Éder Rodrigues dos Santos

Vanessa Brandão

Os três roteiros audiovisuais de autores de Roraima que foram premiados no 2º Festival de Roteiro Audiovisual da Amazônia – FERA 2025, realizado em novembro último em Belém (PA), tratam de questões singulares do Brasil: a cosmologia indígena e a cultura de fronteira norte. Tal fenômeno precisa ser melhor dimensionado no cenário cultural e artístico do estado de Roraima, na medida em que as premiações ocorreram no maior festival de roteiros da Amazônia, no qual participaram diversos (as) roteiristas, novos (as) e experientes, com bancas avaliadoras criteriosas, compostas por pareceristas com ampla experiência comprovada no segmento audiovisual nacional.

A ‘primeira peneira’ ocorreu na inscrição dos projetos enviados. Após um mês de refinamento da escrita dos textos, por meio dos laboratórios de formação destinados aos proponentes selecionados, os candidatos (as) ainda fizeram a defesa por meio de pitchings (apresentações), com cinco minutos de exposição do roteiro para, somente assim, receberem ou não a chancela de “premiados”. Técnica, emoção, diálogos, subtextos (mensagens subjetivas comunicadas pelas imagens), proposta de direção, estratégias de abordagens, fotografia, ritmo e até a trilha sonora são postos à prova para a análise final. Detalhes, nuances, logística, personagens, todos os elementos fílmicos precisam ser conhecidos durante a defesa oral feita pelos participantes, seguida de rigorosa arguição da banca. Um momento importante no qual são avaliadas as técnicas e o mérito cultural.

O que temos enquanto fato concreto é a escolha dos melhores roteiros após a necessária ‘sabatina’ que analisa as propostas e a capacidade dos proponentes. Roraima ficou com o prêmio de melhor roteiro de documentário de longa-metragem, concedido ao projeto “Jaider Esbell: eu não ando só”, da jornalista e cineasta Vanessa Brandão; melhor roteiro de série de ficção para “Tapioca com arepa”, de autoria do roteirista Elder Torres, estes dois projetos mantem vínculos com a também premiada produtora Platô Filmes; e o prêmio na categoria roteiro de série documental ficou com o projeto “Terra mãe”, da roteirista e produtora Ana Karina.

As premiações ocorrem em meio a diversos outros reconhecimentos, seleções e conquistas do cinema produzido em Roraima. Vale lembrar que a partir das implementações das Leis federais Paulo Gustavo e da Política Nacional Aldir Blanc, iniciadas em 2020, resultado de lutas dos segmentos culturais, o processo de regionalização de editais ganhou força e permitiu a execução de dezenas de projetos culturais importantes para a afirmação positiva da imagem da Amazônia e suas histórias. Cineastas que vivem em Roraima têm colecionado prêmios em festivais e mostras importantes em várias regiões do país e exterior. Entretanto, o audiovisual é uma indústria que ainda exige alto investimento, por isso, criar condições de descentralização de investimentos por meio de políticas públicas é central nesse processo.

As premiações também ocorrem em meio aos debates sobre o Projeto de Lei nº 2331/2022, que trata da regulação do streaming no Brasil, que retorna ao Senado Federal. A luta do setor audiovisual independente e autoral é para garantir o aumento do volume de recursos federais destinados aos estados,por meio do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), enfrentando a proposta de destinar a maior parte dos recursos às próprias plataformas, uma vez que o FSA é o principal instrumento de apoio às políticas públicas do setor e de fomento às produtoras no Brasil.

Assim, as lutas interseccionam-se com as conquistas e alegrias de um segmento organizado, crítico e propositivo. Vale dizer que o edital de Arranjos Regionais, resultado das ações da Ancine com o Ministério da Cultura (MinC), vai descentralizar, em 2026, R$ 300 milhões do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) para fortalecer a produção em estados e municípios. Neste sentido, o estado de Roraima, em um trabalho conjunto com a entidade representativa do cinema local (Associação Roraimense de Cinema – Arcine) garantiu a aprovação do projeto que permitirá o investimento de R$ 6 milhões. A Prefeitura de Boa Vista também fez sua parte, garantindo outros R$ 6 milhões. Que venham novas produções e iniciativas culturais!

Do roteiro à exibição, o que o cinema roraimense tem pautado é a importância de acreditar em nossa cultura, em nossa arte. A qualidade está mais que demonstrada nesse caldeirão cultural de premiações e seleções. O desafio está na distribuição das obras audiovisuais. É necessário maior diálogo entre a administração pública, empresas do setor e realizadores para avançarmos na construção de projetos que permitam não só a produção, mas a distribuição em larga escala do produto fílmico.

Criação de plataformas on line específicas para a região; financiamento para a participação em festivais nacionais e internacionais; Lei de incentivo dirigida para distribuição, circulação e exibição; parcerias com comunidades locais; circulação em municípios do interior; iniciativas itinerantes com a utilização do MovCéu (veículo com equipamento cultural entregue pelo MinC ao estado) são algumas propostas que devem ser colocadas na agenda das políticas públicas com o objetivo de ampliação e formação de público.  

O árduo trabalho para ver um bom filme nas telas nasce com um roteiro de qualidade. Roraima está nos palcos, comemorando a cada momento, novas conquistas.  Por isso, planejar o futuro da cultura audiovisual é, portanto, pensar e agir na construção dos alicerces desse sistema dinâmico do cinema local – como um roteiro de sucesso. Sucesso que é resultado de muitas mãos, muitos diálogos e muito trabalho. 

Éder R. dos Santos é doutor em Geografia Cultural, cineasta, jornalista, sociólogo, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vidas e Culturas Amazônicas (GEP Cultura/UNIR), membro associado da Mostra Internacional do Cinema Negro (SP), conselheiro da Associação Roraimense de Cinema e Produção Audiovisual Independente (Arcine) e membro do Comitê Pró-cultura Roraima. E-mail: [email protected].

Vanessa Brandão é doutora em Estudos Literários, mestra e licenciada em Letras, jornalista, cineasta, autora do livro Entre Pinheiros e Caimbés. Pesquisadora do Grupo de Estudos em Literaturas Indígenas, Africanas e Caribenhas (GELIAC/UFRR). Membro do Comitê Pró-cultura. E-mail: [email protected]