Há dias tenho me pego com a cabeça no passado. O tempo, esse senhor indomável, que leva tudo para a frente, tenta apagar coisas vividas. Ainda bem que existe a memória, que teima em trazer para trás as boas recordações. O tempo leva todas as coisas, -tudo na vida é passageiro e impermanente, e o tempo é o fator que transforma, destrói e apaga tudo ao seu redor, inclusive memórias e momentos que parecem eternos. Mas, “a gente tem sede de infinito e de permanência, então, esse ser que assegura a permanência das coisas, é que eu chamo de Deus. É o absoluto”, Adélia Prado.

Por se aproximar do final do ano, desacelerei um pouco, me isolei. Sempre que posso, faço meditação, para acalmar a mente. Tenho me lembrando da época em que fui menino. Resgatei, por uns instantes, a criança que há dentro de mim. Lembrei de minha mãe, que partiu cedo. De sua vida agitada, três turnos de trabalho como professora. De sua correria com os seis filhos. Dos presentes que ganhávamos nesta época do ano. Da alegria de desembrulhar: carro de fricção, bola, ferrorama, forte apache, soldadinhos de chumbo, futebol de botão.

Recordei tempos felizes, em que o quintal de casa era o meu mundo, de tão grande. Nele cabiam todos os meus sonhos. Lá, apanhava fruta no pé, criava coelhos, preás, codornas, peixes e jandaias. Além do cachorro pastor alemão, Ringo. Fui menino com “bicho no pé”, de tanto andar descalço. Gosto do cheiro de terra molhada, gosto de chuva. Na enxurrada, colocava barco de papel, que seguiam na sarjeta da rua. Empinei papagaio. Construí pipas, com papel de seda e talos de bambu; joguei bolinha de gude e pião.

Quantas vezes deitei no chão, a observar o céu; e em noite de lua cheia, vi “as três marias”, estrelas a iluminar o infinito. Sempre tive os olhos voltados para o azul do céu. Gostava e ainda gosto de olhar para o céu e imaginar os desenhos que surgem com o balé das nuvens. Sou sonhador, minha matéria prima são os sonhos. No outono da vida, no dia que não sonho, não existo. Hoje, sei que riqueza mesmo é ter tempo para parar, e viajar nas recordações de um tempo, que para mim era sem pressa.

“A infância não é um tempo, não é uma idade, é uma coleção de memórias. A infância é quando ainda não é demasiado tarde. É quando estamos disponíveis para nos surpreendermos, para nos deixarmos encantar. Não é apenas um estágio para maturidade. É uma janela que, fechada ou aberta, permanece viva dentro de nós, cito Mia Couto.

Quando menino, pensando como seria o futuro, adiantei o tempo, querendo ser adulto. Foi o desejo mais estúpido que tive. Como é sagrado ser criança.

Mesmo velho, sigo feliz, pois o menino que existe em mim, teima em revisitar-se sempre. Como o tempo só anda para frente, neste 12 de outubro, convencionado “Dia das Crianças”, vejo em meu neto Heitor, de nove meses, a vida seguir seu curso. Oxalá, meu neto usufrua de cada momento mágico chamado infância.

Luiz Thadeu Nunes e Silva
Engenheiro Agrônomo, escritor e globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”
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