Política

Parlamentares relatam casos de violência política de gênero

Esta forma de agressão busca impedir ou restringir o acesso e exercício de funções públicas e atinge, sobretudo, as mulheres

Para as mulheres, não basta a dificuldade para se elegerem. Ao chegar no parlamento, ou em qualquer cargo de poder, elas enfrentam um desafio que torna a atividade parlamentar ainda mais difícil: a violência política de gênero. Os ataques trazem consigo resquícios do machismo estrutural na nossa sociedade, e além de serem xingadas por serem políticas, elas são atacadas por serem muito novas, ou muito velhas, por serem consideradas bonitas ou feitas, por aspectos físicos ou por questões raciais. 

A violência política de gênero pode ser definida como a agressão física, psicológica, econômica, simbólica ou sexual contra a mulher, com a finalidade de impedir ou restringir o acesso e exercício de funções públicas, ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade. 

Por essa e outras questões, as mulheres ainda representam aproximadamente 13% dos cargos eletivos de todas as esferas políticas do Brasil (municipal, estadual e federal). Em Roraima, somando os poderes legislativos federal, estadual e da capital Boa Vista, as mulheres representam 22% dos representantes. 

Projeto

Na Assembleia Legislativa de Roraima tramita o Projeto de Lei n° 056/2019, que institui o Estatuto da Mulher Parlamentar e da Servidora Pública, um mecanismo de proteção e garantia dos direitos políticos. 

A proposta apresentada pela deputada Yonny Pedroso (SD) combate atos individuais ou coletivos de assédio e qualquer outra forma de violência política contra mulheres, para assegurar o pleno exercício dos seus direitos e o exercício da atividade parlamentar e de funções públicas, além de estabelecer punições para quem publicar fotos ou informações para constranger mulheres e forçá-las, por exemplo, a abdicar da função  pública.

Confira depoimentos que exemplificam o quão desafiador pode ser a atuação de uma mulher em cargos de poder. 

Shéridan – deputada federal

“Ao mesmo tempo que é agressivo é também perigoso, por que dependendo da forma que chega, isso acaba te afetando. Dependendo da pessoa e da forma como ela recebe isso, os ataques podem causar danos psicológicos muito sérios. Não é fácil lidar com uma quantidade tão grande de ataques. A condição do meu trabalho muitas vezes resulta em ataques que transcendem a discordância natural que existe na política. Toda vez que vem um tema mais polêmico, com uma polarização maior, a quantidade de ataques do lado divergente da minha posição aumenta exponencialmente. Tudo isso vai criando dentro da internet um ambiente extremamente perigoso e agressivo. É notório, a partir de tudo que chega para a gente, que boa parte dessa militância virtual age diferente por eu ser mulher”.

Joenia Wapichana – deputada federal

“Sofri e sofro constantemente, por ser mulher e indígena, porque a violência é racial também. Seja no ambiente virtual, ou até mesmo nos corredores e nas salas de reuniões. Ocasiões que não impedem o exercício do mandato, mas revelam o tratamento desigual que recebemos nesses espaços de poder, que ainda estranham a nossa presença. Por exemplo, parlamentares, inclusive de Roraima, dizerem que não represento os povos indígenas na Câmara, que não tenho legitimidade. Além disso ainda recebo xingamentos nas redes sociais por ser indígena, como  dizerem ‘retrocesso é colocar uma índia como deputada’. E já ligaram no gabinete, me ofendendo como indígena pelo meu posicionamento na Reforma da Previdência”. 

Lenir Rodrigues – deputada estadual

“Sou uma mulher muito decidida, tomo minhas próprias decisões. Mas acredito que essa violência psicológica existe sim, e tem a intenção de tentar diminuir nossa capacidade de articulação política. Tenho sofrido assédios dessa maneira de forma virtual, os chamados haters das redes sociais, que não conhecem nosso trabalho ou são apenas de grupos opositores, e que atuam no sentido de destruir a imagem das pessoas por meio de fake news. Tenho sofrido esse tipo de violência, como outras colegas parlamentares também já passaram por essa situação”.

