Política

PF prende agentes políticos por esquema de corrupção em RR

Ação da Polícia Federal investiga suposta organização criminosa que desviava dinheiro da alimentação dos presos. Agentes cumpriram 11 mandados de prisão e 20 mandados de busca em Boa Vista e Brasília

Operação Escuridão, deflagrada pela PF em Roraima, prendeu na manhã dessa quinta-feira, 11 pessoas suspeitas de envolvimento em um esquema de desvio de dinheiro público em contratos para alimentação de presos que somavam R$ 70 milhões, entre 2015 e 2018.

Ao todo foram cumpridos 11 mandados de prisão preventiva e 20 mandados de busca e apreensão nas cidades de Boa Vista (RR) e Brasília (DF). Um dos mandados de busca e apreensão foi cumprido em um escritório anexo à casa da governadora. Suely Campos, no entanto, não foi alvo da ação e nem é investigada no inquérito. Os mandados foram expedidos pelo desembargador Jeferson Fernandes do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima.

O nome da operação “Escuridão” faz referência a nona praga bíblica do Egito, que veio após os ‘Gafanhotos’, na qual o povo foi colocado sob trevas em razão das ações do Faraó.

Entenda como funcionava o esquema, segundo a PF

Vários saques e repasses foram constatados pela PF através de filmagens e foi pedida a quebra do sigilo bancário e telefônico dos investigados (Foto: Priscilla Torres/Folha BV)

Segundo o delegado da Polícia Federal Anderson Alves Dias, que foi o responsável pelas investigações, a organização vinha atuando desde 2015 no sistema prisional, mas somente após a primeira etapa das investigações é que foi aberto o inquérito em 2017.

“Nós identificamos inicialmente no primeiro contrato que foi pactuado com a Sejuc superfaturamento de cerca de 70%. Depois pessoas que não tinham capacidade econômica passaram a ser donos da empresa. A partir daí uma nova empresa se constituiu e foi vencedora do pregão para continuar fornecendo alimentação aos presos. Foi uma mudança fictícia, pois a empresa continuou a mesma”, explicou o delegado.

Alexandre Dias disse ainda que, durante a investigação, verificou-se que eram feitos diversos saques em espécie de cerca de 20 a 30% do valor que a empresa recebia das faturas que eram pagas pelo governo e os valores eram distribuídos entre integrantes da organização, e também eram utilizados para pagamento de propina. Vários saques e repasses foram constatados pela PF através de filmagens feitas durante as investigações e foi pedida a quebra do sigilo bancário e telefônico dos investigados, o que teria comprovado os crimes. O esquema contava com a participação de agentes públicos e políticos, os quais também são alvos das medidas que estão sendo cumpridas.

“Parte dos valores recebidos foram desviados. Fizemos muitas diligências, vigilâncias e conseguimos registrar a entrega das propinas e estimamos desvios de mais de R$ 15 milhões. O que surpreendia eram justamente os valores sacados em espécie, valores expressivos de mais de R$ 500 mil de uma só vez. São valores bastante relevantes para qualquer empresa movimentar”, concluiu.

Confira quem são os presos na Operação Escuridão

Os presos foram levados para exame de corpo delito no Instituto Médico Legal (Foto: Minervaldo Lopes/Folha BV)

Dez dos 11 presos na operação da Polícia Federal foram levados à sede da PF para serem ouvidos e indiciados pelos crimes lavagem de dinheiro, organização criminosa, fraude licitatória e peculato. Em seguida, eles ficaram detidos no Comando de Policiamento da Capital, no centro da cidade. Apenas Guilherme Campos, filho da governadora, que foi preso em Brasília, deve permanecer detido na capital federal até que o judiciário solicite sua transferência.

Além de Guilherme, entre os presos pela Polícia Federal estão o ex-secretário de Justiça e Cidadania, Josué Filho; o também ex-secretário de Justiça e Cidadania, Ronan Marinho; o deputado estadual eleito Renan Filho (PRB), que seria ligado à empresa Qualigourmet, e sua esposa Simone de Oliveira Cruz; o empresário João Kleber Martins, que seria sócio da referida empresa, Cloves Machado, Breno Lambert, Guderian Pacheco, Wesley Gomes e Marco Antônio Rodrigues, todos ligados à empresa.

