Em coletiva de imprensa na manhã desta sexta-feira, 13, a defesa dos familiares dos garimpeiros Flávio Luiz, de 34 anos, e Daivid Lucas Serrão Sousa, de 15, mortos em um garimpo na região do Palimiú, em setembro de 2023, esclareceu os desdobramentos do processo após a prisão de um tenente do Exército acusado de matar e tentar ocultar os corpos das vítimas, além de tentar inutilizar as provas do crime. O caso segue em segredo de justiça.
Segundo o advogado Samuel Almeida Costa, o pedido de prisão havia sido negado em primeira instância, e o Ministério Público Militar (MPM) recorreu ao Superior Tribunal Militar (STM), que decretou a prisão preventiva do militar.
“Há uma mudança de postura na Justiça que, de fato, renova as esperanças quanto à obtenção de um resultado justo e à responsabilização criminal, cível e administrativa de todos os envolvidos”, enfatizou Samuel.
Inicialmente, o tenente era acusado de matar apenas Flávio Luiz, mas a Procuradoria de Justiça Militar em Boa Vista também incluiu na denúncia o assassinato do adolescente. A continuidade das investigações resultou em novos exames periciais e na mudança do depoimento de testemunhas, após serem confrontadas com os laudos técnicos.
Para o MPM, as evidências reveladas não deixam dúvidas de que o disparo de arma de fogo que matou Daivid Lucas Serrão Sousa saiu do fuzil do oficial.
Para chegar a essa conclusão, o MPM solicitou a exumação dos corpos e contou com o apoio de peritos da Polícia Federal, além de uma aeronave da corporação. A equipe foi até o Instituto Nacional de Criminalística, em Brasília, para coletar amostras dos restos mortais das vítimas, bem como as armas dos militares, que haviam sido retiradas do local do crime à época.
Nos exames, foram identificados diversos fragmentos de chumbo nos corpos das vítimas. Também foi encontrado um projétil no corpo do adolescente. Um exame de balística atestou que o disparo foi feito com a arma do tenente, que passou então a ser acusado também pela segunda morte.
As investigações prosseguem para apurar o envolvimento de outros militares. Na acusação, a Promotoria requereu a aplicação da Lei de Crimes Hediondos — alterada em 2023 para permitir sua incidência em crimes militares —, além da reparação dos danos causados, com pedido de indenização no valor de R$ 50 mil para cada uma das famílias das vítimas.
A irmã de Flávio Luiz, Fabiana Luiz, afirmou que, no momento em que a família tentou buscar informações, o Exército negou que o fato tivesse ocorrido. Somente após a insistência da equipe jurídica foi que as investigações foram abertas no MPM.
“Foi uma crueldade o que fizeram com o meu irmão. A gente está procurando por justiça, mas isso não vai trazê-lo de volta. Eu nunca mais soube o que é um Dia das Mães tranquilo. Qualquer data comemorativa em que sei que meu irmão não estará com a gente, minha mãe sofre… fica aquela dor”, desabafou Fabiana.
Entenda o caso
O oficial comandava um contingente militar que guarnecia um Posto de Bloqueio Fluvial em Roraima. O objetivo da missão era impedir a passagem de garimpeiros. Durante a madrugada, em uma perseguição no rio, os militares efetuaram disparos com munição letal, atingindo um adolescente de 15 anos nas costas. Em decorrência do ferimento, o jovem morreu logo em seguida.
Para ocultar o homicídio, o tenente que comandava o grupamento matou a segunda vítima — também ferida por disparos no abdômen — com facadas no pescoço. Com o intuito de eliminar vestígios do crime, ele amarrou os corpos ao motor da embarcação e os lançou no leito do rio para que afundassem. Em seguida, afundou a embarcação das vítimas com disparos de fuzil.
A terceira vítima, que sobreviveu, foi abandonada ferida por uma bala de borracha às margens do rio Uraricoera e denunciou o caso às autoridades locais. Um indígena que atuava como guia da embarcação dos militares também relatou os fatos à Polícia Federal e ao próprio Exército.
Inicialmente, a 1ª instância da Justiça Militar da União, em Manaus, chegou a decretar a prisão do tenente, mas a medida foi revogada sob o argumento de haver contradições no depoimento do indígena.
Após a exumação dos corpos e os novos exames periciais, o MPM apresentou um novo pedido de prisão preventiva, que também foi rejeitado pela 12ª CJM. Contudo, a Promotoria recorreu e, com novos depoimentos de testemunhas militares ameaçadas pelo acusado, conseguiu reverter a decisão no STM, por unanimidade de votos.
Em seu voto, o ministro-relator afirmou que o caso revela a extrema gravidade dos fatos apurados e destacou o receio de represálias por parte do oficial contra outros integrantes da unidade. “Há relatos de que o réu se vale de sua patente para coagir colegas a sustentarem versão fictícia dos fatos. A permanência de um oficial com tal conduta compromete a autoridade e a integridade das instituições militares.”
Segundo o promotor do caso, o crime é gravíssimo e requer apuração técnica, aprofundada e uma resposta criminal rápida e efetiva, dado o impacto na integridade e na credibilidade das Forças Armadas. Ele afirmou ainda que os resultados obtidos só foram possíveis graças ao apoio da Polícia Federal.