JESSÉ SOUZA

O caso Julieta e as facetas que este bárbaro crime traz para a reflexão de todos

Julieta Hernández Martínez foi assassinada brutalmente por um casal em Presidente Figueiredo, no Amazonas (Foto: Divulgação)

Quando você terminar de ler este artigo, em qualquer cidade brasileira ao menos uma mulher será assassinada, uma vez que as estatísticas mostram que 1,4 mil mulheres são mortas no Brasil apenas pelo fato de serem mulheres, uma a cada 6 horas, em média. E o repugnante desfecho do caso da artista, palhaça e cicloviajante Julieta Hernández Martínez, de 37 anos, precisa se tornar um marco em defesa dos direitos das mulheres e contra todos os tipos de violência sofridos pelo sexo feminino.

Nesse bárbaro crime estão reunidos vários fatores, além do fato de a vítima ser uma imigrante venezuelana assassinada de forma covarde e brutal em Presidente Figueiredo, cidade turística no interior do Amazonas. Integrante do grupo brasileiro de cicloviajantes “Pé Vermei”, Julieta estava desde 2015 pedalando por diversos estados do país compartilhando a sua arte, levando a alegria da palhaça Jujuba para crianças e adultos. Ela dizia que cultivava a liberdade, por isso estava sempre em movimento pedalando pelo Brasil.

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Foi assim que sua vida foi ceifada, quando viajava de bicicleta do Rio de Janeiro até a Venezuela e desapareceu no dia 23 de dezembro na cidade amazonense. Logo ela que levava na sua bicicleta sua arte circense, mas sempre inquieta em relação à desigualdade de gênero, em busca por equidade, conforme lembrou a presidenta da Fundação Nacional de Artes, Maria Marighella ao se posicionar sobre o assassinato de Julieta.

Ao se achar segura por estar em um local turístico conhecido por suas belas cachoeiras, Julieta sofreu os mais brutais ataques nas mãos de um casal que trabalhava como caseiro de uma propriedade. Primeiro ameaçada sob uma faca para entregar o celular. Depois submetida à violência sexual, seguido de outro ataque ao ter seu corpo incendiado. E, por fim, assassinada por asfixia com uma corda no pescoço e ter seu corpo enterrado em uma cova rasa.

Não se pode mais aceitar que seja “apenas mais um crime” dentro das estatísticas que vêm apontando o Brasil como um país que anualmente vem batendo recorde de feminicídio. Principalmente em Roraima, um dos estados que mais praticam violência contra as mulheres e onde um deputado estadual pastor evangélico apresentou projeto de lei que visa “valorizar homens e meninos na rede estadual de ensino” sob a justificativa de que haveria “números alarmantes da violência contra os homens”.

Além de a proposta escancarar de vez o fundamentalismo religioso que impregnou a política partidária, esse discurso esconde o descaso do poder púbico com as políticas em favor das mulheres, ao não garantir as estruturas necessárias para enfrentar a dura realidade que as mulheres vivenciam em casa, no trabalho e nas ruas diariamente. Para uma mulher ser vítima, basta estar sozinha, como se isso fosse uma condição para ser atacada.

O caso Julieta leva uma reflexão além disso, pois entre os seus algozes estava outra mulher que, ao presenciar a cena de violência sexual em que a artista circense estava sendo submetida pelo marido agressor, após ter seu celular roubado, decidiu matá-la sumariamente, como se a cicloviajante fosse culpada, e não uma vítima indefesa de um agressor da pior espécie. Da mesma forma que as pessoas culpabilizam a mulher por viajar só, por usar determinada roupa ou simplesmente por se divertir fora de casa.

O bárbaro assassinato de Julieta precisa ecoar o mundo a fim de incomodar todos os tipos de sociedade comandadas pelo machismo, onde a mulher morre só pelo fato de ser mulher e onde os homens estão acima de tudo, inclusive das leis. Em Roraima, há homens autoridades acusados de pedofilia, de assédio sexual e violência doméstica que estão passando incólume. Só aí era para gerar uma comoção coletiva. No entanto, tudo é esquecido até o próximo escândalo ou outro bárbaro crime…

*Colunista

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