Cotidiano

Carta da ONU completa 70 anos em meio a desafios

“Quando se fala em Declaração Universal dos Direitos Humanos se fala de pessoas que precisam ser enxergadas como pessoas”, diz Irmã Telma, missionária católica

LEO DAUBERMANN

Editoria de Cidades

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. A frase, tirada do primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, é talvez a noção mais básica e conhecida de nossos direitos, direitos fundamentais que ainda não são cumpridos por todas as nações do mundo, incluindo o Brasil.

Essa é a opinião do membro consultor da Comissão Nacional de Direitos Humanos, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ednaldo Nascimento. “A Declaração Universal dos Direitos Humanos ainda é uma promessa não cumprida para muitas pessoas no mundo. O papel não só da Ordem, mas de toda a sociedade civil organizada é buscar que se cumpram esses direitos, que são de todos nós”, disse.

“Eu sempre digo que foi a maior declaração de amor que a ONU já fez à humanidade, essa Declaração Universal, embora, diariamente, os direitos fundamentais sejam violados, em diversas partes do mundo”, ressaltou Ednaldo.

A carta de princípios, que chega aos 70 anos de existência, surgiu como um alerta à consciência humana, contra as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, onde se afirmava a preocupação internacional com a preservação dos direitos humanos e definiam-se quais eram esses direitos.

“No auge do desrespeito aos direitos humanos, a ONU reuniu os países membros, incluindo o Brasil, para assinarem a Declaração, mas o lamentável é que, não só o Brasil, mas outros países, apesar de terem assinado, não cumpriram com o que assinaram, muito pelo contrário, vários países que antes não tinham tanta barbárie, passaram a ter, como no Brasil, com os anos cruéis da ditadura militar”, ressaltou o advogado.

MULHER INDÍGENA – Para a secretária-geral do Movimento de Mulheres Indígenas do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Maria Betânia Mota de Jesus, foram muitas as conquistas desde a assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas as lutas não foram fáceis.

“Enquanto povo indígena, enquanto movimento indígena, não foi fácil chegar até aqui, mas precisamos comemorar sim esses 70 anos, considerando o encorajamento e o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, e entre índios e não índios”, disse.

As mulheres indígenas, de acordo com Betânia, cada vez mais estão ocupando os espaços que antes eram somente dos homens. “Antes eu observava muito que não tinha mulher como tuxaua, não tinha mulher como coordenadora regional dos tuxauas, não tinha mulher deputada federal, e hoje já temos mulheres indígenas com esses papéis e aí a gente observa que, por meio das lutas das mulheres, vieram as conquistas”, ressalta.

Comissão dos Direitos Humanos e das Minorias atua na manutenção e ampliação dos direitos fundamentais

De acordo com o presidente da Comissão dos Direitos Humanos e das Minorias, da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima, deputado Evangelista Siqueira (PT), a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi um marco na garantia de direitos universais. “Temos muito a comemorar a existência desse documento, que ao longo destes 70 anos marca a construção de uma sociedade digna e igualitária”, disse o deputado.

Mas, ainda de acordo com o parlamentar, os direitos fundamentais contidos nos 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ainda não são cumpridos por todas as sociedades. “Ao mesmo tempo que comemoramos a existência da Declaração, lamentamos que alguns grupos ainda não vivam plenamente essas normativas que fazem com que as relações humanas se estabeleçam da forma mais saudável possível”, falou.

A Comissão dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, segundo o presidente, busca consolidar os direitos dos cidadãos. “Trabalhamos para que esses direitos sejam mantidos e ampliados. Direito não se retroage, direito se conquista cada vez mais”, disse.

De acordo com o parlamentar, o dever enquanto legislador e presidente da Comissão dos Direitos Humanos é trabalhar pela manutenção dos direitos fundamentais. “Nós temos que comemorar a garantia que nós temos através da Declaração, mas temos também muito a que lutar por novas conquistas e, para que essa Declaração seja vivida plenamente”, ressaltou Evangelista.

Segundo Evangelista, muitas pessoas já o procuraram, enquanto presidente da Comissão dos Direitos Humanos e das Minorias, com atitudes xenofóbicas, alegando que os imigrantes venezuelanos que chegam aos milhares no estado e vivem em situação de rua ou em abrigos, não são bem-vindos e deveriam ser expulsos de Roraima.

Centro de Migrações e Direitos Humanos é fonte de solidariedade para os venezuelanos em situação de vulnerabilidade social

Irmã Telma Lagedo Centro de Migrações e Direitos Humanos (CMDH), da Diocese de Roraima (Foto: Nilzete Franco/Folha BV)

“Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. A frase que completa o primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos é vivida na sua plenitude pelos membros do Centro de Migrações e Direitos Humanos (CMDH), da Diocese de Roraima, liderados pela Irmã Telma Lage.

O CMDH, junto com entidades da sociedade civil e pessoas de boa-vontade, têm sido fonte de solidariedade, fornecendo abrigo, alimentação e assistência aos milhares de venezuelanos que ultrapassam a fronteira do país fugindo da situação delicada por que passa o país, decorrente da crise econômica, política e institucional. No local é feito um trabalho de qualificação dos jovens migrantes, eles ajudam de maneira voluntária nas atividades do Centro, até conseguirem um emprego para manterem-se.

Entre os motivos de se considerar uma pessoa na condição de refugiada está a grave e generalizada violação dos direitos humanos. De acordo com Irmã Telma, muitos solicitantes de refúgio, não são reconhecidos ao apresentarem seus documentos de identificação. “Você olha para a foto da pessoa e pensa, não é a mesma pessoa”, diz, “porque o processo de emagrecimento por fome transforma até a fisionomia das pessoas”, completa.

“Outro dia a gente contou, somos 37 entidades trabalhando com a crise imigratória aqui em Roraima, no início éramos nós, a Universidade Federal e as outras pastorais. Isso demonstra a gravidade da situação e ao mesmo tempo demonstra a capacidade de resposta que a sociedade civil tem para as grandes demandas, uma capacidade que o governo federal demora muito pra articular, entra toda a dimensão política, tem gente que fica tentando ganhar em cima dessa situação, quando você vê um governo do estado falando em fechamento de fronteira, em devolução de pessoas, que fere inclusive um princípio do refúgio, que é a não devolução”, salientou Irmã Telma.

Para a missionária católica, a primeira conquista adquirida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos é a de “ter o direito humano como uma garantia”, é a segurança jurídica, que permite o embasamento dos direitos.