OPINIÃO

Israel x Irã: Uma guerra de interesses, poder e sobrevivência no tabuleiro global


Ronildo Rodrigues dos Santos
Cientista Social

A escalada recente entre Israel e Irã não é um raio em céu azul. É mais um capítulo de uma longa e perigosa disputa que mistura nacionalismo, religião, hegemonia regional e os interesses geopolíticos que sustentam o tabuleiro global. Para entender o que está em jogo, é preciso ir além das manchetes e da ideia simplista de “bons contra maus”. Trata-se de uma disputa por poder, influência e controle do Oriente Médio, uma região usada historicamente como palco de guerras que interessam mais às potências do que aos povos.

Israel não busca apenas segurança, embora esse seja o discurso dominante. Desde 1948, vive em estado de alerta. O trauma do Holocausto e a hostilidade regional alimentaram uma doutrina de defesa agressiva. Mas a questão com o Irã vai além de ameaças existenciais. Desde a Revolução Islâmica de 1979, o Irã se apresenta como rival estratégico à liderança israelense. Enquanto Israel firma acordos com países árabes sunitas, como os Acordos de Abraão, o Irã, potência xiita, resiste à hegemonia israelense e estadunidense.

Além disso, Israel se beneficia da guerra. Sua indústria bélica é uma das maiores do mundo e prospera em contextos de tensão. A guerra assegura apoio financeiro e militar, especialmente dos Estados Unidos, e fortalece sua diplomacia e economia de guerra.

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O Irã, por sua vez, é retratado como grande ameaça global uma visão que precisa ser relativizada. O país tem um histórico de repressão interna e apoio a grupos armados como o Hezbollah. Mas o “risco nuclear” usado para justificar sanções é muitas vezes politicamente manipulado. A verdadeira ameaça do Irã não é a bomba cuja existência é especulativa, mas seu papel como modelo de resistência, ainda que autoritário, à ordem geopolítica ocidental. Sua influência regional, por meio de alianças com milícias e governos, desafia interesses de Israel, EUA e aliados do Golfo. Isso o torna inaceitável para o Ocidente.

A guerra entre Israel e Irã é também disputa entre projetos de poder. Israel representa os interesses ocidentais, defendendo uma ordem liberal-capitalista, mesmo às custas da ocupação dos territórios palestinos. O Irã tenta consolidar uma alternativa regional baseada no islamismo político xiita. A divisão entre sunitas e xiitas alimenta tensões. Israel se alinha a potências sunitas como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos com o objetivo de isolar o Irã. Essa aliança improvável só se explica pela lógica da geopolítica: conter o avanço iraniano.

Os EUA são os principais apoiadores de Israel, garantindo armas, tecnologia e respaldo diplomático. Desde a invasão do Iraque, está claro que Washington age por interesse econômico e estratégico petróleo, rotas e influência e não por “democracia”. O apoio a Israel se sustenta em décadas de lobby e aliança militar. A Rússia, isolada pela guerra na Ucrânia, estreita laços com o Irã, ambos aliados do regime sírio de Bashar al-Assad, onde Israel frequentemente ataca alvos iranianos. A China, interessada em estabilidade para seus investimentos, tenta mediar, mas com limites. Já a Europa vacila entre defender direitos humanos e preservar relações comerciais.

Enquanto os governos disputam poder, os povos pagam o preço. Palestinos, sírios, libaneses, iranianos e israelenses vivem sob constante ameaça de bombardeios, escassez e medo. A guerra é um projeto das elites, nunca dos povos. A retórica do inimigo eterno justifica autoritarismos, cortes de direitos e repressões internas. A militarização da sociedade é alimentada pelo medo, que serve à manutenção do poder.

Sim, uma saída é possível, mas não virá dos generais nem das potências. Requer uma nova ordem internacional que valorize a soberania dos povos, o diálogo intercultural e o fim da ocupação dos territórios palestinos. O Ocidente precisa reconhecer sua responsabilidade histórica pela instabilidade regional e romper com o apoio cego a regimes que violam direitos humanos.

Como disse Edward Said, “nenhum povo deve ser definido como inimigo eterno de outro”. A paz só virá quando deixarmos de tratar o Oriente Médio como um jogo de xadrez das potências e o enxergarmos como lar de milhões de pessoas que merecem dignidade, autodeterminação e futuro.

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