Em um mundo cada vez mais barulhento, há silêncios que não são rendição, mas escolha. Escolher entre gritar, se posicionar, se fazer notar, ou permanecer calado, apenas a observar seu entorno. Nem sempre quem cala é fraco ou sem argumentos — às vezes, está apenas cansado de gritar para quem não ouve. Falar para ausentes, para quem não quer entender o que se quer dizer. Inúmeras vezes, mesmo sabendo que estamos certos, pregamos no deserto. Quantas vezes mostrando o óbvio, o interlocutor não quer ouvir.

É preciso coragem para não reagir, sabedoria para não se explicar a todo instante,
e maturidade, para deixar o que não merece resposta seguir seu rumo.

O silêncio fala. O silêncio diz muito. E, muitas vezes, diz exatamente o que precisa ser dito: que a paz vale mais do que o orgulho, que nem toda guerra vale a batalha e, que a melhor resposta é a leveza de quem segue em frente.

O mundo em que nos insere é dual: complexidade e aparente simplicidade, um enigma tecido em camadas de transparência e opacidade. Há, sob a aparência banalidade do cotidiano, uma profundeza abissal, quase metafísica, que exige do sujeito uma escuta rara, uma atenção quase contemplativa, para ser intuída. A realidade, portanto, não é aquilo que se mostra à superfície, mas aquilo que pulsa por baixo dela, um subterrâneo de significados que só a sensibilidade desperta é capaz de decifrar. Viver é, nesse sentido, uma arte hermenêutica, que exige interpretação, nuance, abertura ao mistério.

Viver é arte do compreender, do aceitar o que não se pode mudar. É saber ressignificar o dia-a-dia, mesmo diante das circunstâncias. Viver é remendar o tênue do tecido da vida, continua e permanentemente. “O que a vida quer de nós é coragem”, Guimarães Rosa.

Somos simultaneamente espectadores e agentes do real, atores em um palco que se dobra sobre si mesmo, onde o enredo se escreve enquanto o representamos. Neste duplo estatuto de ser e perceber, desenha-se a gênese da autoconsciência. Não nos compreendemos como entidades isoladas, mas como seres móveis e mutáveis em uma rede de forças simbólicas e afetivas, que nos atravessam e nos constituem.

Há um mundo que sobrevive sustentado por ilusões frágeis, tão frágeis que um sopro de consciência é suficiente para fazê-las ruir. Ilusões que não se sustentam por sua beleza, mas pela covardia que teme confrontar o concreto. Nesse mundo, o que se sonha não se crê, o que se deseja não se assume, e o que se pensa se disfarça de leveza para não carregar o peso do comprometimento.

A arte, nossa salvadora contumaz, não é apenas ornamento, mas resistência. É o grito que o silêncio entoa quando não há mais espaço para o óbvio. Cada palavra escrita, cada forma moldada, cada nota composta, constitui um ato de desobediência contra a ditadura da normalidade. A rotina é a liturgia do conformismo, e a repetição, seu cântico fúnebre. Mas, quem pensa, dança fora do compasso, tropeça de propósito, cai em abismos voluntários, apenas para encontrar, lá no fundo, uma verdade que escapa aos olhos acostumados à luz rasa. Porque pensar, também, é ato de transgressão.

O isolamento, longe de ser clausura, é um espaço mágico. Não é fuga, mas mergulho. Um retorno a si, ao âmago onde a dúvida germina como semente fértil. Ali, o ser se reinventa, e o pensar não é mero exercício cognitivo, mas sacerdócio interior. A dúvida, então, não é veneno, mas elixir que alimenta o espírito, o protege da decomposição pela rotina.

Em tempos de muitos decibéis, de máxima exposição, o silêncio é um bálsamo.
Luiz Thadeu Nunes e Silva
Engenheiro Agrônomo, escritor e globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.
Instagram: @luiz.thadeu
Facebook: Luiz Thadeu Silva

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