OPINIÃO

O Morango do Amor e o algoritmo: Como virais sabotam a nossa liberdade de escolha

De vez em quando, algo comum ganha proporções gigantescas. Pode ser um vídeo de poucos segundos, uma piada repetida à exaustão, um gesto engraçado capturado por acaso ou um desafio que parece sem sentido. De repente, está em toda parte. Amigos comentam, perfis compartilham, influenciadores aderem. Parece impossível escapar. É assim que nascem as modas virais: de um detalhe cotidiano que, em questão de horas, vira assunto nacional.

O “morango do amor” foi um desses fenômenos. Morango fresco, enrolado em brigadeiro branco e coberto por calda vermelha brilhante — a mesma da maçã do amor. Bonito, fotogênico, fácil de postar. Ele ganhou o feed pela estética, pela cor vibrante, pela sensação de novidade. Mas, acima de tudo, pelo efeito silencioso de que “todo mundo está querendo”.

Quando essa percepção se instala, o cérebro economiza energia. Não pensamos tanto. Apenas seguimos o fluxo. É o comportamento de manada: ninguém nos obriga, mas ver tanta gente fazendo parece um convite irresistível. Sem perceber, passamos do “gostei da ideia” para o “preciso experimentar” em poucos cliques.

O ambiente digital acelera esse processo. As redes sociais, guiadas por algoritmos, registram nossas interações, calculam padrões e entregam conteúdos que têm mais chance de gerar engajamento. Não é mágica — é engenharia comportamental. Quanto mais pessoas interagem com algo, mais ele é mostrado. E assim o ciclo se retroalimenta, transformando um simples detalhe em uma onda massiva.

Isso vale para doces, mas também para memes, músicas, roupas, opiniões políticas e causas sociais. O sentimento de pertencer é poderoso: seguir o que está em alta nos poupa o esforço de decidir sozinhos. É rápido, confortável e, de certa forma, seguro. Mas há um custo oculto: quando passamos tempo demais seguindo tendências, perdemos parte da nossa autonomia.

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Essa dinâmica já foi descrita por Malcolm Gladwell (2002) em O Ponto da Virada: Como Pequenas Coisas Podem Fazer uma Grande Diferença. Ele explica que mudanças sociais rápidas acontecem quando um conjunto de fatores cria o “momento crítico” para que uma ideia ou comportamento se espalhe como um vírus. No passado, isso dependia de contatos presenciais e meios tradicionais; hoje, os algoritmos das redes sociais fazem esse papel com velocidade e alcance sem precedentes.

No contexto brasileiro, a pesquisadora Lúcia Santaella (2010), em A Ecologia Pluralista da Comunicação, aponta que vivemos uma “cultura da convergência” onde tecnologias, mídias e práticas sociais se entrelaçam a tal ponto que nossas decisões e desejos são moldados por sistemas interativos que não percebemos. Para ela, não estamos apenas consumindo conteúdos: estamos sendo constantemente moldados por eles.

A liberdade começa a parecer real, mas já foi moldada por mãos invisíveis. Essa influência não se limita a “coisas leves”. Ela define quais debates chegam até nós, quais artistas descobrimos, quais ideias nos parecem óbvias. E, como todo bom atalho mental, é discreta: não sentimos que estamos sendo guiados — acreditamos que escolhemos.

O problema não é participar de uma tendência. Rir de uma piada, repetir uma frase ou testar uma receita nova faz parte da cultura. O perigo é nunca parar para pensar: “Eu realmente quero isso ou só estou seguindo o barulho?”. Essa pergunta simples separa a curiosidade genuína do impulso condicionado.

Vivemos numa era em que mostrar que participamos parece mais importante do que participar de fato. Uma viagem não é só para descansar, mas para postar. Um prato bonito não é só para comer, mas para exibir. As redes sociais transformaram momentos em vitrines, e passamos a medir experiências pelo número de reações que elas geram.

Talvez a verdadeira liberdade não esteja na próxima moda, mas no próximo “não” que dissermos a algo que não nos representa. Porque participar é fácil, basta deslizar o dedo. Pertencer de verdade exige intenção. E intenção é aquilo que o algoritmo não consegue decidir por nós — ainda.

LINDOMAR FERREIRA SOBRINHO

BACHAREL EM DIREITO

PÓS GRADUADO EM MÍDIAS DIGITAIS

Capitão da PMRR

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