POLÍCIA CIVIL

Casal assassinado em briga por terras denunciou ameaça um dia antes da morte

À Folha, a defesa de dois suspeitos defendeu a inocência deles

Jânio e Flávia chegaram ao HGR, mas não resistiram aos ferimentos (Foto: Arquivo Pessoal)
Jânio e Flávia chegaram ao HGR, mas não resistiram aos ferimentos (Foto: Arquivo Pessoal)

Um dia antes de ser assassinado, o casal Jânio Bonfim de Souza, de 57 anos, e Flavia Guilarducci, 50, registrou um boletim de ocorrência na delegacia da Polícia Civil de Cantá para relatar que teria sido ameaçado pelo vizinho, o empresário Caio de Medeiros Porto, 32. Em 2019, o suspeito foi citado na “lista suja” do trabalho escravo da Secretaria Nacional de Inspeção do Trabalho.

No boletim ao qual a Folha teve acesso, Jânio e Flavia relatam que às 15h30 de 22 de abril, Caio, acompanhado de três homens não identificados por eles naquele momento, chegou pelos fundos à propriedade do casal, e ordenou para que os agricultores parassem de delimitar a área com cercas, porque as terras eram dele. Caso contrário, os quatro iriam tomar uma providência.

“Estamos com medo de ser vítimas deles a qualquer momento, já que moramos na roça e a qualquer momento nos podemos sofrer um atentado da parte deles”, disseram Jânio e Flavia à polícia, que após a ameaça, suspenderam a instalação de cercas no fundo de sua propriedade.

Nesse mesmo dia, o vizinho do casal esteve na propriedade por volta das 14h30 para verificar um local para plantar feijão, conforme combinado anteriormente com Jânio. Em depoimento à Polícia Civil, ele declarou que, nesse momento, Caio, acompanhado de três suspeitos, chegou ao local apontando uma pistola .380 para ele e perguntando quem era o proprietário das terras. Ele respondeu que não conhecia para evitar confusão.

Após a conversa, a testemunha foi para sua casa, enquanto Caio foi para a residência de Jânio. O vizinho relatou à corporação que retornou por volta das 19h à propriedade do agricultor, o qual lhe relatou ter registrado boletim de ocorrência por causa de ameaças que teria sofrido de Caio e dos três suspeitos, mesmo tendo dito que havia adquirido as terras há “bastante tempo” e que possui documentação.

No dia seguinte, Jânio e Flavia foram baleados. O áudio da conversa dos suspeitos com o casal foi gravado pelas vítimas. Atingido no abdômen, o agricultor, ainda consciente, relatou ao vizinho, o mesmo que socorreu as vítimas, que quatro homens chegaram em uma caminhonete Chevrolet S10 branca em sua propriedade. Ele morreu pouco depois. A mulher, baleada na cabeça, morreu uma semana depois.

Dois homens foram presos no dia seguinte por suposta participação no crime: Genivaldo Lopes Viana, 53, e Luiz Lucas Raposo da Silva, 35, que permaneceram calados no depoimento. Eles foram reconhecidos pelo vizinho do casal. No dia 25, a dupla teve a prisão em flagrante convertida em preventiva, o que significa que não há tempo determinado para eles ficarem ou não na prisão.

À Folha, a defesa de Genivaldo e Luiz defendeu a inocência deles. Na audiência de custódia, alegou que a detenção foi “extremamente abusiva”, que ambos são trabalhadores rurais, têm bons antecedentes e que não havia indícios de autoria e materialidade do crime por eles.

A investigação também cita a possível participação do capitão da Polícia Militar (PM), Helton John da Silva de Souza, 48. Ele foi exonerado da equipe de segurança do governador Antonio Denarium (Progressistas) após o avanço das investigações.

Outro citado na apuração da Polícia Civil é Johnny de Almeida Rodrigues. Imagens de segurança de uma loja de munições, registradas por volta das 13h de 22 de abril, mostram ele dentro do estabelecimento, enquanto Caio e Genivaldo estão na porta de entrada. Johnny assina a compra de 20 munições de calibre .380. No dia e local do crime, policiais civis recolheram quatro estojos e três chumbos de mesmo calibre.

A Folha ainda não conseguiu localizar a defesa de Caio Porto, Helton John e Johnny Rodrigues. O espaço segue aberto para manifestação.

Terra é registrada em nome de Jânio

O terreno que teria motivado o assassinato tem uma área 167,5487 hectares, o equivalente a 167 campos de futebol. A Fazenda 3A, situada na vicinal do Surrão, em Cantá, tem título definitivo desde 17 de fevereiro de 2022, com processo de regularização da área iniciado em 23 de julho de 2021, em nome de Jânio Bonfim de Souza. As informações são do Iteraima (Instituto de Terras e Colonização de Roraima).