Giramundo

Estou no aeroporto de Anchorage, Alasca, aguardando o voo que me levará de volta para casa.

Comprei as passagens da United com milhas, em promoção, ainda na pandemia do coronavírus, em 2021, quando todos batiam cabeça, a adivinhar o que viria pela frente. Acredito que ninguém poderia supor como seria o “novo normal”, ou que voltaríamos ao normal, se é que voltamos.

Após visitar a caliente Honolulu, capital do Havaí, cheguei ao Alasca, um lugar fascinante e surpreendente, que já conhecia. Desembarquei em Anchorage com temperaturas altas para os padrões locais. É verão, os termômetros oscilam entre 5° e 12°.

A primeira vez que por aqui estive, peguei temperatura boa para urso polar hibernar.

Gosto de aeroportos, já estive nos maiores e mais importantes do mundo, em todos os continentes.

Aeroporto são cidades, com suas dinâmicas, logísticas e movimentação.

Cheguei cedo, fui o primeiro a fazer o check in; fui conduzido, em cadeira de rodas, para o portão de embarque.

Observo o vai e vem frenético de pessoas a circular pelos amplos salões. Vejo famílias com crianças, a empurra-los em carrinhos. Outra família, também com crianças, estas maiores, a correr em algazarras entre as cadeiras do saguão. Crianças são parecidas nos quatro cantos do mundo. Alegres e barulhentas.

Duas senhoras, no adiantado da idade, muito gordas, se acomodam, ou melhor, se entalam nas cadeiras da sala de embarque. Uma delas anda com o auxílio do andajá. Como a obesidade mórbida está crescendo no mundo, especialmente nos EUA. Quem já visitou o país sabe como os americanos ingerem açúcar e carboidrato em quantidade que daria para alimentar todos os habitantes dos países africanos, salvando-os da desnutrição.

Todos no meu entorno, sentados, olhos fixos nas telas dos smartphones. Ninguém conversa com a pessoa ao lado. Absortos em suas telas hipnóticas. A tecnologia nos conectou com o mundo, mas nos isolou da pessoa ao lado.

Uma jovem, alta, esguia como uma Barbie, lembra Paris Hilton, chega com sua cadela, vestida de pink, com cristais Swarovski, mais bem tratantada que a maioria dos seres ditos humanos do planeta.

Estudantes barulhentos, sentados no chão, entoam canções que deve ser rapper. Os jovens também são parecidos em todo os lugares.

Um casal de rapazes barbados, musculosos, de mãos dadas, vasculha com o olhar o ambiente, a procura de um lugar para sentar. Tudo cheio, resolvem bater em retirada.

Dois velhos vão até o balcão de informações, e voltam com seus passos trôpegos. Um jovem, ao longe, destoa dos demais. Fone de ouvido, ler um livro impresso. Folheia-o com prazer. Há salvação para a humanidade. Um outro cara em um bar, sem celular, computador, tablet ou livro, tomando sua cerveja, olhar perdido, pensando na vida. Surreal para os dias atuais.

Curiosidades sempre me assolam, quando estou em algum aeroporto pelo mundo. Para onde vão essas pessoas? De onde vieram?

Mesmo no longínquo Alasca, “The Last Frontier”, slogan do estado ultramarino americano, as pessoas não param.

Se algum curioso, se ater a me observar, o que pensará de mim? O que esse velho está fazendo neste aeroporto? De onde veio? Para onde vai? Como veio parar no Alasca com suas muletas? Estará perdido? O que procura? Não sabendo que já fui em lugares mais longínquo que o Alasca.

Sou ser de travessia, sempre em movimento, gosto de me locomover de um lado para outro. E, como me classificou um amigo, chamando-me de “giramundo”, sou pião, gosto de estar em diferentes lugares da terra. Quanto mais distante, melhor; maior o desafio.

Rebobino a memória, lembro de meu velho e saudoso pai. Todas as vezes que um amigo lhe perguntava:

-Luiz, cadê teu filho?

-Está viajando.

-Pra onde?

-Para o Alasca.

-Onde fica isso?

-Depois de Bacabal.

Para Luiz Magno, tudo que era longe, ficava depois de Bacabal.

Ouço sua risada, feliz em saber que seu primogênito segue viajando por esse mundão de meu Deus. Indo cada vez mais longe, vencendo seus medos.

Uma coisa é certa, se achar passagens que caibam no bolso, volto novamente. Não tenho problema em repetir lugares visitados.

Luiz Thadeu Nunes e Silva, Eng. Agrônomo, Palestrante, cronista e viajante: o latino americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes da terra. E-mail: [email protected]

Esquecer, nem sempre

Afonso Rodrigues de Oliveira

“Quando ela canta me lembra um pássaro. Não um pássaro cantando, mas um pássaro voando”. (Ferreira Goulart)

O Ferreira Goulart escreveu esta pérola referindo-se à cantora Nara Leão, uma das mais notáveis do Brasil. Ontem, ouvindo a Clara Nunes, devo ter sentido o mesmo que sentiu o Goulart. A Nara Leão realmente nos lembrava um pássaro. A Clara Nunes nos leva ao mundo não só dos pássaros, mas da alegria e divertimento sadios. Eu me lembro do dia triste da morte da Clara Nunes. Eu estava no meu tapiri, ali na Confiança I, ouvindo a Clara, pelo rádio, quando soube do seu falecimento. Momento de que nunca me esquecerei. Ontem, quarenta anos depois, passei a manhã toda ouvindo músicas da Clara Nunes. E não foi um momento de sentimentalismo, mas de prazer, pela beleza na grandeza de uma das maiores cantoras do Brasil, que não devemos esquecer, nunca. Pena que os meios de comunicação da música não tenham se atentado para o valor que estamos escondendo no esquecimento.

Enquanto ouvia a música da Clara, fiquei me lembrando de grandes cantoras e cantores da época da Clara Nunes. Tantos estão guardados no baú do descaso, sendo considerados portadores da sofrência. Não sei exatamente o que querem dizer quando dizem que certo estilo de música é sofrência. Estamos jogando para a mala do desprezo o que tivemos e continuamos fazendo, no melhor da música, tanto nacional quanto internacional. Mas, tudo bem. Sempre que assistimos a uma apresentação de cantores de músicas antigas, vemos que as plateias se envolvem no encanto do que não deve ser esquecido.

Vamos sofrer menos amando mais. E quando amamos não esquecemos o fruto do amor. O tempo passa e nos leva, mas enquanto estivermos por aqui, vamos viver os melhores momentos de nossas vidas, para lembrá-los no futuro, quando eles já serão passados. As lembranças nos palcos nos levam a passados que nem percebemos que existiram. Ainda na década dos sessentas, em um exame de português, em Taubaté-SP, a examinadora me perguntou: “O que torna uma música clássica”? A pergunta foi sem nexo, numa prova de português. A resposta, também: é a qualidade. A examinadora não fez nem um gesto aprovando ou desaprovando. Sei lá o que aconteceu. Mas lembrei-me disso, ontem, assistindo à Clara Nunes, na sua interpretação em uma coleção de músicas populares que considero clássicas, pela qualidade, tanto na música quanto na intérprete. Foi uma manhã muito gostosa, na gostosura do gosto de quem gosta do gosto gostoso. Faça isso ouvindo as pérolas apresentadas por verdadeiras pérolas da nossa música, popular ou clássica. Pense nisso.

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