OPINIÃO

Se os carros são como as lanchas, os blogueiros são como os camelôs

Se os carros são como as lanchas, os blogueiros são como os camelôs Se os carros são como as lanchas, os blogueiros são como os camelôs Se os carros são como as lanchas, os blogueiros são como os camelôs Se os carros são como as lanchas, os blogueiros são como os camelôs
Se os carros são como as lanchas, os blogueiros são como os camelôs

Vivemos a modernidade líquida, diria Bauman, mas nem tudo que escorre é sabedoria. Às vezes é body splash com “cheiro de cookie” da Virgínia — e isso pode ser um sinal do fim dos tempos. Gordura trans intelectual, derretendo em nossa boca com um gosto duvidoso de “impressione seus amigos com este truque”.

O virtual, como um espelho (bem distorcido) do real, reflete quem somos, o que consumimos e, mais importante, por que consumimos. E esse reflexo não tem mostrado nada de bom.

Antes das redes sociais, a influência tinha endereço fixo: a televisão. Artistas, apresentadores, cantores — figuras com papéis definidos — eram os rostos das campanhas. Eles não eram “influenciadores” no sentido contemporâneo; eram personagens que já habitavam o cotidiano das pessoas.

A dona de casa confiava no ator da novela das oito para vender sabão em pó porque, afinal, ele já estava lá, toda noite, interpretando o pai honesto ou o vilão charmoso. A relação era clara: “Este sujeito representa algo, portanto, representa este produto.”

Hoje, a linha se embaralhou. Todos querem seu quinhão de atenção digital, e o algoritmo, esse deus caprichoso, premia tanto o relevante quanto o ridículo. Mas há uma diferença crucial entre popularidade e autoridade, entre o camelô e o especialista. E, sim, a maioria das pessoas não está consumindo influenciadores — está consumindo blogueiros.

Houve um tempo em que blogueiro significava algo. Eram pessoas que escreviam blogs, com textos de verdade, reflexões, críticas. Hoje, o termo se esvaziou tanto quanto os produtos que seus herdeiros digitais promovem.

O blogueiro moderno não escreve (às vezes nem isso sabe); anuncia. Não pensa; reproduz. Não tem expertise; tem cupom de desconto. Virou o sujeito que, entre uma dancinha no TikTok e um “link na bio”, vende e promove de tudo, do protocolo para eliminar gordura localizada (que viola as leis da física e da vergonha na cara), colágeno milagroso e até mesmo o tigrinho (o fundo do poço moral disfarçado de “oportunidade”).

O apelo é sempre o mesmo: “Isso aqui vai mudar sua vida, e por um preço que cabe no seu bolso!” É o fast food do consumo — rápido, barato, duvidoso e, no fim, vazio.

Mas e quando desligamos o celular desses personagens? O que sobra? Que ofício eles exercem? Que trajetória os legitima? What do you do successfully? Perguntava Bianca del Rio à Triniky K. Bonet. Se a única habilidade é vender, o produto é, no fundo, o próprio vendedor.

Autoridade antecede o like

No outro extremo, estão os influenciadores — categoria que, não por acaso, muitas vezes rejeita o rótulo. Como bem pontuou a colega Shirley Rodrigues, jornalista, INFLUENCIADORA (com mérito) e membro da Academia Roraimense de Letras:

“O verdadeiro influenciador pode não ter milhões de seguidores, mas tem algo mais valioso: impacto real.”

São médicos que viralizam explicando saúde, chefs que ensinam gastronomia, advogados que democratizam o Direito. Pessoas que, sem Wi-Fi, continuam sendo quem são. Sua influência não vem do algoritmo, mas da trajetória.

O problema fica crítico quando blogueiros invadem territórios que exigem responsabilidade, como o jornalismo. No Brasil, não é preciso diploma para a profissão — o que, em tempos de desinformação, é como dar um avião a um piloto de GTA e chamá-lo de comandante.

Recentemente, uma blogueira “jornalística” intercalou stories sobre cemitérios clandestinos com anúncios de sapatilhas. Um minuto, corpos; no outro, saltos com descontos imperdíveis. Para quem leva a informação a sério, a cena é tragicômica. Para o algoritmo, é engajamento.

A pior parte de tudo

Eis a grande questão: as pessoas seguem blogueiros por falta de opção ou porque se veem neles? Se for identificação, o problema é grave. Significa que estamos nos espelhando em quem não construiu nada além de uma persona digital.

Se for ignorância, é pior ainda — porque revela um sistema que não ensina discernimento. E quando um país troca especialistas por hype, o que sobra é um mercado de ilusões, onde todo mundo vende e ninguém compra nada de verdade.

No fim, a internet só amplifica quem já somos. Se você é raso offline, será raso online — só que com filtro que te deixa com a cara de boneco. Então, se quer mesmo influenciar, comece assim: desligue o celular, estude algo, trabalhe e só então faça o story.

Porque autoridade não vem de seguidores, mas de conteúdo. E conteúdo, o verdadeiro, exige mais do que um “comenta aqui que eu te conto o segredo”.

Enquanto isso, o fast food digital segue sendo consumido em massa. E, como todo fast food, pode até matar a fome agora, mas no longo prazo, faz mal pra saúde.

A pergunta que fica: você está se alimentando ou apenas enchendo o estômago de lixo?

“As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Jornal”

Compartilhe via WhatsApp.
Compartilhe via Facebook.
Compartilhe via Threads.
Compartilhe via Telegram.
Compartilhe via Linkedin.