Outro dia, li que é muito caro perder aquilo que não tem preço. E, se eu pudesse te dar um conselho, caro leitor, amiga leitora, seria esse: fale, diga o que sente. Abrace quem ama. Abrace forte. Ligue. Extravase, verbalize, demonstre. A gente acha que tem todo o tempo do mundo, mas não tem. Amanhã, tudo pode acabar. Amanhã, a pessoa mais importante da sua vida pode desaparecer para sempre, e as palavras ficarão perdidas num lugar onde nem a saudade alcança. Diga o que sente. Não tenha medo de falar. Não tenha medo de demonstrar amor. Não tenha medo de mostrar que gosta. Não deixe de fazer o possível para manter perto quem você quer perto. A vida é muito frágil. E repito: é muito caro perder aquilo que não tem preço. Faço esse preâmbulo para falar de um encontro recente.
Na semana passada encontrei Eleonora, uma velha conhecida. Estávamos no supermercado. Há tempos não nos víamos. Foi quase um esbarrão. Com seus lindos e expressivos olhos azuis, Eleonora é dessas pessoas que falam com o olhar.
Me falou da perda recente do companheiro. Contou da tristeza e do vazio de estar só, após trinta e cinco anos de convivência com João. Filhos crescidos, cada um um com suas vidas encaminhadas, ela estar só. Ela e suas memórias. Os olhos brilham quando fala dos dias felizes, da construção da vida a dois, de como foram felizes juntos. Contou como se conheceram, do tempo em moraram fora do Brasil, das viagens pelo mundo. Entristeceu-se ao contar dos últimos tempos, da doença que o molestou até a morte. Falou da via crucis que foi enfrentar meses em hospitais, ao seu lado, na esperança que ele saísse de lá com vida. Mas, infelizmente a libertina o levou, deixando nela um enorme vazio.
Ela continua a morar no velho sobrado, no centro da cidade. Não quer sair, embora os filhos insistam, querendo poupa-la do trabalho de manter uma casa grande e, por falta de segurança. Mas, ela resiste, principalmente pois ali residem as melhores memórias dele. É justamente aí que ela se agarra para ficar. Quantas e boas memórias. O jardim que cultivaram juntos, das lembranças dos filhos ainda pequenos, correndo pelo assoalho do sobrado, subindo e descendo a escada de madeira gasta pelo tempo. João foi um pai presente. Do velho fusca azul na garagem, o xodó dele.
Disse que ainda sente seu perfume pela casa, que não tem como deixar a casa, pois é algo que os conecta.
Aconselhada pelos filhos e por amigos procurou um terapeuta; mesmo resistente, foi. Na primeira sessão ouviu “que era para se despedi do passado, seguir um novo caminho, pois a vida continua”. Não gostou do que ouviu, não mais voltou. “Como alguém pode me pedir para esquecer meu passado?”, “Não sou fruto somente do agora; tenho história”, completou.
A verdade é que a vida tem uma habilidade invejável de mudar tudo do lugar, de desmentir nossas convicções. A certeza, essa senhora elegante que costuma nos acompanhar com ar de sabedoria, vira e mexe nos abandona na beira da estrada. Às vezes, ela até muda de lado e passa a ser exatamente a certeza que a gente mais temia, a que não queria, a que preferíamos nunca ter encontrado. E quando ela chega, com a força cruel das constatações inevitáveis, tem o gosto amargo das situações que evitamos, dos sinais que ignoramos, das intuições que sufocamos.
Assim é a vida, que nos mostra, a cada instante, que nada é para sempre. Assim como Eleonora está aprendendo a viver só com suas memórias, com um passado que transborda, ensinando que cada dia construímos um pouco de nossa história.
Cuidado com o amanhã, ele tem a estranha mania se ser tarde demais.
Luiz Thadeu Nunes e Silva
Engenheiro Agrônomo, escritor e globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.
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