Em abril de 2019, enquanto o mundo acelerava rumo a crises climáticas, políticas e existenciais, Weyes Blood — nome artístico da californiana Natalie Mering — lançou “Titanic Rising”, um álbum que encapsulava o terror e o êxtase de viver em tempos de colapso. Hoje, seis anos depois, o disco permanece como uma obra-prima do pop barroco, uma ponte entre a melancolia de Joni Mitchell e a grandiosidade orquestral de ABBA, filtrada por uma sensibilidade contemporânea que fala diretamente à ansiedade do século XXI.
Neste quarto álbum, Mering fortaleceu sua voz no cenário indie, abandonando parte do experimentalismo de seus trabalhos anteriores para abraçar uma narrativa mais lírica e universal. Se em “Front Row Seat to Earth” (2016) ela explorava texturas psicodélicas, aqui ela opta por arranjos luxuosos, repletos de cordas, pianos e harmonias vocais que evocam os anos 70 sem nunca soar nostálgicos. O resultado é um disco que reflete caos e oferece um refúgio de beleza e clareza.
O contexto de “Titanic Rising” é fundamental para entendê-lo: lançado em meio ao aumento da polarização política, às greves pelo clima e à epidemia de solidão digital, o álbum funciona como um espelho líquido dessas angústias. Mering canta sobre amor, fim do mundo e conexão perdida, mas sem didatismo — sua abordagem é pessoal e cósmica ao mesmo tempo, como se cada canção fosse uma carta escrita no último dia da Terra.
Produção e sonoridade
Produzido em parceria com Jonathan Rado (Foxygen), “Titanic Rising” é um exercício de equilíbrio entre o íntimo e o grandioso. As faixas são construídas sobre baseamentos acústicos, sintetizadores e camadas de cordas que lembram o trabalho de arrumadores como Van Dyke Parks. A voz de Mering flutua sobre esses arranjos como um farol na névoa e escuridão.
- “A Lot’s Gonna Change” abre o álbum com um piano melódico e vocais em camadas. Uma nostalgia pré-nostálgica.
- “Andromeda” combina um ritmo de valsa espacial com letras sobre amor e isolamento, enquanto guitarras brilhantes ecoam o melhor do soft-rock dos anos 70.
- “Movies”, talvez o ápice do álbum, é uma balada cinematográfica que cresce até um clímax orquestral, com Mering questionando por que o mundo real nunca é tão bonito quanto as telas.
- “Wild Time” fecha o ciclo com um hino apocalíptico, onde ela canta “Estamos todos à deriva” sobre um mar de cordas e coros.
A produção é impecavelmente detalhada, mas nunca opressiva. Cada elemento serve à emoção crua das letras.
Repertório
“Titanic Rising” não tem covers, mas é repleto de referências subliminares:
- A estética do desastre (como no título, que evoca o naufrágio do Titanic) aparece em letras sobre relacionamentos afundando e civilizações em colapso.
- “Everyday” é uma das poucas faixas otimistas, quase uma canção de motivação para o fim dos tempos, com um refrão que poderia ter saído de um álbum de Carpenters.
- “Mirror Forever” mergulha em distorções sutis e harmonias dissonantes, lembrando que mesmo na beleza há fissuras.
A ordem das faixas não é acidental: o álbum começa com esperança ferida (“A Lot’s Gonna Change”) e termina com aceitação resignada (“Wild Time”), como um ciclo completo de luto e redenção.
Recepção
À época do lançamento, “Titanic Rising” foi unanimemente aclamado. A Pitchfork o chamou de “um dos melhores discos do ano”, e o The Guardian destacou sua “capacidade rara de ser grandioso e comovente”. O público também abraçou o álbum, transformando “Movies” em um hino cult para uma geração que cresceu entre streaming e desesperança.
Seis anos depois, seu legado só cresceu:
- Artistas como Lana Del Rey, FKA twigs e Mitski citaram Mering como influência.
- O disco é frequentemente mencionado em listas de “álbuns essenciais do indie moderno”, ao lado de obras de Beach House e Fleet Foxes.
- Suas temas — ecologia, alienação, amor em tempos sombrios — só se tornaram mais urgentes.
“Esse álbum é para quem…”
Ama pop sofisticado que dialoga com Kate Bush, Joni Mitchell e Broadcast. Para quem busca música que seja ao mesmo tempo catártica e melancólica, como o trabalho de Angel Olsen ou Julia Holter e para quem quer um disco que fale sobre o fim do mundo sem perder a poesia.
Se você ainda não mergulhou em “Titanic Rising”, cada dia que passa no mundo do jeito que está, se mostra um momento perfeito. Porque, como canta Mering, “Nada mais é real, exceto o que você sente”.