O apotegma popular “Junte-se aos bons e será um deles” parece, à primeira vista, apenas um conselho pragmático transmitido de geração em geração: escolher bem as companhias, pois delas depende em grande medida a formação do caráter. Contudo, à luz de uma hermenêutica lapidar, esse dito encerra uma sabedoria que atravessa séculos de reflexão filosófica e teológica. Da ontologia existencialista de Jean-Paul Sartre, passando pela ética da amizade em Aristóteles, até a formulação das virtudes cardeais em Tomás de Aquino, vislumbra-se que a convivência com os bons não é um privilégio social, mas uma exigência da própria constituição do humano.
Sartre encontra ressonância filosófica e terreno fértil na formulação da máxima “a existência precede a essência” (O Existencialismo é um Humanismo, 2014), trazendo luz à ideia de que o homem não é portador de uma natureza pré-definida, mas deve construí-la continuamente por meio de suas escolhas. O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo (SARTRE, 2014, p. 25). Nesse horizonte, “juntar-se aos bons” não é simples imitação: é uma situação-limite que obriga o indivíduo a confrontar sua própria liberdade diante do exemplo alheio.
Em O Ser e o Nada, Sartre lembra que “o olhar do outro me constitui” (SARTRE, 2011, p. 347). Estar entre os bons é expor-se a esse olhar que reflete não apenas quem sou, mas quem posso vir a ser. Assim, a convivência não outorga virtude como herança, mas interpela cada sujeito a escolher-se autêntico, em oposição à má-fé, a fuga da responsabilidade existencial. O provérbio, nesse sentido, converte-se em exigência de autenticidade: não basta estar entre os bons, é necessário assumir a liberdade de sê-lo.
Séculos antes de Sartre, Aristóteles já havia demonstrado que a convivência com os outros é indispensável à realização da vida boa. Em sua Ética a Nicômaco, distingue três tipos de Philia (amizade): a fundada no prazer, a fundada na utilidade e, por fim, a amizade por caráter, aquela que se dá entre homens virtuosos. Esta última, segundo Aristóteles (2009), é rara, mas nela o homem encontra não apenas companhia, mas estímulo para tornar-se melhor, pois os amigos virtuosos desejam o bem um do outro em si mesmos. O filósofo destaca ainda três pilares da amizade: a benevolência (Eúnoia), a reciprocidade e a convivência. Sem esses elementos, não há relação capaz de sustentar o florescimento ético. Nesse sentido, juntar-se aos bons corresponde ao ideal aristotélico de amizade perfeita, na qual a convivência é verdadeiro aperfeiçoamento mútuo, e cada um se torna espelho do outro em sua busca pela virtude.
Ao integrar a filosofia aristotélica à tradição cristã, Tomás de Aquino enriquece o provérbio com uma dimensão teológica. Na Suma Teológica, sistematiza as virtudes cardeais, prudência, justiça, fortaleza e temperança, como pilares da vida moral (TOMÁS DE AQUINO, 2001). A prudência guia a razão prática para escolher o bem em meio às contingências da vida. A justiça ordena a vontade a dar a cada um o que lhe é devido. A fortaleza robustece a alma diante das adversidades e do medo. A temperança regula os apetites e desejos, mantendo-os sob o domínio da razão. Viver entre os bons, nesta perspectiva, é participar de uma comunidade que cultiva tais virtudes, sendo moralmente burilado (esculpido) pelo exercício conjunto de hábitos que conduzem ao bem comum.
O ditado popular, quando colocado em diálogo com esses três horizontes de pensamento, mostra-se surpreendentemente atual. Para Sartre, é desafio de liberdade. Para Aristóteles, é estímulo ético na amizade virtuosa. Para Tomás de Aquino, é caminho de elevação moral pela prática das virtudes cardeais. Em todos os casos, contudo, uma verdade se mantém: ninguém se faz sozinho. A essência, o caráter e a virtude não florescem no isolamento, mas na convivência fecunda com aqueles que nos chamam a ser melhores.
Assim, “juntar-se aos bons” não é apenas uma opção prudente, mas uma tarefa existencial, ética e espiritual. E “ser um deles” não é resultado automático, mas fruto de escolhas reiteradas, amizades autênticas e do cultivo contínuo das virtudes que sustentam a dignidade humana.
Referências Bibliográficas
- ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de António de Castro Caeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.
- SARTRE, J.-P. O Ser e o Nada. Tradução de Paulo Perdigão. Petrópolis: Vozes, 2011.
- SARTRE, J.-P. O Existencialismo é um Humanismo. Tradução de João Batista Kreuch. Petrópolis: Vozes, 2014.
- TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Tradução de Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2001.
Prof. Weslley Danny – Doutor e Mestre, graduado em Filosofia, História, Letras, Biologia e Enfermagem. No que tange o segmento humanístico compila pós-graduações nas seguintes áreas: (ciência política), (filosofia, sociologia e ciências sociais), (ética e filosofia política) e (história e antropologia).