“São empresários e pessoas que trabalhavam na empresa ou que tinham um vínculo com a organização. O inquérito ainda não está fechado e outras pessoas podem ser ouvidas. Não dá para fazer um prognóstico de quantas pessoas vão ser presas e ainda estamos vendo quem fez o quê. Não necessariamente todas as pessoas estão respondendo por todos os crimes e é preciso fazer essa distinção”.

Carros de luxo, joias e lancha foram apreendidos pela PF

Entre os bens apreendidos estavam cerca de dez carros de luxo, como um Camaro, um Audi A3 e três SW4, além de uma lancha (Fotos: Divulgação/Folha BV)

Entre os bens apreendidos pela Polícia Federal estavam cerca de 10 carros de luxo, entre eles um Camaro, um Audi A3 e três SW4, além de uma lancha, joias e dinheiro em espécie.

A Polícia Federal afirmou que não conseguiria estimar o valor dos bens e que em alguns casos seria necessária uma avaliação para se ter uma ideia dos valores apreendidos. A maioria dos bens não estava efetivamente nos nomes dos envolvidos, mas de supostos ‘laranjas’.

“Essa foi uma das facetas que identificamos o fato do enriquecimento ilícito, pois diversos desses veículos não estavam efetivamente no nome dessas pessoas. Então houve ocultação de patrimônio que foi comprovada na quebra de sigilo bancário e fiscal”.

A polícia informou que foi feita perícia em relação à movimentação bancária e a renda dos envolvidos e comprovado que os bens adquiridos não eram compatíveis com os ganhos.

“O Ministério Público fez o pedido também pelo bloqueio de ativos e de bens móveis e imóveis. Bens que estavam em propriedade ou posse dessas pessoas, mas não nominalmente, o que é outra característica dessa organização, a lavagem de dinheiro”.

MP diz que governadora não é investigada

A procuradora-geral do Ministério Público, Elba Amarante, o promotor público Marco Antônio Azeredo, o Superintendente da PF Richard Murad e o delegado  da Polícia Federal Anderson Alves Dias disseram que os crimes apurados na investigação são de extrema gravidade (Foto: Priscilla Torres/Folha BV)

A operação foi feita em parceria com o Ministério Público Estadual de Roraima. A procuradora-geral de Justiça do Ministério Público do Estado de Roraima, Elba Amarante, disse que os crimes apurados na investigação são de extrema gravidade.

“O Ministério Público tem feito o acompanhamento muito rigoroso de tudo que acontece no sistema e esses crimes têm contribuído muito para o caos que se instalou no sistema prisional roraimense. Se interromper a alimentação de presos como uma forma de barganha para que o contrato fosse pago, é extremamente grave, deixou vulnerável não somente os encarcerados, mas com toda a sociedade”, disse a procuradora-geral.

O coordenador do grupo de combate ao crime organizado, o promotor público Marco Antônio Azeredo, que também atuou nessa operação, explicou que a governadora Suely Campos (PP) não é investigada nesse inquérito. “A governadora não é investigada nesse inquérito e a investigação feita pela Polícia Federal e Ministério Público não visa identificar pessoas, mas fatos. Quem tiver envolvimento com fatos será objeto da apuração e até então, não se tem documentalmente comprovado nenhuma prova da participação da governadora nesse caso”. O inquérito tem um prazo de 15 dias para ser relatado de acordo com a lei.

‘Corrupção mata’, diz superintendente da PF

Em entrevista coletiva à imprensa na sede da Polícia Federal, o superintendente da PF em Roraima, Richard Murad Macedo, afirmou que a operação foi feita em conjunto com o Ministério Público do Estado.

“Nós estamos trabalhando em conjunto com os órgãos, os poderes estaduais e federais, no sentido de combater não só as facções criminosas, mas também aos desvios de recursos públicos decorrentes da má aplicação de recursos. Já realizamos duas operações nesse sentido pela Polícia Federal”.

O superintendente explicou que os desvios de recursos ajudavam as facções criminosas a expandir seu domínio dentro do presídio e a provocar terror social.

