Francisco Xavier M. de Castro*
Numa clara demonstração de quem cansou de esperar pela solução do Governo Federal, o estado do Rio de Janeiro decidiu, por meios próprios, deflagrar uma operação sem precedentes como resposta à insustentável crise de segurança propiciada pelo crime organizado. Com superioridade técnica e inteligência estratégica, o que parecia ser uma ação ousada, tornou-se a maior prova de autonomia das forças de segurança cariocas, ao agirem sem a dependência de um aparatonacional. Tirando o discurso e o planejamento do papel, mais de 2.500 policiais militares e civis foram empenhados no cumprimento de mais de 100 mandados de prisão e 150 mandados de busca e apreensão contra integrantes de uma das maiores e mais expressivas facções criminosas do Brasil, o comando vermelho, que marca seu domínio territorial desde a rota do rio Solimões, na tríplice fronteira Brasil-Colômbia-Peru, por onde recebe a cocaína colombiana que abastece parte do mercado consumidor nacional e segue para a Europa e Ásia, a partir dos principais portos brasileiros.
Desencadeada no complexo da Penha e do Alemão, a operação ocorreu com os recursos humanos e logísticos das polícias estaduais, alcançando um resultado histórico e que impôs um significativo prejuízo aos narcoterroristas: 60 mortos, 81 presos e mais de 100 fuzis apreendidos. Mas o país também sofreu a perda inestimável de quatro policiais, sendo dois militares e dois civis, que tombaram no cumprimento do dever de proteger a sociedade.
Os resultados poderiam ter sido ainda mais expressivos e até, talvez, poupadas as vidas dos quatro heróis mortos naquela zona de guerra, caso a operação tivesse contado com a estrutura das forças armadas, mais especificamente, com os blindados de esteira, outrora fornecidos pelo Batalhão de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil, durante a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na intervenção federal ocorrida no complexo do Alemão, em 2010. Conhecidos pela sua eficiência na retomada de território e por proporcionarem melhor capacidade para progressão num terreno cheio de barricadas, a indisponibilidade desses veículos foi justificada, segundo o Governador Cláudio Castro, pelas reiteradas negativas do comando das forças armadas em atender aos pedidos anteriores para que os veículos apoiassem as operações policiais. De acordo com as respostas dadas ao governador, a autorização dependeria da declaração de uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) feita pelo Presidente da República para que, então, os recursos logísticos da forças armadas pudessem ser disponibilizados. Mas como se sabe, a GLO é algo que não se compatibiliza com a linha ideológica do presidente Lula que se mostra totalmente avesso a essa medida. Aliás, essa negativa vem num momento delicado para o Governo Federal, quando ainda ecoa a lastimáveldeclaração do presidente Lula, durante evento na Indonésia, de que “os traficantes são vítimas dos usuários”. Do mesmo modo, ainda é recente a resistência do governo brasileiro no que diz respeito à equiparação das facções criminosas a grupos terroristas, mesmo diante de toda a catástrofe protagonizada pelos grupos criminosos no país. Tudo isso vem servindo não apenas para municiar o discurso de uma oposição política, como para reforçar, ainda mais, o estereótipo de uma esquerda que afaga a bandidolatria no país.
Aliadas a esse posicionamento, já se visualizam diversas “operações” de controle de narrativas, protagonizadas por ONGs, políticos, influenciadores e outros “especialistas” de plantão, no intuito de manipular a opinião pública e emplacar o discurso de chacina do estado contra “moradores da favela”. Logo após a operação, mensagens atribuídas às lideranças do comando vermelho determinavam que moradores das favelas fossem para as ruas e se mobilizassem através de protestos pelas mortes dos integrantes da facção.
O fenômeno do domínio de territórios por organizações criminosas tem sua maior visibilidade no Rio de Janeiro, onde 3.5 milhões de pessoas vivem em localidades sob o domínio de organizações criminosas. Contudo, outras regiões do país já sofrem com a territorialização do crime, como é o caso do Estado do Ceará, onde criminosos ligados ao comando vermelho dominam cidades inteiras, incluindo balneários turísticos, chegando a determinar o êxodo em massa de populações de pequenas cidades.
