A América do Sul enfrenta uma de suas mais sombrias encruzilhadas: a fusão metastática entre o crime organizado e o aparelho estatal. O que antes se manifestava como um problema de segurança pública evoluiu para a captura de nações inteiras, um fenômeno cujo estágio mais avançado e perigoso se revela na Venezuela. O percurso de narco-economia para narco-Estado, e finalmente para narco-ditadura, não é apenas uma tragédia venezuelana, mas um alerta contundente para toda a região.
Houve um tempo em que a Venezuela era sinônimo de pujança, sustentada pela vasta riqueza de seus hidrocarbonetos. Com uma das maiores reservas de petróleo do mundo, o país financiou ambiciosos programas sociais. Contudo, a má gestão crônica, a corrupção sistêmica e um modelo econômico insustentável erodiram os pilares dessa prosperidade. Para se perpetuar no poder, o regime, primeiro sob Hugo Chávez e de forma consolidada com Nicolás Maduro, buscou uma fonte de receita alternativa, imune a sanções e ao colapso da produção lícita: o narcotráfico.
A transição foi metódica e devastadora. A narco-economia tornou-se a espinha dorsal do regime. A evidência oficial é robusta, como o indiciamento de Nicolás Maduro e de mais de uma dúzia de altos funcionários por narcoterrorismo, que desnudou uma estrutura criminosa estatal conhecida como “Cartel de los Soles” para utilizar a logística das Forças Armadas no transporte de cocaína (UNITED STATES, 2020). Para garantir lealdade, Maduro inflou o oficialato, criando um exército com mais generais do que qualquer nação da OTAN, um mecanismo de cooptação que blinda o sistema.
Com as receitas do crime financiando o aparato estatal, o passo seguinte foi a consolidação de uma narco-ditadura. Afinal, um Estado criminoso não pode sobreviver ao escrutínio democrático. A repressão tornou-se a política de Estado, o que se comprova pelo cenário desolador de prisões arbitrárias, tortura e desaparecimentos forçados, documentado por diversas organizações de direitos humanos. Essa estrutura autoritária é essencial para proteger a operação criminosa, uma dinâmica onde o Estado passa a proteger o mercado de drogas para garantir sua própria sobrevivência.
Este modelo representa uma ameaça existencial para a estabilidade sul-americana. Os traços da narco-economia já são visíveis em outras nações, com dados indicando produção recorde de cocaína na Colômbia e a transformação do Equador em um corredor logístico conflagrado (UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME, 2025). Somam-se a isso a atuação do PCC a partir de portos brasileiros, cuja expansão transnacional consolidou um poder paralelo com complexas relações com o Estado (PAES MANSO, 2018), e a vulnerabilidade do Paraguai à lavagem de dinheiro. Esses países, com suas democracias ainda em consolidação, correm o risco de seguir a mesma trajetória venezuelana, onde a captura institucional pelo crime pavimenta o caminho para o autoritarismo.
A comunidade internacional, especialmente os vizinhos sul-americanos, não pode normalizar essa realidade. Aceitar uma narco-ditadura como um fato consumado é compactuar com um modelo que se baseia na destruição dos direitos humanos e da soberania popular. A permanência de Maduro no poder alimenta uma crise humanitária que já gerou o maior êxodo da história recente do continente, sobrecarregando todos os países da região. A tensão no entorno da Venezuela, hoje manifestada em guerras híbridas e informacionais, carrega o risco latente de um conflito real. Repudiar com veemência a narco-ditadura venezuelana não é uma questão de ideologia, mas de defesa dos princípios básicos do Estado de Direito e da segurança regional.
LINDOMAR FERREIRA SOBRINHO
BACHAREL EM DIREITO
Pós Graduado em Ciências Jurídicas, Ciências Policiais e Mídias Digiatis.
Especialista em Comunicação Estratégica
“As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Jornal”