Sebastião Pereira do Nascimento*

Sob a ótica do sujeito bagunçado, apresento aqui alguns aspectos ontológicos sobre a realidade humana acerca da desorganização. Um tema que costuma gerar debates sobre seus possíveis significados e origens. Assim, a partir de uma reflexão, sobretudo relacionada ao desleixo humano, foi possível perceber que a prática da desorganização não se limita necessariamente à ausência de disciplina ou sinal de preguiça. Estudos revelam que a prática da desordem, seja no ambiente físico ou em quaisquer outras situações, é decorrente de um complexo quadro de relaxamento conduzido por algumas pessoas com inclinação à desordem psíquica e psicológica que, quando persistente, atinge um estado caótico de desorganização, gerando também uma sensação de que a vida está fora de controle.

Partilhando dessa ideia, Albert Camus, quando navega pela filosofia do absurdo, aponta que a desorganização tem como pressuposto a condição de uma pessoa que não se submete a quaisquer princípios de ordenamento. Ela pode ser vista também como uma manifestação causada pela ausência de um sentido racional. Um vácuo existencial que anula a capacidade que a pessoa tem de dar respostas ou reações às coisas que podem desarranjar o seu cotidiano. Portanto, Albert Camus aponta ainda que a desorganização deve ser interpretada à luz de um desarranjo mental, que pode oferecer uma valiosa pista sobre a personalidade do sujeito bagunçado. A princípio, a pessoa apresenta dificuldade em encontrar coerência e atitudes lógicas, voltando-se a pensamentos desordenados, à indolência generalizada e à falta de interesses e motivações.

Para além dessas premissas, outros filósofos compreendem a desorganização como uma escolha pessoal (ainda que com influência de fatores psíquicos e psicológicos), quando a pessoa passa a apresentar transtorno de personalidade, pouca criatividade, forte resistência a uma vida saudável e uma visão distorcida do mundo real, quando leva a pessoa a se manifestar de forma desequilibrada e, sobretudo, agir contra o ordenamento natural das coisas, seja de forma física, como arrumar objetos, seja de forma abstrata, como as normas que regem um estado.

No geral, quando a pessoa passa a exibir um comportamento repetitivo de negligência, como esquecimento reiterado, permitir objetos fora do lugar, persistir em tarefas inacabadas, falha contínua em adotar precauções para evitar um dano, incapacidade de priorizar os afazeres do cotidiano ou manter seu espaço físico em desordem, é sinal de que a pessoa já está afetada pela desorganização mental — transitiva ou crônica —, podendo se transformar em outros problemas de saúde mental, como desvio de personalidade, dificuldades cognitivas e défices de atenção. Em conjunto, todas essas disfunções, por vezes, tornam a vida e o espaço físico da pessoa num ambiente extremamente caótico e insalubre. 

A desorganização crônica pode também potencializar a fadiga mental, aumentar a frustração, trazer a sensação de incapacidade, gerar sentimento de pobreza, etc. Pelo lado oposto, a organização, que pode estabelecer no indivíduo uma estrutura lógica e coerente, traz clareza mental, sensação de controle, capacidade de produção, qualidade de vida e muitos outros benefícios humanos. 

Fatores sociais também influenciam a prática da desorganização, sendo esses fatores próprios da grande maioria da população brasileira, que parece ter desprezo pelo zelo e ordenamento das coisas (públicas ou privadas). Pessoas que encontram na desorganização um falso estado de alento, em que, ilusoriamente, se sentem “confortáveis”, “seguras” e sem “ameaças”.

Embora pouco considerado no Brasil, esse sentimento de repulsa às coisas organizadas não é algo novo nem espontâneo. Ele foi construído historicamente e mantido por gerações, sendo ressignificado conforme o cenário político, cultural, econômico, etc. A impressão que fica é que, desde o início, a conduta desorganizada do brasileiro foi pensada para servir a poucos — e continua assim. Pois a base desse modelo está presenteem todas as áreas de interesse público, por exemplo, no jeito como a sociedade e a mídia retratam a realidade, bem como nos debates e nas ações de todos os setores públicos, seja nas esferas municipal, estadual ou federal.