Quando o comando vermelho e outras facções criminosas decidem obstruir vias públicas de acesso, queimar ônibus, atacar delegacias e quartéis, efetuar tiros de fuzis contra a população civil, obrigar moradores a protestarem contra as ações do estado, não há como não definir esses métodos como sendo tipicamente terroristas, cujo objetivo é o de gerar o pânico na população e confrontar as forças estado. Na resistência empregada pelos narcotraficantes na operação policial em questão, artefatos explosivos foram lançados por drones contra os policiais. O que mais falta acontecer para convencer o congresso nacional e as autoridades de que essas ações não diferem em nada dos métodos empregados por grupos terroristas como o Hezbollah e o Hamas numa inequívoca demonstração de sequestro do estado e da dignidade da população?
A tragédia vivenciada há décadas pela população carioca tem suas origens em decisões políticas e jurídicas que acabaram por superdimensionar o poder das facções criminosas. Foi o caso da decisão do governador Leonel Brizola, 42 anos atrás, que se assemelha à recente decisão da ADPF 635, emitida pelo ministro do STF, Edson Fachin. Ambas as decisões, embora separadas por mais de quatro décadas, tiveram a mesma intenção: restringir as operações policiais nas favelas cariocas. Estima-se que, com a imobilização das forças de segurança, a partir dos resultados da ADPF 635, o comando vermelho tenha expandido em 25% o domínio de seu território.
Não obstante o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, ter respondido que não recebeu formalmente o pedido de apoio para a operação em tela e que disponibilizou recursos e efetivo da Força Nacional de Segurança Pública em anos anteriores para o Rio de Janeiro, o governador Cláudio Castro tem plena razão para alegar o abandono do Governo Federal no enfrentamento ao crime organizado naquele estado. E não estamos falando somente sobre os blindados. Afinal, é de responsabilidade do Governo Federal o controle das fronteiras, por onde ingressam a droga produzida pelos países andinos e as armas usadas pelos narcoterroristas. É do Governo Federal a responsabilidade pela investigação e repressão aos crimes transnacionais, a exemplo do tráfico internacional de drogas, principal ativo e fonte de receita das organizações criminosas que assolam a nação.
É possível que, diante da repercussão da operação e do resultado inédito em termos de número de prisões e de neutralizações de criminosos, o Governo Federal se veja pressionado a marcar território nessa retomada de território, sob pena de que uma inércia nesse cenário prejudique as intenções de elegibilidade daqueles que pretendem “surfar” nessa onda, de olho nas eleições de 2026.
Espera-se que, doravante, conjuguem-se esforços para que o crime organizado seja sufocado em sua raiz, integrando soluções efetivas desde a asfixia financeira das organizações criminosas até a obstrução das rotas de tráfico internacional, prisões das lideranças e colaboradores do crime e suas manutenções na cadeia.
Do mesmo modo, aguarda-se que o Congresso Nacional aproveite a ocasião do caos instalado pelas organizações criminosas contra a população para requalificar a legislação penal, bem como a legislação de execução penal, para que o aumento de penas pretendido pelo projeto de lei 4176/25 não seja anulado pelo instituto da progressão de regime que continuaria permitindo que o criminoso condenado possa ganhar liberdade depois de cumprir um sexto de sua pena em “bom comportamento”.
Portanto, não subsistem razões para que, a partir de agora, o executivo federal continue a se mostrar resistente sobre a determinação de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), de modos que as forças armadas, em seu poder logístico e operacional, possam se somar aos esforços do estado do Rio de Janeiro na defesa da sua soberania, contra esse poderoso inimigo interno que é o crime organizado.
*Coronel PM da ativa e ex-Comandante Geral da Polícia Militar de Roraima.
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