(Créditos: iStock/ Olena Bondarenko)
(Créditos: iStock/ Olena Bondarenko)

A gastronomia nacional é um dos maiores exemplos da criatividade brasileira. Ao longo do século XX, o país transformou influências estrangeiras em receitas com identidade própria, adaptando ingredientes, sabores e modos de preparo ao paladar local.

Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2022, 78% dos brasileiros consomem doces ao menos uma vez por semana, e muitos desses doces têm nomes que soam estrangeiros, mas nasceram aqui mesmo. Essa mistura de culturas culinárias é parte do que faz da cozinha brasileira uma das mais inventivas do mundo.

De sobremesas inspiradas na confeitaria europeia, como a torta holandesa, a criações caseiras, como a palha italiana, o brasileiro provou que consegue transformar qualquer receita em algo único e afetivo.

Palha italiana e brigadeiro

Apesar do nome, a palha italiana é uma invenção brasileira. O doce surgiu nos anos 1980, no Sul do país, quando confeiteiras começaram a misturar pedaços de biscoito maisena ao tradicional brigadeiro, criando um doce prático e crocante.

Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2019, observaram, em um estudo sobre adaptações culturais na confeitaria brasileira, que o uso do leite condensado foi o ponto de virada para consolidar a palha italiana como doce nacional. A base cremosa e o sabor mais doce diferenciam a receita brasileira da versão italiana, o salame di cioccolato, feito com manteiga e chocolate amargo.

O brigadeiro, por sua vez, nasceu em 1945, durante a campanha presidencial de Eduardo Gomes, conhecido como “Brigadeiro”. Segundo o historiador Carlos Alberto Dória, o doce se popularizou nas festas urbanas do pós-guerra, quando o leite condensado substituiu ingredientes escassos como ovos e açúcar refinado. Desde então, tornou-se símbolo da gastronomia nacional e da afetividade brasileira.

Torta holandesa

A torta holandesa talvez seja o melhor exemplo de uma sobremesa com “cara de importada”, mas alma brasileira. Ela foi criada em Campinas (SP), em 1991, por Sílvia Leite, uma confeiteira que se inspirou em sobremesas europeias que conheceu durante o trabalho em uma rede de hotéis.

Pesquisas do Senac São Paulo, de 2020, sobre inovação em confeitaria indicam que a torta holandesa é uma das sobremesas mais reproduzidas em padarias e cafés do país, principalmente por unir praticidade e estética sofisticada. O doce combina uma base de biscoito amanteigado, creme à base de manteiga e leite condensado e cobertura de chocolate, sem nenhuma relação direta com a Holanda.

A popularidade do doce cresceu nas décadas de 1990 e 2000, acompanhando a expansão das confeitarias artesanais brasileiras. Hoje, ele é considerado um clássico entre as sobremesas típicas do país, com inúmeras variações caseiras, incluindo versões com frutas vermelhas ou chocolate branco.

Pavê, Romeu e Julieta e outras sobremesas adaptadas

Nem só de brigadeiro e torta holandesa vive a criatividade brasileira. O pavê, por exemplo, tem nome francês – vem de pavé, que significa “camada” –, mas foi criado no Brasil, nos anos 1960, quando o uso do leite condensado se consolidou nas sobremesas domésticas.

De acordo com pesquisa do Instituto Datafolha, de 2021, sobre hábitos alimentares, o pavê é a sobremesa mais preparada nas festas de Natal brasileiras, presente em 64% dos lares entrevistados.

Já o Romeu e Julieta, combinação de queijo com goiabada, é uma criação mineira que ganhou o país. A Fundação João Pinheiro, de Minas Gerais, identificou que o hábito de unir queijo fresco e doce de frutas surgiu nas fazendas coloniais do século XIX, como forma de equilibrar sabores e conservar alimentos.

Esses doces ilustram o espírito adaptativo da culinária brasileira: pegar influências estrangeiras e reinventá-las com ingredientes nacionais e criatividade.

O papel social e emocional dos doces brasileiros

O gosto nacional por sobremesas também é um reflexo cultural. Um estudo da Fiocruz, de 2015, sobre alimentação e comportamento destacou que os doces no Brasil estão associados à afetividade e à convivência, sendo parte das celebrações familiares, das festas escolares e das lembranças de infância.

Essa dimensão emocional explica por que tantas sobremesas “com nome de fora” se tornaram tão queridas. Segundo relatório da Mintel Brasil, de 2023, 52% dos consumidores afirmam que doces “despertam boas memórias”, e 61% preferem receitas tradicionais a sobremesas industrializadas.

De palha italiana atorta holandesa,passando pelo pavê e pelo Romeu e Julieta, essas sobremesas brasileiras mostram que nem tudo que parece importado realmente é. Nascidas da mistura de culturas e da inventividade popular, elas são parte viva da gastronomia nacional, doce, criativa e cheia de história.

Mais do que imitações, são exemplos de como o Brasil transforma referências globais em delícias afetivas, simples e inesquecíveis. Afinal, aqui, até o que parece estrangeiro tem um toque genuinamente brasileiro.