
Quando um refluxo ácido, úlcera ou gastrite exige a prescrição do omeprazol, o alívio imediato é bem-vindo com a redução de acidez, menos incômodo e menos risco de complicações. Mas ao longo dos anos, cresce uma pergunta inquietante: e se esse tipo de medicamento for usado por muito tempo, sem revisão ou reavaliação adequada? Estudos apontam que o uso prolongado, sem necessidade, pode estar associado a riscos além dos esperados, inclusive no campo cognitivo.
No caso dos IBPs (Inibidores da Bomba de Prótons), um grande estudo com quase 2 milhões de indivíduos acompanhados por cerca de dez anos observou que o uso cumulativo foi associado a um aumento na taxa de demência: para a faixa de 60-69 anos, a razão de incidência (IRR) foi de 1,36 (IC 95%:1,29-1,43) para uso versus nunca-uso. Outro estudo sugeriu que o risco aumentado aparecia especialmente após quatro anos ou mais de uso regular.
Em contrapartida, revisões críticas apontam que muitos dos estudos com nível mais elevado de evidência não confirmaram uma associação estatisticamente significativa ou não estabeleceram causalidade. Por exemplo, segundo um artigo de revisão: “a maioria dos estudos classificados com o mais alto nível de evidência não encontrou associação estatisticamente significativa entre o uso de IBPs e o desenvolvimento de comprometimento cognitivo ou demência”.
É uma boa demonstração de nuance: há sinal de alerta, mas não veredictos definitivos. A hipótese é que, com o uso prolongado dos IBPs, ocorram fatores como deficiência de vitamina B12 (já associada ao declínio cognitivo), modificações na microbiota intestinal ou até mesmo interferências nos mecanismos de degradação da proteína β-amiloide, essa última usada como marcador da doença de Alzheimer. Nesse cenário, o medicamento não “causa” demência de forma comprovada, mas pode fazer parte de uma série de fatores de risco, se usado por muitos anos sem reavaliação.
Mas a história não para por aí. Outras classes de remédios com uso prolongado também despertam preocupações semelhantes e ajudam a compor o panorama de que “uso contínuo sem reflexão” pode ser um problema em saúde pública. Tomemos o exemplo dos Benzodiazepinas, comumente prescritas para ansiedade ou insônia: uma meta-análise de dez estudos encontrou que pacientes que usaram benzodiazepinas por mais de três anos tiveram risco aumentado de demência (RR ≈ 1,51; IC95% 1,17-1,95) comparado a não-usuários.
O mote, portanto, se repete: muitos desses medicamentos têm um papel importante, mas se o uso se estende por anos sem revisão periódica, sem justificativa atualizada e sem considerar intervenções não-farmacológicas então cresce o risco de “efeitos colaterais de longo prazo”, entre eles implicações para a cognição.
Para o usuário, isso significa: se você está usando omeprazol (ou outro IBP) há vários anos, ou se foi colocado em benzodiazepinas de uso prolongado, vale a pena pedir ao(a) médico(a) uma reavaliação. No caso dos IBPs, vale lembrar ainda que alterar o estilo de vida como perder peso, alimentação mais cuidadosa, evitar tabaco e álcool pode permitir que o medicamento seja suspenso ou reduzido. No das benzodiazepinas, existem terapias não farmacológicas para insônia ou ansiedade (como terapia cognitivo-comportamental) que podem reduzir a dependência de remédios.
Para o profissional de saúde, a mensagem é semelhante: prescrever com base em diretrizes, sim, mas com atenção ao tempo de uso. A duração do tratamento deve ser revisitada, a indicação deve ser reafirmada periodicamente, e os pacientes mais velhos devem estar sob vigilância especial. O uso contínuo, sem pensar no horizonte abre espaço para riscos evitáveis.