Israel Jairo
Prof. Dr. em Psicologia. Docente da Estácio
Suponhamos que hoje, ao você acordar, abriu olhos e percebeu que seu corpo estava sobre uma superfície acolchoada, ergueu seu tronco, sentou-se, dobrou as pernas e depois as colocou no chão. Levantou-se, novamente esticou todo o corpo, percebeu que ficou na ponta dos pés. Voltou-se para o local onde estava deitado, dobrou os lençóis. Moveu inicialmente a perna esquerda para ir em direção ao banheiro, bocejou; pegou o creme dental com a mão esquerda e começou a escovar os dentes.
Certamente, todos nós passamos por este processo no nosso cotidiano, estes são procedimentos comum a rotina diária da maioria das pessoas. Contudo, para você, após ler a leitura do exemplo, ficou pensando se algumas coisas citadas correspondiam ou não a sua realidade de fato. Se o estado de sua mente operasse da forma como citada no exemplo, diríamos que você era uma pessoa consciente da sua rotina. No sentido psicológico, definimos a consciência como o estado de vigília da mente, estado de alerta e percepção do ambiente e de si mesmo, totalmente respondente à estímulos (Bueno,2022).
Tomando como base o conceito de consciência, e constatando que nem todos os atos que fizeram parte da nossa rotina foram percebidos quando eram executados, fica evidente que automatizamos ações e comportamentos que integram nossa rotina. E sequer percebemos a existência deles, sendo este estado a compreensão oposta do que seja a consciência.
Dito isto, voltemos nossa atenção para a data de hoje, dia no qual é comemorado a Consciência Negra. Sendo este dia considerado símbolo de resistência da luta racial nesta sociedade. E talvez, você esteja perguntando, e o que a Psicologia tem a ver com isso?
Nós brasileiros, desde cedo aprendemos a sermos socialmente cordiais. Sendo este aprendizado um ponto característico da nossa identidade nacional. Adicionalmente, há um aparato legal que determina que todos somos iguais e, que devemos tratar a todos de forma igualitária. Ademias, somos um povo miscigenado, festeiro, que carrega a alegria na alma e o samba no pé.
Entretanto, acontece que indicadores das pesquisas psicológicas e sociais deixam em estado de vigília parcela dos negros que experienciam uma equivocada igualdade racial que se sustenta apenas nos discursos igualitários, uma vez que os dados constatam que eles são vítimas de disparidades estruturais no acesso a educação, formação, ingresso no mercado de trabalho e percepção social (Jairo, 2022; Matos, 2021; Poderoso, 2018).
Nesse sentido, a consciência negra não trata apenas de um movimento social. É também um despertar de um grupo racial para os estímulos sociais que outrora eram desapercebidos, ou rotineiramente aceitáveis. Neste contexto, se insere o incômodo recente de que não é mais aceitável piadas que desprezem os negros ou aspectos voltados a sua existência física e psicológica. É no despertar da consciência de si, por exemplo, que o negro reconhece beleza nos seus traços físicos, para além da expectativa de atender a um padrão eurocêntrico de beleza.
É preciso estar consciente da dinâmica intergrupal estabelecida nesta sociedade para entender o quanto a miscigenação racial foi utilizada para dividir os negros. E assim compreender que durante muito tempo ser pardo significou ser uma categoria à parte da negritude. Afinal, você já deve ter ouvido alguém indagar que não era preto, era pardo. Ou talvez, na sua faze adulta, você já tenha se perguntado se era parto, preto ou negro? E o curioso que a existência desta dúvida, já me parece ser impregnada de uma não consciência.
Estudos da psicologia cognitiva social revelam o quanto processos mentais a exemplo dos estereótipos ajudam a automatizarmos nossa existência. Fazendo com que sigamos nossa realidade social sem sequer pensarmos sobre nossa existência. Ajuda a compreender como naturalizamos uma série de inconsistências sociais e como tornamos como corriqueiros uma série de problemas sociais que foram mascarados por uma série de justificativas esdruxulas. Nesse contexto, explicita-se o racismo como um exemplo de um problema social naturalizado que pelos aprendizados esdrúxulos da cordialidade como sendo característica cultural do brasileiro, fez esta sociedade invisibilizar este grave problema social; Mascarando a forma desigual com que os negros são tratados neste país.
Diante disto, é salutar salientar que a Psicologia tem tudo a ver com a Consciência Negra. Trazendo a consciência o distraído ou refutando as explicações bonitinhas de igualdade construídas neste arranjo social. Entendendo que na nossa compreensão, O dia da Consciência Negra não se limita a uma comemoração de movimento social de determinado grupo minorizado, mas, como um despertar de uma sociedade para se tornar mais vigilante, alerta, perceptiva e compromissada com a igualdade entre os grupos raciais. E é por isso a Consciência Negra também psicológica.