Ronildo Rodrigues dos Santos
Cientista Social
Num tempo em que a pressa virou virtude e a indiferença quase sinônimo de sobrevivência, volta a ser urgente exercitar dois movimentos fundamentais: olhar para cima e olhar para dentro. Olhar para cima, não como fuga para um idealismo ingênuo, mas como busca por sentido, por algo que transcenda a rotina mecânica dos dias. E olhar para dentro, como nos lembram pensadores como Lúcia Helena e Clóvis de Barros, é confrontar o que realmente somos, antes de justificar o que fazemos. Quando esses dois movimentos faltam, o mundo perde nitidez e nós perdemos o rumo.
O que vemos hoje é uma crescente dificuldade de agir com intenções verdadeiramente boas e eficazes. Multiplicam-se discursos sobre empatia, enquanto atitudes concretas seguem escassas. Falamos de ética, mas evitamos fazer sacrifícios; falamos de solidariedade, mas defendemos apenas o que nos convém; falamos de coletividade, mas continuamos entregues ao egoísmo elegante, aquele que se esconde sob a capa da meritocracia ou da autopreservação exagerada.
Nesse cenário, a frase filosófica que ecoa como alerta é profundamente atual: “Só um tolo acredita que as causas da miséria física estão nos planos físicos; as causas da miséria física sempre estiveram na miséria psicológica, moral e religiosa. Só um tolo acredita que o problema da fome é a falta de comida e não a falta de solidariedade; só um tolo acredita que a causa da miséria física é a falta de bens materiais e não a falta de honestidade.”
Essa reflexão expõe algo que muitos evitam admitir: o mundo não sofre por falta de recursos, mas por falta de valores. Há tecnologia suficiente para reduzir desigualdades, alimento suficiente para alimentar continentes, informação suficiente para erradicar ignorâncias. O que falta, na verdade, é coragem moral para transformar tais possibilidades em realidade. Falta caráter onde sobram discursos. Falta generosidade onde sobra opinião. Falta honestidade onde há acúmulo de privilégios.
A sociologia nos mostra que nenhuma sociedade se sustenta apenas por estruturas materiais; são os valores compartilhados que criam unidade. No entanto, vivemos hoje uma fragilidade coletiva alarmante: cada grupo se isola em suas certezas, cada indivíduo se fecha em seu próprio interesse, cada instituição defende seus próprios muros. E quando a unidade falha, o projeto de sociedade se dissolve. Deixamos de ser comunidade e viramos condomínio.
É aqui que a filosofia contemporânea, tão bem interpretada por Lúcia Helena e Clóvis de Barros, nos convoca a uma revisão profunda. Não basta perseguir felicidade como consumo ou sucesso como performance. O verdadeiro sentido da vida e, portanto, o verdadeiro valor nasce da capacidade de produzir vínculos, cultivar virtudes, servir ao bem comum. O valor não é apenas o que temos, mas o que entregamos ao mundo. Não é o que acumulamos, mas o que compartilhamos.
Quando aprendermos que dignidade não é privilégio, que solidariedade não é favor, que honestidade não é exceção, talvez possamos reconstruir um país em que olhar para cima seja inspiração e olhar para dentro seja responsabilidade. O sentido da vida não está nas circunstâncias externas, mas na postura interna com que enfrentamos o mundo.
Porque, no fim, é sempre o mesmo desafio: viver de forma que nossos valores não sejam apenas palavras sejam prática, sejam presença, sejam exemplo. Só assim deixaremos de ser tolos. E só assim começaremos a ser, de fato, humanos.