*Dolane patrícia

A violência patrimonial é uma das faces mais silenciosas da violência doméstica.

Ela não deixa hematomas visíveis, mas dilacera identidades, desfigura o senso de autonomia e destrói o que há de mais íntimo no ser humano: o poder de decidir sobre si.

Ela é o controle travestido de cuidado, a dominação escondida em promessas de amor.

É o tipo de violência que não se escuta — apenas se percebe, tarde demais, quando o amor já se tornou cativeiro.

Havia uma mulher.

E havia o medo.

Um medo cotidiano, minucioso, feito de detalhes: o cartão retido, o pedido negado, a compra vigiada, a desconfiança constante.

O medo de não poder comprar o próprio sabonete.

O medo de pedir dinheiro e ouvir que “não precisa disso”.

O medo de perder o pouco que restava de si.

Essa mulher se chamava Helena — mas poderia se chamar Ana, Maria, Joana ou tantas outras.

O nome é apenas o disfarce da estatística.

E a história é sempre parecida: o vínculo afetivo se transforma em instrumento de coerção, e a dependência econômica se torna ferramenta de domínio.

O que começou como amor passa a ser gestão da vida alheia, e o lar, que deveria proteger, converte-se em cenário de aprisionamento invisível.

A violência patrimonial, prevista no art. 7º, inciso IV, da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), manifesta-se quando o agressor retém, subtrai ou destrói bens, valores, documentos e instrumentos de trabalho da mulher.

Não é apenas sobre dinheiro: é sobre poder.

É a apropriação simbólica da liberdade alheia.

É dizer “você não precisa” quando, na verdade, o que se quer dizer é “você não pode”.

Helena viveu essa realidade.

Durante anos, cada gasto era uma confissão. Cada desejo, um risco.

Quando finalmente disse “basta”, não tinha nada — nem conta bancária, nem documentos, nem voz.

Mas foi nesse ponto de ruína que começou o renascimento.

Porque, ao contrário do que muitos pensam, recomeçar não é um ato de impulso: é um ato jurídico, social e humano de resistência.

O Direito, quando bem aplicado, tem esse poder: transformar dor em prova, desespero em petição, medo em decisão judicial.

A sentença, nesse contexto, não é apenas o fim de um processo — é o começo de uma vida que se reconstrói.

Cada decisão que reconhece a violência patrimonial reafirma o compromisso do Estado com a dignidade humana e devolve a essa mulher algo que lhe foi negado: o direito de existir por conta própria.

Helena venceu.

Não apenas nos autos, mas na vida.

Recuperou seus documentos, sua autonomia, sua paz.

Mas o que realmente venceu foi o reconhecimento de que dignidade não é luxo; é direito fundamental, é essência constitucional.

Falar sobre violência patrimonial é romper um pacto de silêncio social.

É dizer, com todas as letras, que o amor não é desculpa para o controle, que cuidado não é posse, e que nenhuma relação pode suprimir o direito de uma mulher a ter voz, escolha e propriedade sobre si.

Por isso, quando uma mulher diz “basta”, ela não apenas se liberta — ela reescreve o Direito.

Porque toda vez que o medo cede espaço à coragem, a justiça ganha um novo nome: liberdade.

* Dolane Patrícia é advogada, escritora Juíza Arbitral, Mastecoach pela Febracis. Mestre em Desenvolvimento Regional da Amazônia, Pós-graduada em Direito Processual Civil, Direito de Família, Execução,  Expert em Execução,  especialista também em Neurociência e Alta Performance. Escolhida Personalidade do Ano, Personalidade Brasileira, Personalidade da Amazônia.  Ganhadora do Selo de Ouro Referência Nacional na Modalidade Jurídica. Membro  da Academia de Literatura Artes e Cultura da Amazônia – ALACA e do  Núcleo Acadêmico de Artes e Letras de Portugal e Argentina. Academia de Letras e Artes de Paris, Academia de Letras de Boston. Ganhadora do prêmio Homem Vitruviano – Mentes a Frente do Seu Tempo, na França.