Por Rafael Terra
O fenômeno dos bebês reborn ganhou os holofotes mais uma vez. Mas desta vez, não pelo que representam, e sim por aquilo que provocam nos outros. De repente, o estranho virou meme, o afeto virou piada, e a conversa virou moeda. Não estamos mais falando sobre bonecos realistas, mas sobre o modo como reagimos ao inusitado. E aí está o verdadeiro assunto: não é sobre quem adota reborns, é sobre quem aponta o dedo e lucra com isso.
Vivemos em uma era onde o conteúdo não precisa fazer sentido, só precisa gerar reação. O algoritmo premia o que movimenta. E o diferente, o desconfortável, o “bizarro” encaixa perfeitamente nesse jogo. Influenciadores que zombam dos reborns, mas depois publicam stories com suas versões reborn são exemplos claros do que a web se tornou: um ciclo onde até a crítica vira capital simbólico.
O que pouca gente percebe é que os reborns se tornaram uma desculpa coletiva para alimentar a conversa digital. O feed virou praça pública, e todo mundo quer palco. Os influenciadores que criticam com escárnio estão, na prática, criando seus próprios reborns digitais: conteúdos emocionalmente exagerados, visualmente apelativos, que servem para gerar o mesmo efeito: atenção.
Há um padrão silencioso por trás disso: quanto mais algo divide opiniões, mais engaja. E numa cultura guiada pelo contextom, onde o que importa é o que está no centro do radar coletivo, todos querem surfar a onda do que viraliza. Mesmo que seja algo que há dois dias julgavam como “patético”. O curioso é que o “estranho” só se torna estranho quando chega perto demais da normalidade. E nesse ponto, o reborn revela mais sobre o mundo de fora do que sobre quem o segura no colo.
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A verdade é que em um mundo onde o conteúdo é moeda, qualquer comportamento vira commodity, desde que gere conversa. E o mais fascinante é observar como até os julgamentos mais “éticos” são editados, roteirizados, otimizados para viralizar. O diferente é útil. A bizarrice, rentável. E o engajamento, soberano.
No fundo, o que vivemos é uma nova forma de narrativa pública: os reborns não são os protagonistas, são os gatilhos. E nós, os consumidores emocionais, estamos mais preocupados em performar opinião do que em entender contexto. O desconforto virou entretenimento. E a crítica, um modelo de influência disfarçado de lucidez.
Enquanto alguns adotam reborns de silicone, outros adotam reborns simbólicos no feed: conteúdos que parecem ridículos, mas servem perfeitamente para ganhar relevância. Porque no final das contas, o que viraliza não é o que faz sentido e sim o que todo mundo comenta. E cada um quer seu lugar nessa roda.
Seja como mãe de boneco, seja como juiz do absurdo, seja como alimentador do algoritmo. O estranho só é estranho… até virar útil.
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Rafael Terra é epecialista em Tendências Digitais e autor do livro Bem-Estar Digital (DVS Editora)