada e destreza. O suspeito tem histórico de furtos de joias em diversos países e foi preso na Colômbia em agosto de 2024, com o apoio da Interpol e do Ministério Público do Estado de Goiás.
No entanto, segundo o delegado Matheus Fraga, titular do 3º Distrito Policial, ao Correio, o enquadramento como organização criminosa ainda depende da consolidação de provas. “Enquadrar o grupo como organização criminosa é um passo a ser dado, mas é difícil. Geralmente, começa com o furto qualificado e, só ao fim, delimitamos a participação de cada um. Conseguindo demonstrar essa organização, o indiciamento é mais rigoroso”, afirmou.
Apesar da complexidade das apurações — marcada pela mobilidade dos envolvidos e o uso de identidade falsa em hospedagens e deslocamentos —, a Polícia Civil disse seguir empenhada na elucidação dos crimes registrados no estado. Além disso, há troca de informações entre as polícias estaduais.