IDEC

Reajuste no preço praticado ao consumidor pode ser muito maior do que o anunciado pelo governo, indica estudo

 (Foto: Raisa Carvalho)
(Foto: Raisa Carvalho)

O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) divulgou a edição de 2025 de seu levantamento sobre preços de medicamentos. O estudo, que está na sua 4ª edição, revela que, na prática, os aumentos de preços dos remédios nas farmácias podem ser muito maiores do que o autorizado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão do governo federal responsável por limitar e fiscalizar preços de medicamentos no Brasil.

Em 31 de março de 2025, entrou em vigor o novo reajuste do Preço Máximo ao Consumidor (PMC), valor máximo que uma farmácia pode cobrar por cada medicamento. O índice médio foi de 3,83%, menor do que a inflação acumulada em 2024. Contudo, diferentemente do que os anúncios dão a entender, a aplicação desse índice recaiu apenas sobre o PMC, mas não necessariamente sobre o preço cobrado nas farmácias.

Conforme demonstra a pesquisa, os preços médios cobrados em grandes redes de farmácias são muito inferiores ao preço teto da CMED. Um remédio comum, como a losartana potássica, chega a custar, na farmácia, quase oito vezes menos do seu preço máximo. Isso significa que, na prática, a farmácia poderia reajustar este remédio em mais de 675% sem desrespeitar o reajuste de 3,83% sobre o PMC.

O Idec afirma que o mesmo problema foi encontrado nas edições anteriores da pesquisa: o PMC, que é o teto de preços de cada medicamento, está em um valor muito acima do praticado pelo mercado e não cumpre sua função de impedir aumentos abusivos.

Um exemplo apresentado na pesquisa é o do Clavulin (Amoxicilina + Clavulanato de Potássio), um tipo de antibiótico. Apesar de o preço máximo dele ser de R$ 422,86, antes do reajuste ele era encontrado nas farmácias, em média, por R$ 166,81. Mas o valor aplicado pelo reajuste foi sobre o preço máximo. Na prática, isso significa que, se a fabricante e as farmácias mais do que dobrarem o preço desse remédio de um dia para o outro, o consumidor não poderá recorrer a ninguém.

O levantamento revela que, entre os medicamentos de marca, mesmo antes da aplicação de qualquer desconto, a diferença média entre os valores praticados e o preço máximo na regulação foi de 6,75%. Em valores absolutos, a maior diferença encontrada foi de R$ 256,06, no caso do Clavulin.

Em tese, não deveriam ser identificadas diferenças negativas entre o PMC e os preços praticados nas farmácias, já que isso indicaria que, para ao menos um dos preços coletados em relação àquele medicamento, o valor praticado no mercado estava acima do permitido pela regulação. Contudo, este foi exatamente o caso encontrado para alguns medicamentos pesquisados, o que reforça a hipótese do Idec de que as farmácias fixam preços inflacionados, inclusive descumprindo a regulação, para viciar o consentimento de consumidores, atrelando o fornecimento do compartilhamento do CPF em troca de um desconto fictício.

Já a diferença média entre o preço máximo dos medicamentos genéricos sem desconto e aqueles encontrados nas farmácias foi de 40,39%, chegando a uma diferença máxima, em valores absolutos, de R$ 89,07, no caso do Aciclovir.

Com CPF

Quando considerados os descontos concedidos pelo fornecimento de CPF, a diferença entre a média de mercado e os preços máximos é ainda maior. Entre os medicamentos de marca, a diferença média em relação ao PMC foi de 55,65%.

“O desconto somente é calculado após o compartilhamento do CPF. Essa prática induz o consumidor a indicar um dado pessoal para ter acesso a um desconto significativo no valor do medicamento. É uma prática abusiva, sem transparência, que não explica a finalidade da coleta de um dado pessoal, e que está em desacordo com o Código de Defesa do Consumidor e com a Lei Geral de Proteção de Dados”, explica Marina Paullelli, coordenadora do programa de Saúde do Idec.

Conclusões e recomendações

A pesquisa mostra que as diferenças médias entre os preços praticados com desconto nas farmácias e o PMC da CMED variam de um mínimo de 55,65%, no caso dos medicamentos de marca, até 160,38%%, no caso dos genéricos, sendo que, em casos extremos, a diferença entre o preço efetivamente praticado e o teto da CMED chegou a ser quase oito vezes superior (caso da Losartana Potássica). Significa dizer que, na média, os preços praticados podem mais do que dobrar, de um dia para o outro, podendo, em alguns casos, mais que septuplicar, sem que isso represente descumprimento da regulação da CMED.

A regulação é relevante para o consumidor porque, no Brasil, o preço é um fator determinante para o acesso a medicamentos. A pesquisa traz dados de que a maioria dos gastos com medicamentos são feitos diretamente pelas famílias e de que partes relevantes da população não recebem medicamentos de forma gratuita ou mesmo não conseguem ter acesso aos remédios que necessitam por falta de dinheiro.

Marina alerta que: “Os resultados desta edição da pesquisa reforçam os achados de anos anteriores: a regulação precisa ser alterada e modernizada para proteger o consumidor de grandes variações de preço. Variações tão grandes mostram o descompasso do teto da regulação e as práticas de mercado. Quem continua sendo o mais afetado é o consumidor, já vulnerável por uma questão de saúde.”

O estudo também apresenta recomendações para que distorções tão grandes sejam evitadas. Para o Idec, a regulação precisa ser modernizada para garantir maior transparência sobre os custos de produção e venda dos medicamentos; critérios de precificação mais adequados aos custos e à realidade nacional; prerrogativa da CMED para adequar preços à realidade de mercado, harmonização da regulação; e participação social no processo de precificação de medicamentos. Todas estas propostas estão incluídas na Campanha Remédio a Preço Justo, do Idec.

Metodologia

A pesquisa, realizada pelo Idec, coletou os preços dos medicamentos em cinco das redes de farmácia com maior faturamento do Brasil, sendo excluídas as que não possuem unidades na cidade de São Paulo. O motivo para a escolha de farmácias no mesmo estado foi tentar minimizar as diferenças de preços geradas pelas diferentes alíquotas de impostos estaduais e municipais.

Foram analisados 20 medicamentos diferentes, de marcas selecionadas a partir de critérios de prevalência no mercado, além de suas versões genéricas. O estudo também buscou saber a diferença entre os preços máximos dos medicamentos e o valor praticado com descontos, mediante a concessão para as farmácias de dados pessoais dos consumidores, como o número do CPF.

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