Pegando como exemplo os gestores públicos, é notório que a grande maioria sempre trata com desleixo e negligência o patrimônio pertencente ao domínio de seu município, estado ou do país. Já bastante enraizada na alma, a práxis da desorganização, tais gestores passam a reproduzi-la, amiúde, com a participação da sociedade que, da mesma forma, se permite gozar de todos os direitos e se omite das obrigações. Não por acaso, todo esse pacote de desordens parece ser criado para naturalizar a desorganização e afastar da consciência coletiva o quanto a desorganização transforma para pior o ambiente físico de cada um e empobrece o país. Isso em função de que a maioria dos gestores públicos é incapaz de gerir a coisa pública sem renunciar o espólio destrutivo da desorganização.

No senso comum, a desorganização, ao longo do tempo, foi construída pela ideia de que o ordenamento das coisas gasta mais tempo do que manter a desorganização. Portanto, considerando a escalada desse juízo comum, parece que hoje temos no mundo menos pessoas que possuem a capacidade de se organizar e organizar seu ambiente. Dito isso, há de fato uma percepção de que vivemos num mundo antrópico completamente desorganizado, onde as pessoas que mantêm sua mente e seu espaço em ordem são sempre surpreendidas com rótulos de sistemáticas, metódicas ou coisas assim.

Com base nesses aspectos, vivemos então em uma sociedade na qual “organizar” não é mais uma obrigação, mas sim algo relativo e faz quem quiser; aqui a escolha é de cada um. Em vista disso, muitas pessoas não acreditam que possam alcançar uma consciência plena de organização, isso não propriamente pela inércia da pessoa, mas pelas tantas tentativas que foram feitas, mas que falharam — isso não significa também que foram tentadas da maneira certa.

Aqui é permitido dizer que a prática da organização envolve colocar as coisas no seu devido lugar, a começar pela forma de pensar. Depois, é definir os processos para garantir que os meios necessários estejam disponíveis para que a organização seja concretizada. Por outro lado, embora o senso comum apregoe que o ato de organizar as coisas gasta mais energia e tempo, as pessoas precisam compreender que o lado destrutivo da desorganização é algo bastante dolorido e muito mais consumidor do corpo, da mente e do tempo.

Portanto, a pessoa organizada é a mesma que se programa para estar preparada cotidianamente. Isso faz com que ela tenha menos empecilhos a serem resolvidos e menor possibilidade de adquirir problemas de saúde, já que manter o controle das coisas é um fator que ajuda a reduzir a incerteza, o estresse e a ansiedade, criando uma sensação de previsibilidade e bem-estar. E, para aquele que ainda não pensa na possibilidade de organizar sua vida e seu ambiente, pelo menos poderia pensar nisto, como algo que deveria estar fazendo.

Por via de regra, a prática da desorganização se manifesta em cada pessoa de maneira diferente, com reflexo, senão nos indivíduos que compartilham desse mesmo ambiente. Também não existe um marcador para estabelecer o nível de comprometimento mental de um sujeito desorganizado. Contudo, o que se pode dizer é que, em grau máximo, esse comportamento bagunçado leva o sujeito humano a um profundo quadro de inação, que é quando a pessoa se torna patologicamente refém do caos, tanto psíquico quanto físico, promovendo distorções da realidade, só tendo olhares para o ridículo real. 

E, na tentativa de sair dessa desordem, ainda que a pessoa não tenha tanta disposição, o melhor a fazer é rever seus fracassos resultantes de suas próprias ações e, num esforço determinante, empenhar-se ao máximo na tentativa de se refazer como um ser lúcido e organizado, pois a organização é a chave para alcançar quaisquer objetivos, não importando quais possam ser. Do contrário, pensar e agir de forma desorganizada torna-se praticamente impossível alcançar quaisquer propósitos, mesmo aqueles que sejam da mais intensa vontade do sujeito.

*Filósofo, escritor, professor e consultor ambiental.