Walber Aguiar*
Futebol se joga na praia, futebol se joga na rua, futebol se joga na alma…
Drummond
Sua ilusão pode até entrar em campo no estádio vazio, mas sua memória vai viver pra sempre aqueles dias de muito esforço e poucas alegrias. Mas os dias não são iguais, as pernas falham, os chutes, invariavelmente, tomam a direção enviesada. Como na vida, o estádio pode estar vazio, a ilusão pode ser enorme, o grito de gol nem sempre vem na hora em que o craque deseja. Assim foi com Júnior, o menino que viu a vida de chuteiras e o campo verde sempre a lhe apontar a esperança.
Seu nome José, como o do poema de Drumond. E agora José, está sem estádio, sem verde, sem o velho Mambaia a correr ao redor do gramado. Mas ainda tem a família, incompleta, os irmãos, os filhos, a vida. Uma vida que buscou profundidade nas revistas e livros que lia, na velha banca de revistas onde o conheci; menino simples, quieto, mas com uma enorme inquietação por entender o universo, muitas vezes frio, mudo e assustador.
Rotina estendida na direção do BANER, onde trabalhou, José tornou-se um campeão; pelas tantas idas e vindas naquele caminho na avenida Ville Roy. Já não era apenas o José, do poema de Drummond, inquieto de alma e questionador acerca do mundo, do amanhã, da porta que não se abriu, do tempo que passou rápido, do desejo de engolir a bola diante da voracidade do gol e do grito esfuziante da torcida. Agora driblava também as dificuldades do existir.
Menino que brincou com bola de meia enquanto sonhava com o Canarinho lotado, com o Estádio Flamarion Vasconcelos até a boca de gente, ávida por aplaudir suas belas jogadas e seus inúmeros gols, mesmo que idealizados. José Pereira Júnior era o cidadão que trabalhava, o homem que calculava a distância entre o temporal e a eternidade, as contas vencidas e o final do mês, o amor e a mulher amada.
José Pereira Júnior já sabe o que tento lhe dizer nessa crônica. Sempre foi um cara inteligente, usou óculos até, enquanto desgastava e fascinava suas retinas na direção da vida desconhecida, do conhecimento buscado. Mas, para além das letras e da vontade de descortinar o que não conhecia, Júnior, o velho Júnior do Baré, vestiu aquela camisa vermelha, dentre outras que envergou, como a do Rio negro e Roraima. E não poderia esquecer dos amigos Augusto, o pássaro que voava na direção das bolas e do infinito. Também de Francélio, Futrica, Pedrão, Abilênio, Marlon, César Baiacu,Janari e tantos outros, cuja memória não capta no momento com tanta precisão e lucidez.
Hoje o menino Júnior, já sem as chuteiras, tenta vencer os problemas da idade. Luta com os monstros da dor e do esquecimento, segue viagem na direção da cura, do desejo pela vida intensa e bela, como quando conquistou vários títulos afora, inclusive o copão da Amazônia.
Siga meu irmão, na direção do estádio lotado do existir, siga na trilha simples, bela e nem sempre encantadora da existência. No entanto, entenda que existe um universo inteiro de gente torcendo pelo maior título que tens a ganhar: a saúde, a paz e a esperança. Saiba que Deus, o grande técnico do espaço tempo e da eternidade, continua a contar contigo para a decisão desse campeonato que não acaba nunca.
É bom lembrar que a memória está sempre por perto, a embalar os nossos sonhos, a contemplar a vasta realidade. Lembrar que a torcida está presente, que o estádio não está vazio…
*Advogado, Poeta, professor de filosofia, historiador, Mestre em Letras, membro da Academia Roraimense de Letras e da Academia de Letras Arte e Cultura da Amazônia.