Um passeio pela cidade de Boa Vista com os olhos curiosos de uma criança autista. Essa é a proposta do curta-metragem “Ana Rosa e o Rio de Todas as Cores”, apresentado no último domingo (27), em uma sessão especial no Teatro Municipal de Boa Vista. Com pouco mais de 8 minutos de duração, o filme levou mais de 130 pessoas ao teatro e proporcionou às crianças uma experiência imersiva, com brincadeiras e atividades inspiradas na narrativa da obra.
Realizado com recursos da Lei Paulo Gustavo, o curta foi idealizado e produzido em Roraima, com uma equipe técnica formada por profissionais locais: direção e roteiro de Lennon Uriel, ilustrações de Maiza Carvalho, assistência de direção de Jordânia Cavalcante, trilha sonora original do OroboroDuo e voz de Júlia Maria na dublagem da protagonista.
Cidade como cenário e identidade
Ambientado totalmente em Boa Vista, o curta reforça o pertencimento da infância à cidade em que vive. A protagonista, Ana, é uma menina autista que, ao esquecer de fazer uma tarefa escolar sobre as cores da cidade, embarca com o pai em uma jornada de bicicleta pelas paisagens da capital roraimense. É nesse percurso que ela vai descobrindo, com encantamento, os tons e nuances de onde mora.
“Nossa intenção era fazer com que as crianças se reconhecessem na paisagem, no som da cidade, no jeito de falar. Tudo o que aparece no filme é inspirado na realidade de Boa Vista. Chegamos a gravar o som do Rio Branco e da avenida Ene Garcez para trazer essa autenticidade”, explicou Lennon Uriel, diretor e roteirista.
Animação de baixo estímulo e protagonismo autista
O filme se alinha a uma tendência atual na produção infantil chamada animação de baixo estímulo, que evita excesso de cores, sons agitados e narrativas aceleradas. A ideia, segundo Lennon, é respeitar o tempo da criança e oferecer uma experiência mais sensível – especialmente para o público neurodivergente.
“A Ana é uma criança autista que percebe o mundo de uma forma diferente, mas com leveza. Ela é protagonista da própria história. E o fato de ser autista não é um problema na trama, é apenas uma característica”, afirmou o diretor, que também é autista. A dubladora da personagem, Júlia Maria, também é uma pessoa com o diagnóstico de TEA (Transtorno do Espectro Autista).
O processo de criação envolveu testes com crianças para avaliar a compreensão das cenas. “A gente queria garantir que a linguagem fosse adequada para o público infantil. O que funciona para o olhar do adulto nem sempre funciona para uma criança. Foi um processo delicado e feito com muito cuidado”, reforçou Jordânia Cavalcante, assistente de direção.
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Encontro com o público e arte coletiva
Após a exibição, as crianças participaram de atividades interativas relacionadas ao filme. Houve dinâmicas de identificação das cores nos cenários reais da cidade e uma oficina de pintura, em que os pequenos coloriram cenas do curta em preto e branco à sua maneira.
“O mais bonito foi ver como elas reagiram à história. Ficaram encantadas e queriam saber se teria mais aventuras da Ana. Esse retorno mostra que conseguimos tocar o público de forma leve e afetiva”, relatou Lennon.
Valorização da cultura local e inclusão
Para os criadores, o impacto do projeto tem dois eixos principais. O primeiro é o fortalecimento da identidade local. “A maioria das produções infantis se passa em cidades grandes, com prédios e mar. Aqui temos rio, temos uma cidade plana. A criança precisa se ver na tela, reconhecer seu próprio território”, destacou o diretor.
O segundo ponto é a inclusão. “A Ana é uma criança autista feliz, que vai à escola, que tem uma família que a entende. Isso desconstrói estigmas. E as crianças recebem essa mensagem de forma muito mais natural do que os adultos, que já vêm com preconceitos ou ideias formadas”, completou.
Apesar dos desafios de criar uma animação autoral em um estado onde essa linguagem ainda é recente, a equipe celebra o resultado como um marco para o audiovisual local. “É o começo de algo. A gente quis fazer um filme com a nossa cara. E conseguimos. Feito aqui, por gente daqui, para as nossas crianças”, concluiu Lennon.
A produção deve seguir sendo exibida em escolas, projetos sociais e outros eventos culturais ao longo dos próximos meses. Por esse motivo, o curta ainda não está disponível online, mas o público já pode assistir ao trailer. Confira abaixo: