SEXTA CINÉFILA FOLHA BV 🎬

North Sea Texas: a poesia silenciosa do primeiro amor

Como Bavo Defurne transformou uma história de descoberta queer em um filme tão tátil quanto uma tarde de verão

North Sea Texas: a poesia silenciosa do primeiro amor

Em mais uma edição da Sexta Cinéfila Folha BV, nossa série dedicada a filmes que reinventam o olhar, mergulhamos em “North Sea Texas” (Noordzee, Texas, 2011), obra de estreia do diretor belga Bavo Defurne. Com uma narrativa que prioriza o não dito sobre o dito, o filme é um retrato delicado da descoberta da sexualidade na adolescência, nos campos ventosos e melancólicos da costa belga.

Adaptado do romance “Nooit gaat dit over” de André Sollie, o filme acompanha Pim (Jelle Florizoone), um garoto de 14 anos que vive com sua mãe despreocupada, Yvette (Eva van der Gucht), e nutre uma paixão secreta por Gino (Mathias Vergels), o filho mais velho da vizinha. A trama se desenrola em tons pastel e luzes difusas, com uma fotografia que parece capturar aquele momento fugaz entre a infância e a vida adulta, quando sentimos tudo e entendemos nada.

Foto: Reprodução/Indeed Films/Mollywood/Eén

A atmosfera é nostálgica, quase como um sonho acordado. As cenas são pontuadas por trilhas de acordeão, o barulho do vento no litoral e silêncios que falam mais que diálogos. O cenário é uma região rural belga nos anos 1960 e é tão personagem quanto Pim, com casas modestas, estradas vazias e o mar sempre presente, mas distante.

Disponível no MUBI e para locação no Google Play e Apple TV, “North Sea Texas” é um daqueles filmes que ficam na pele, como a lembrança de um verão que nunca volta.

Enredo

A história poderia ser resumida em uma linha: um garoto se descobre apaixonado pelo vizinho. Mas Defurne evita qualquer dramaticidade excessiva. Em vez disso, opta por uma narrativa impressionista, onde os sentimentos são transmitidos por gestos, olhares e pequenos rituais domésticos.

Pim, adolescente tímido e artístico, coleciona objetos abandonados e os transforma em pequenos altares — um reflexo de seu mundo interior, cheio de afeto não expresso. Sua relação com Gino, um jovem mais velho e despretensioso, se desenvolve em cenas mínimas: um toque casual, um mergulho no lago, um bilhete deixado na janela. Não há discursos grandiosos sobre sexualidade, apenas a quietude de dois corpos se descobrindo.

O filme subverte o coming-of-age tradicional ao fugir de conflitos externos. Não há vilões, nem grandes obstáculos — apenas a passagem do tempo e a dor sutil do crescimento. A mãe de Pim, Yvette, é ausente mas não cruel; Gino é afetuoso, mas não um herói.

Elenco

Foto: Reprodução/Indeed Films/Mollywood/Eén

Florizoone, então estreante, conquista quem assiste como Pim. Seu rosto expressivo transmite anseio e vulnerabilidade sem precisar de palavras, um papel que depende de microações, e ele domina com naturalidade. Mathias Vergels como Gino traz uma energia crua e despretensiosa, equilibrando carisma e indecisão. Sua química com Florizoone é orgânica e comovente. Eva van der Gucht rouba cenas como Yvette, a mãe que sonha com uma vida mais glamourosa, mas acaba presa em sua própria imaturidade.

Defurne nunca havia trabalhado com o elenco antes, mas a direção minimalista permite que os atores brilhem em sua simplicidade.

Direção

Foto: Reprodução/Indeed Films/Mollywood/Eén

Defurne é conhecido por curtas líricos e visualmente poéticos, traz para “North Sea Texas” sua marca registrada: Planos longos e contemplativos, como se o espectador estivesse espiando a vida real através de uma janela; uma paleta de cores suaves — azuis desbotados, verdes pálidos, tons de areia — que reforçam a melancolia e a nostalgia e trilha sonora dominada por acordeão e piano, composta por Els Deceukelier, que evoca uma Bélgica entre o rural e o atemporal.

Seus trabalhos posteriores, como “Souvenir” (2016), confirmam sua fascinação por histórias de amor fora do convencional.

Recepção da crítica

Na época do lançamento, “North Sea Texas” foi elogiado pela sensibilidade, mas alguns críticos o acharam lento demais. O The Hollywood Reporter destacou sua “beleza quieta”, enquanto o IndieWire questionou se o filme “evitava conflitos em excesso”. Com os anos, porém, ganhou status de filme cult no cinema queer, sendo celebrado por retratar a homoafetividade sem trauma.

Hoje, é frequentemente comparado a obras como “Call Me by Your Name” e “Maurice”, mas com uma austeridade mais próxima do cinema europeu clássico.

“North Sea Texas” é para quem…

Ama filmes que privilegiam atmosfera sobre ação, como os trabalhos de André Téchiné ou Luca Guadagnino, para quem busca representações queer sem estereótipos, onde o romance é tratado com naturalidade e poesia. E por, fim, pra quem se emociona com histórias de amadurecimento sutis, onde o silêncio diz mais que palavras.

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