Secretário Adjunto Ellan Wagner, pontua que o estado precisa de apoio federal para combater grupos criminosos (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)
Secretário Adjunto Ellan Wagner, pontua que o estado precisa de apoio federal para combater grupos criminosos (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

A expansão do crime organizado transnacional na Amazônia, especialmente na faixa norte da fronteira brasileira, tem colocado Roraima no centro de um cenário de crescente vulnerabilidade. A conclusão aparece no estudo “Cartografia da Violência na Amazônia”, apresentado na COP 30, e foi reforçada pelo secretário adjunto de Segurança Pública de Roraima, Ellan Wagner, durante entrevista à FolhaBV, sobre o avanço de facções estrangeiras no estado, em especial, o Tren de Aragua, organização criminosa originária da Venezuela.

Segundo o levantamento divulgado na conferência climática, Roraima está entre os estados amazônicos mais pressionados por dinâmicas criminais ligadas à mobilidade populacional, rotas clandestinas e falhas de cooperação internacional. E a análise coincide com o diagnóstico feito por Wagner. “O que nos prejudica muito na área de fronteira é a imigração desordenada. Junto com pessoas de bem vêm criminosos travestidos de população vulnerável”, afirmou.

Lacuna deixada pelo crime nacional abriu espaço para facções estrangeiras

O secretário explica que, desde 2018, após a intervenção federal no sistema prisional de Roraima, o estado conseguiu impor maior controle às facções nacionais. “O problema é que isso criou uma lacuna nas ruas, e o crime organizado venezuelano entrou exatamente nesse espaço”, disse.

O estudo apresentado na COP 30 aponta que Roraima tornou-se uma das principais portas de entrada para grupos estrangeiros que enxergam na fronteira seca e no fluxo migratório intenso uma oportunidade para estruturar redes de microtráfico, extorsão e contrabando. O Tren de Aragua, classificado por pesquisadores como uma organização criminosa de alcance continental, já opera em ao menos três regiões estratégicas do estado, segundo o relatório.

Eles estão tomando pontos da cidade e dominando áreas do microtráfico”, reforçou Ellan Wagner.

A Tren de Aragua é considerada a maior facção criminosa da Venezuela. O grupo surgiu dentro do presídio de Tocorón, e se expandiu com foco no tráfico de drogas, contrabando e tráfico de pessoas. Hoje, a organização tem perfil transnacional e, além de estar no Brasil, já registra presença em países como Colômbia, Chile, Bolívia, Equador e até Estados Unidos.

O acirramento da crise econômica e política na Venezuela favoreceu as intenções da facção, que se aproveitou da vulnerabilidade de milhões de venezuelanos, em fuga e em busca de asilo em outros países, para lucrar com a prática de extorsão e exploração sexual e, ao mesmo tempo, infiltrar-se para ampliar os territórios de domínio e atuação.

Fronteira extensa e falta de cooperação dificultam repressão

O secretário descreveu como “quase impossível” monitorar sozinho os mais de 2 mil quilômetros de fronteira entre Roraima, Venezuela e Guiana. A ausência de comunicação com autoridades venezuelanas agrava a situação. “O país vizinho não fornece dados confiáveis. Sem isso, não existe combate efetivo”, afirmou.

A Cartografia da Violência na Amazônia também aponta a assimetria entre os países amazônicos como uma barreira para o enfrentamento conjunto ao crime organizado, indicando que a falta de integração é usada por facções para circular líderes, armas e drogas entre os territórios.

Imigrantes no sistema prisional e falhas na legislação

Outro ponto de atenção levantado por Wagner é o aumento de estrangeiros no sistema prisional. Cerca de 10% dos detentos em Roraima são imigrantes, muitos deles venezuelanos com ligação com o Tren de Aragua.

A brecha, segundo ele, está na legislação migratória. “Quando um imigrante é condenado, ele deveria responder a um processo de expulsão. Só que esse processo não tem prazo para ser concluído. Quando ele progride de regime, casa ou tem filhos, não pode mais ser expulso. E saiu daqui ligado a criminosos”.

O estudo apresentado na COP reforça que a prisão de estrangeiros sem mecanismos ágeis de deportação favorece a criação de vínculos criminosos e fortalece a atuação transnacional das facções.

Operações na fronteira e risco de alianças com crime nacional

Operação Escudo de Roraima, mobilizou mais de 300 agentes de segurança em ações integradas na capital, interior e áreas de fronteira (Foto: Governo de Roraima)

Wagner alerta para o risco de fusão entre facções venezuelanas e organizações criminosas brasileiras. “É algo que nos preocupa muito. Pode haver uma coalizão entre crime internacional e nacional”, afirmou.

Para tentar conter o avanço, o estado vem deflagrando operações como Escudo, além de ações conjuntas com o governo federal, como Protetores de Divisas e Fronteiras. As ofensivas incluem bloqueios, prisões e destruição de pistas clandestinas usadas por traficantes e garimpeiros.

A pesquisa apresentada na COP 30 destaca que garimpos ilegais e pistas improvisadas em áreas indígenas se consolidaram como corredores preferenciais para o tráfico de drogas e armas, exatamente como relatado pelo secretário.

PL do crime organizado pode endurecer penas

Ellan Wagner também destacou a importância da PL 5.582/2025, aprovada na Câmara, que dobra punições para crimes violentos ligados a organizações criminosas e exige maior percentual de pena cumprida antes de progressões.

É um marco para a segurança pública. O crime mudou, a legislação ficou parada no tempo. Agora teremos mecanismos para separar o criminoso comum do integrante de facção”, avaliou.

Uiramutã e Pacaraima: áreas críticas na tríplice fronteira

Além de Pacaraima, principal porta de entrada do fluxo migratório, o relatório da COP 30 aponta Uiramutã, na tríplice fronteira, como um dos municípios com maior vulnerabilidade para atividades de facções. Wagner garantiu que as operações chegarão também à região.

É impossível estar em todo o estado ao mesmo tempo, mas estamos avançando por fases. Uiramutã está no radar e terá reforço”, prometeu.

Embora o estudo aponte avanços no efetivo das forças policiais locais, o diagnóstico final é comum entre pesquisadores e governo estadual: sem a atuação consistente da União, Roraima continuará exposta.

É uma luta muito difícil. O estado enfrenta, chama a responsabilidade, mas a fronteira é responsabilidade federal. E sem o apoio federal, vira uma briga desigual”, afirmou.