OPINIÃO

O JESUS HISTÓRICO: Entre as escrituras, a tradição oral e as testemunhas do mundo antigo

Poucas figuras exerceram tanta influência na história ocidental quanto Jesus de Nazaré. Atravessando fronteiras de séculos e culturas, sua existência não é apenas uma questão de fé, mas também de investigação histórica, atestada por fontes bíblicas, judaicas, greco-romanas e por descobertas arqueológicas que o inserem no conturbado cenário da Palestina do século I.

Conforme sublinham André Leonardo Chevitarese e Pedro Paulo Funari, o estudo do chamado “Jesus histórico” demanda o cruzamento de múltiplas evidências. Os evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João), redigidos entre os anos 70 e 100 d.C., preservam memórias inicialmente transmitidas em aramaico e, posteriormente, fixadas em grego, quando o cristianismo já se expandia além da Palestina. Embora possuam caráter teológico e apologético, tais escritos também guardam dados de inegável valor histórico: a pregação itinerante na Galileia, as tensões com as autoridades judaicas e a execução por crucificação sob o governo de Pôncio Pilatos.

As epístolas paulinas, escritas entre 50 e 60 d.C., são os documentos mais antigos do cristianismo primitivo. Cumpre evidenciar que, à luz de rigorosa crítica histórico-exegética, reconhece-se, em meio às 13 cartas atribuídas tradicionalmente a Paulo, a autenticidade de apenas sete, ao passo que as demais seis se revelam pseudoepígrafas, provavelmente escritas por algum cristão ainda no século I e creditadas a Paulo para conferir-lhes o apanágio do apostolado paulino. Ordenadas segundo critérios cronológicos, as cartas genuínas dispõem-se da seguinte maneira: 1 Tessalonicenses, Filipenses, 1 Coríntios, 2 Coríntios, Gálatas, Romanos e Filêmon.

Algumas fontes extrabíblicas atestam a historicidade de Jesus, sendo a mais célebre a de Flávio Josefo (37–100 d.C.), historiador judeu que, após ser agraciado com a cidadania romana pela dinastia Flávia, passou a ser conhecido como Tito Flávio Josefo. Cativo dos romanos durante a guerra da Judeia, Josefo preservou sua vida ao revelar singular astúcia retórica e profetizar que o general Vespasiano seria elevado ao trono imperial. O vaticínio, então considerado ousado, encontrou plena confirmação dois anos mais tarde, com a morte de Nero e a subsequente coroação de Vespasiano. Esse feito, lhe franqueou a liberdade e o prestígio da referida dinastia.

Em sua obra Antiguidades Judaicas, (c. 93 d.C.), (Livro XVIII, 63–64), encontra-se a célebre passagem conhecida como Testimonium Flavianum, onde Jesus é mencionado como homem sábio, autor de feitos admiráveis e reconhecido como o Cristo.  Embora parte do texto tenha sido objeto de controvérsia quanto a possíveis interpolações posteriores por algum copista cristão, já que não fora mencionado por autores anteriores a Eusébio de Cesareia. Desse modo, tal ausência evocou um lampejo reflexivo no tocante à inautenticidade do referido Testimonium. Apesar dessa ponderação, urge recordar a relevância de Flávio Josefo para o estudo do Jesus histórico, particularmente no que tange ao contexto social, político e histórico que permeou a vida e os ensinamentos do Nazareno.

O texto original, em sua versão mais conhecida (preservada por escritores cristãos), diz aproximadamente:

“Por esse tempo viveu Jesus, um homem sábio, se é que se pode chamá-lo de homem. […] Ele era o Cristo. […] E tendo sido condenado à cruz por Pilatos, aqueles que o amavam não deixaram de segui-lo, pois ele lhes apareceu vivo no terceiro dia.”