“Eu acho que o ministro Barroso foi muito feliz em uma observação ontem no voto proferido no Supremo: ‘A corrupção mata e mata direta e indiretamente’. A partir do momento em que nós temos o sistema prisional sem o menor controle do estado e sendo objeto de desvios por parte de agentes públicos e políticos, o que nos resta é o domínio das facções criminosas nessas unidades. Então esse enfrentamento vem nos dois sentidos”, disse.

Governo de Roraima afirma que sempre contribuiu com investigações

Por meio de nota, a Secretaria de Comunicação afirmou que o Governo do Estado de Roraima sempre contribuiu com as investigações e que a Sejuc (Secretaria de Justiça e Cidadania) prestou todos os esclarecimentos sobre os contratos de fornecimento de alimentos no Sistema Prisional.

“Logo no início da atual gestão em 2015, a empresa Megafoods, que fornecia a alimentação às unidades prisionais no governo anterior, abandonou o contrato e suspendeu o fornecimento. Por se tratar de questão de segurança pública e alimentar, o Executivo foi obrigado a Decretar Situação de Emergência no Sistema Prisional e outra empresa passou a fornecer de forma emergencial”, diz a nota.

Segundo o governo, a Sejuc abriu logo em seguida um processo de licitação, sendo que a conclusão demorou mais do que o período estimado por conta de interferências externas e recursos entre licitantes, sendo inevitável a prorrogação do contrato emergencial para garantir a alimentação aos mais de 1.200 detentos.

“Todas as informações relativas ao processo, contrato, fornecimento da alimentação e pagamentos foram repassadas aos órgãos de controle e esclarecidas na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no âmbito da Assembleia Legislativa, ficando demonstrado pela Sejuc que foram obedecidos todos os preceitos legais”.

Empresa diz que jamais manteve relação comercial com investigados

A Garden Park Incorporadora (RC Empreendimentos), empresa que teve busca e apreensão por parte da Polícia Federal, afirmou em nota que é a mais sólida empresa do ramo imobiliário do Estado de Roraima, atuando no mercado há 30 anos, com a comercialização de diversos empreendimentos imobiliários, como os loteamentos Parque Cauamé, River Park e Garden Park.

“A empresa esclarece que colaborará com as investigações em curso, deixando claro que jamais manteve relação comercial com qualquer das empresas investigadas pela operação Escuridão. Conforme já esclarecido, todo o patrimônio constituído pela empresa ao longo de 30 anos é fruto de seus empreendimentos imobiliários de sucesso no Estado de Roraima, sem qualquer relação com o Poder Público”.

Por fim, a empresa esclareceu aos seus clientes que “continuará a desempenhar suas atividades com responsabilidade e transparência, com o objetivo de, mediante seus empreendimentos, colaborar com o desenvolvimento de Roraima”.

Guilherme Campos diz que acusações não são verdadeiras

O advogado Frederico Leite, que faz a defesa do filho da governadora, Guilherme Silva Ribeiro Campos, esclareceu por meio de nota que todos os fatos que lhes são imputados por ocasião da operação Escuridão não são verdadeiros e carecem do mínimo de prova.

“Importante esclarecer que desde o ano de 2017 a defesa de Guilherme Silva Ribeiro Campos tomou conhecimento oficial sobre a investigação, oportunidade em que este se colocou à disposição da Polícia Federal para prestar qualquer esclarecimento sobre os fatos. Por essa razão, a prisão de Guilherme causou estranheza e perplexidade à sua defesa, vez que, apesar de ter apresentado petição se colocando à disposição desde 2017, jamais foi ouvido pela autoridade policial sobre qualquer dos fatos em apuração”. A defesa esclareceu ainda que todos os fatos imputados a Guilherme serão devidamente esclarecidos ao longo da instrução dos processos, “oportunidade em que sua inocência deverá ser reconhecida”.

OUTROS – A defesa da empresa Qualigourmet foi procurada pela Folha e o advogado contatado explicou que ainda estava se inteirando dos fatos e que iria se manifestar quando tomasse conhecimento do teor das investigações.

A reportagem da Folha tentou contato com a defesa dos demais envolvidos, mas não conseguiu até o fechamento dessa matéria. O espaço está aberto para as respectivas defesas.