Catarina Guerra – deputada estadual

“Escutei comentários como: ‘você é muito nova para ocupar uma cadeira no parlamento’ ou ‘aqui não é lugar de miss’. Sem contar que, às vezes, sofremos por conta do nosso comportamento gentil, levando até mesmo a um assédio moral ou sexual. Ouvi coisas piores que não vem ao caso reproduzi-las. Quando você se coloca em uma posição de discordância de um pensamento alheio ou mesmo uma ideia, você pode ser alvo dentro de um discurso político. E dentro da política, isso é até comum, contudo, a regra é que não deveria passar de um debate político sobre o tema. Porém, quando se referem às mulheres, esse campo político muitas vezes é ultrapassado. Não é fácil ouvir comentários. A princípio parecem inocentes, mas há um cunho negativo”. 

Tayla Peres – deputada estadual

” Apesar de já ter passado por alguns episódios de desconforto, assédio moral e intimidação, não me deixei abater, imponho respeito sobre minhas opiniões e ideais. No ambiente de trabalho dentro da politica, somos constantemente questionadas por nossas decisões, já que a maioria deste cenário é ocupado por homens. Somos muitas vezes caladas ou ficamos diante de situações das quais tentam nos fazer mudar de opinião. Somos julgadas pelas roupas que vestimos ou pela forma que falamos, porém eu como mulher jamais me permitir ser oprimida, evito situações vexatórias e imponho o respeito da qual eu e todas as mulheres somos dignas.”

Yonny Pedroso – deputada estadual

“Temos um sistema que é desigual a começar pelas candidaturas, embora tenhamos avanços na questão das cotas para mulheres. Uma vez eleita, a mulher é frequentemente desqualificada, desacreditada e julgada muitas vezes pela aparência, pela vestimenta e não pelo trabalho. Infelizmente essa é uma realidade não apenas na política, mas em todos os espaços públicos e privados. São piadas misóginas, machistas. Muitas vezes a mulher preciso levantar a voz, impor-se de maneira ríspida para expor seu ponto de vista.”

Betânia Almeida – deputada estadual

“A violência política contra mulher, recentemente criminalizada em Lei federal, acontece de forma agressiva em todos os ambientes de trabalho. Em pouco mais de dois anos de parlamentar é comum receber mensagens ofensivas, particularmente nas redes sociais, que estão de forma implícita carregam o preconceito de gênero. As leis que normatizam o nosso país resultam de propostas e ideias dos homens que ocupam a maioria dos assentos em todos os parlamentos do nosso país.”

Juliana Garcia – vereadora por Boa Vista

“Em minha caminhada como candidata sofri inúmeros abusos, de pessoas que desconfiaram de minha competência, da minha inteligência… por certas vezes me fizeram questionar a minha própria capacidade, mas eu tive uma rede de apoio enorme, que é minha família! Nem todas têm a mesma sorte que eu. Atualmente a internet deu poder a certas pessoas de exporem fofocas, fake news, sem ao menos notarem o mal que fazem as pessoas envolvidas, eu mesma já fui vítima de várias.“

Regiane Matos – vereadora 

“Até o momento não sofri nenhum tipo de agressão ou violência nesses oito meses de mandato. Mas, desde o período da campanha eleitoral ano passado, em que me candidatei e ganhei pela primeira vez, vi que o ambiente político é mais difícil e acirrado para a mulher. Enfrentamos o descrédito por acharem que, por sermos mulheres, não temos capacidade para tomadas de decisões políticas para a melhoria da cidade. Ou que podemos propor projetos de lei que mudem para melhor a vida das pessoas. Mas é onde ocorre justamente o contrário. Por sermos mulheres, mães, cuidarmos da casa e da nossa família, e ainda exercer a atividade profissional, temos a sensibilidade, força e resiliência para lidar com as mais diversas situações e enxergar soluções nas adversidades para a construção de uma sociedade melhor.”