Sebastião Pereira do Nascimento*

Relatórios das Nações Unidas afirmam que a humanidade e a ambição pelo crescimento econômico estão tornando a Terra um lugar inabitável, e diante dessa veracidade a ONU incita governos e setores produtivos do mundo a agirem antes que seja tarde demais. À frente de um cenário climático perturbador, os humanos estão destruindo a Terra e tornando-a um planeta cada vez mais hostil, afirma um recente comunicado das Nações Unidas.

Para reverter esse quadro trágico, o mundo precisa implementar mudanças urgentes e dramáticas na sociedade, na economia e na vida diária das pessoas, acrescenta o comunicado. Diferente de outros relatórios da ONU, que costumam focar num problema e evitam orientar os governos sobre quais ações devem ser tomadas, o novo documento reúne pelo menos três crises ambientais — o clima, a biodiversidade e a poluição — para dizer aos governos, empresas e pessoas ao redor do mundo o que precisa mudar, antes que aconteçam eventos globais cada vez mais catastróficos.

Frente a tantas ameaças reais, como o aquecimento do planeta, guerras nucleares, impactos pandêmicos, uso descontrolado de inteligência artificial, etc, a ONU lança preocupação e um alerta para as ações humanas e a responsabilidade da humanidade de prevenir tais desastres, frequentemente interpretados através de olhares culturais, religiosos e científicos, cada um oferecendo uma perspectiva diferente sobre seu significado e causa — isso mostra o quanto uma grande parte da população global vive sob impactos de mudanças climáticas.

Conclusões baseadas em estudos sobre as questões climáticas, elaboradas por um painel internacional de especialistas, a ONU trouxe para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre mudança climática, realizada no último mês de novembro, em Belém do Pará, os seguintes temas no sentido de tentar frear o aquecimento global: redução das emissões de gases de efeito estufa; adaptação às mudanças climáticas; financiamento climático para países em desenvolvimento; preservação de florestas e da biodiversidade; impactos sociais das mudanças climáticas; tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono. No caso das tecnologias de energia renovável, a COP30 mostrou celeridade quanto à necessidade de os países desenvolvidos e em desenvolvimento agilizarem a substituição de energia gerada por fósseis para energia renovável, no sentido de dar respostas essenciais para prevenir sérios riscos ao planeta.

Na mesma linha, a ONU também se mostrou essencialmente preocupada com as gerações futuras, que herdarão um mundo de eventos climáticos extremos, aumento do nível do mar, perda drástica de plantas e animais, insegurança alimentar e hídrica e aumento da probabilidade de futuras pandemias, como alertou o cientista britânico Robert Watson, um dos principais consultores das Nações Unidas para o clima. A emergência que aflige o mundo hoje é “de fato mais profunda do que pensávamos poucos anos atrás”, disse Watson, renomado químico que já liderou outros relatórios científicos da ONU sobre mudanças climáticas e perda de biodiversidade.

Contudo, ainda que o órgão das Nações Unidas peça maior responsabilidade dos governos globais, o que temos de afirmativo são respostas fragmentadas e descoordenadas que ficam muito aquém do que o planeta precisa, embora a maioria dos países do mundo tenha decidido zerar as emissões de carbono até 2030. No entanto, o que podemos concluir até agora é que quase totalidade dos países signatários do acordo está muito longe de cumprir a meta estabelecida.

Por outro lado, alguns negociadores do clima reunidos em Belém demostraram correr contra o tempo para salvar o planeta de um aumento catastrófico da temperatura. Mas, ainda assim, esses esforços são, cada vez mais, ameaçados por uma série de incoerências humanas: a superexploração, as mudanças climáticas, a poluição, a introdução de espécies invasoras e as mudanças no uso da terra são algumas das causas do desaparecimento de muitas espécies da biodiversidade do planeta, movidos por processos até cem vezes mais rápidos do que a extinção natural. Uma consequência desse fenômeno é a reação em cadeia, que pode levar a um desaparecimento ainda mais acelerado de espécies e até mesmo de ecossistemas inteiros, como afirmam alguns cientistas.

A desinformação também é um fator que implica na baixa adesão dos tomadores de decisão. Há um consenso geral de que a disseminação intencional de informações falsas ou enganosas pode afetar e comprometer até mesmo as ações da COP30, sobretudo com o objetivo de manipular a opinião pública. Seja na mesa de negociação, seja na agenda de ação ou nas tomadas de decisões da cúpula do clima. Todas as ações tomadas estarão comprometidas caso as medidas de combate à desinformação — fruto do negacionismo — não sejam eficazes. A desinformação não é algo novo, mas sua disseminação potencializada pela tecnologia digital tem tornado as coisas mais difíceis para as pessoas distinguirem fatos de opiniões, o que pode impactar as ações tomadas na conferência do clima.

No contexto da devastação do planeta, até pouco tempo a humanidade pensava que a natureza, além de sábia, era indestrutível. Ela achava que a natureza seria capaz de se recuperar dos impactos provocados pelos fenômenos naturais e/ou consequentes das brutais tragédias humanas. Porém, em tempos atuais, a compreensão que temos do planeta são imagens repletas de oceanos de plástico, derretimento dos polos, florestas devastadas e nuvens escuras nos ares. Algo que deixa todos os seres da Terra bem perto do abismo — a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas é assertiva em afirmar que, na atualidade, mais de um milhão de espécies de animais e plantas do planeta estão ameaçadas de extinção em decorrência das nocivas atividades antrópicas.