A informação “Cristo” é vista por alguns como espúria, tendo sido um acréscimo posterior  

     Argumenta-se que um judeu como Josefo não teria afirmado que Jesus era o Cristo (o Messias), algo que aparece no texto tradicional.

Do lado romano, o historiador Tácito, em seus Anais(c. 116 d.C.), relata que “Cristo, fundador do nome [cristãos], sofreu a pena extrema durante o reinado de Tibério, pelas mãos do procurador Pôncio Pilatos.

Plínio, o Jovem, em carta ao imperador Trajano (c. 112 d.C.), assevera a vitalidade da fé nascente, relatando que os cristãos se reuniam para “cantar hinos a Cristo como a um deus”. 

A carta de Mara bar-Serapião, datada após o ano 73 d.C., é uma carta que um pai endereça ao seu filho, naquele momento preso, trazendo na missiva uma série de comparações entre Sócrates, Pitágoras e Jesus 

“Sócrates não morreu de vez, ele sobrevive nos escritos de Platão” 

“Pitágoras não morreu de vez, ele sobrevive na estátua de Hera” (Divindade grega)

“E o sábio rei (Jesus) não morreu de vez, ele sobrevive nos seus escritos” 

A arqueologia, por sua vez, tem lançado luz sobre esse contexto. Escavações em Gamla e Jodefat revelam o cotidiano das aldeias galileias, próximo ao de Nazaré. Séforis e Tiberíades evidenciam o contraste de centros cosmopolitas helenizados. 

Achados específicos corroboram elementos evangélicos: o ossuário de Caifás, a inscrição de Pôncio Pilatos em Cesareia Marítima, as ruínas da provável casa de Pedro em Cafarnaum e um barco de pesca do Mar da Galileia, todos testemunhos que situam Jesus em um mundo real e historicamente verificável.

No campo das ciências humanas, as pesquisas atuais ampliaram consideravelmente os horizontes do estudo do Jesus histórico. Sociologia, antropologia e arqueologia têm permitido compreender dimensões antes pouco exploradas: a posição das mulheres, as estruturas de parentesco, as tensões sociais entre elites sacerdotais e camponeses, e a relação entre religião e poder político. É nesse ponto que se adensa a análise, mostrando que Jesus não apenas pregava uma mensagem espiritual, mas também desafiava as hierarquias de seu tempo.

Se há divergências sobre detalhes de sua vida, quase não há dúvidas, entre os estudiosos da Antiguidade, quanto à sua existência histórica. Bart D. Ehrman, um dos maiores especialistas contemporâneos, resume essa certeza ao afirmar que “a existência de Jesus é uma das mais firmes que possuímos acerca da Antiguidade” (Did Jesus Exist?, 2012). Assim, mesmo que a fé o contemple como Filho de Deus, a história o reconhece como um pregador judeu que, no interior da Galileia do século I, lançou as sementes de um dos movimentos mais duradouros da humanidade.

Referências

• Chevitarese, A. L., & Funari, P. P. (2008). Jesus histórico: uma brevíssima introdução. São Paulo: Annablume.

• Josefo, F. Antiguidades Judaicas, Livro XVIII, 63–64.

• Crossan, J. D. (1994). Jesus: A Revolutionary Biography. San Francisco: HarperOne.

• Vermes, G. (2001). Jesus the Jew: A Historian’s Reading of the Gospels. London: SCM Press.

• Ehrman, B. D. (2012). Did Jesus Exist? The Historical Argument for Jesus of Nazareth. New York: HarperOne.

• Tácito, C. Anais, Livro XV.

• Plínio, o Jovem. Epístolas, Livro X.

• Mara bar-Serapião. Carta ao filho preso.

Prof. Weslley Danny – Doutor e Mestre, graduado em Filosofia, História, Letras, Biologia e Enfermagem. No que tange o segmento humanístico compila pós-graduações nas seguintes áreas: (ciência política), (filosofia, sociologia e ciências sociais), (ética e filosofia política) e (história e antropologia). 

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