Outros estudos divulgados pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF) dizem que 40% da superfície da Terra vêm sendo destinados à produção de alimentos. Além disso, 90% do desmatamento global e 70% do uso de água doce do mundo são atribuídos à agricultura, sobretudo à grande monocultura. Essas ações fazem com que diversos ecossistemas sejam alterados, levando ao desaparecimento de muitos elementos da biodiversidade. O pior de tudo é que essa tendência está em franca expansão, evocando uma espécie de paradoxo, pois, ao mesmo tempo que produtores e líderes mundiais firmam a importância do meio ambiente e governos e instituições do primeiro mundo doam milhares de dólares para projetos ambientais, eles próprios, e mesmo a sociedade, não conseguem implementar práticas eficazes de proteção do meio ambiente. Ainda no caminho deste contraste, vemos a Amazônia e outros ecossistemas brasileiros sendo sistematicamente devastados por ações antrópicas, a exemplo do lavrado de Roraima, cada dia mais devorado pelo agronegócio.

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Esses contrastes também foram pautas que permaneceram nas negociações climáticas ao longo dos 12 dias da COP30 em Belém. E, apesar de alguns acordos firmados e avanços pontuais, há uma lista de pendências que devem voltar às mesas de negociações na conferência do próximo ano. Contudo, um dos principais resultados foi a adoção de um conjunto comum de indicadores para a chamada Meta Global de Adaptação. É a primeira vez que as conferências do clima chegam a um acordo sobre como medir o preparo dos países diante de eventos extremos. Para alguns especialistas, esses pequenos passos ajudam a dar mais clareza a uma agenda que sempre avançou de forma lenta e desigual.

Outras pautas, porém, ficaram sem resposta. No final, o texto não incluiu compromissos sobre combustíveis fósseis, tema que dividiu países até as últimas horas de negociação, impedindo passos mais concretos para reduzir emissões de dióxido de carbono. Nesse contexto, um grupo de cientistas com expertise na ciência do clima atuou de forma ativa durante a COP30, tentando chamar a atenção de negociadores para a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis. Também o grupo divulgou uma avaliação sobre o resultado da conferência. Eles reconheceram que o Brasil fez um esforço importante na reta final, mas forças contrárias impossibilitaram o acordo.

Os especialistas também reforçaram que não há como manter a temperatura global dentro dos limites previstos sem encerrar a dependência dos combustíveis fósseis no menor prazo possível. Segundo eles, caso isso não ocorra, o mundo pode ser empurrado para uma mudança climática perigosa em no máximo dez anos. Devido ao fracasso, até agora, em implementar o Acordo de Paris, os especialistas concluíram ainda que o ritmo necessário de mudança climática é extremamente elevado, sendo, portanto, que o processo de transição energética seja mais célere, alinhado à ciência, ao bom senso e à coerência.

Outra contradição que ficou exposta durante a trigésima conferência do clima é a postura de muitos líderes globais e até mesmo de dirigentes públicos locais que, repletos de hipocrisia, apregoam retóricas que nada correspondem às suas práticas, sobretudo no que se refere à política de proteção do meio ambiente. Esses dirigentes, amalgamados com setores produtivos e a pretexto de um falso desenvolvimento, planejam, deliberam e executam (muitas vezes com recursos públicos) grandes empreendimentos às custas da devastação ambiental — aqui no Brasil, isso ajusta-se muito bem quanto ao apoio desmensurado prestado ao agronegócio, um dos grandes vilões da natureza.

Na mesma esteira vem também o Congresso brasileiro que, para além da ética e do decoro parlamentar, legitima a violação dos direitos ambientais e age em nome dos interesses puramente econômicos, como ficou claro na postura do Congresso com a derrubada dos vetos ao chamado “PL da Devastação”, o qual (liderado pela bancada ruralista) desmontou décadas de normas ambientais, quando diversas regras de licenciamento foram flexibilizadas, permitindo avanços sobre terras públicas, áreas de proteções ambientais, impactos sobre rios e florestas, perda da biodiversidade, além de colocar em risco salvaguardas arqueológicas, ecossistemas frágeis e territórios onde habitam comunidades e povos tradicionais. Todos esses retrocessos, como parte da herança do governo passado, o governo atual teve de levar à conferência do clima, o que não deixou de ser algo incômodo ao governo brasileiro, além de manchar a credibilidade ambiental do país.

Portanto, com poucos avanços e muitas contradições, será que o Brasil garantirá o compromisso de zerar suas emissões de gases do efeito estufa até 2040? Em que pesem esses contrastes, conforme os relatórios científicos, sim! Será possível. Para tanto, dois fatores são primordiais: 1) será necessário cumprir a meta de zerar o desmatamento até 2030, promovendo a restauração florestal para alcançar a neutralidade de carbono e 2) realizar o mais rápido possível uma transição energética, utilizando energias renováveis. E como aditivo, garantir que as leis ambientais não sejam flexibilizadas e que as autoridades e os órgãos de fiscalização mantenham a rigidez e consistência nas aplicações dessas normas. Também é preciso estimular a sociedade a refletir e agir de forma responsável diante da crise climática, que muitas vezes vem sendo encarada com passividade diante das evidências de desastres iminentes. Por outro lado, a verdadeira justiça ambiental não será alcançada enquanto os interesses econômicos se sobrepuserem às ações necessárias para conter as tragédias ambientais.

*Consultor ambiental, filósofo e escritor. Membro editorial da revista Biologia Geral e Experimental e coautor do livro “Vertebrados Terrestres de Roraima” (BGE); autor dos livros: “À sombra do caimbé” e “Cem contos miúdos” (ambos no prelo).