COSTURANDO SONHOS

Microempreendedor transforma figurinos juninos em arte e resistência no extremo norte do Brasil

Aos 27 anos, o estilista encontrou na festa junina de Roraima um palco para empreender com criatividade, identidade e propósito

A arte e o artista (Foto: Nilzete Franco)
A arte e o artista (Foto: Nilzete Franco)

Com tesouras, agulhas, glitter e muito tecido, o microempreendedor Diogo Araújo, de 27 anos, cria as suas obras de arte. O jovem trabalha criando figurinos para quadrilhas juninas desde 2019. Mas foi ainda na infância que o estilista entendeu que essa seria a sua verdadeira vocação.

Cortando EVA, montando decorações e idealizando eventos com a sua mãe na comunidade indígena onde cresceu. Foi através dessas experiências que Diogo descobriu que essa seria a sua paixão.

Diogo transforma os sonhos de seus clientes em realidade. (Foto: Nilzete Franco/FOLHA BV)

“Minha história com trabalhos artesanais começou quando eu era bem pequeno. Minha mãe, que é professora e já foi diretora de várias escolas, sempre morou em comunidades indígenas. Ela era muito caprichosa em relação a organização, como nos murais escolares do Dia das Mães. E eu era a pessoa que sempre se dedicava a essas tarefas. Acho que tudo começa daí: quando eu tinha que arrumar os murais para ela, ornamentar eventos ou criar coisas para datas como o 7 de setembro”, narrou Diego Araújo.

O jovem estilista abriu as portas de seu ateliê e contou sua história a nossa equipe (Foto: Nilzete Franco/FOLHABV)

Ainda sobre a sua inspiração para trabalhar com esse mundo criativo, ele explicou que a dedicação e delicadeza de sua musa inspiradora, sua mãe, lhe deu o incentivo necessário para trilhar o seu caminho.

“Essa vivência despertou em mim o capricho e a vontade de criar, desde uma flor de EVA até o que faço hoje. Minha mãe me colocou nesse lugar de sempre estar produzindo, seja roupa, faixas ou enfeites. E é por isso que hoje faço meu trabalho com tanto cuidado e desejo de inovar. Sou conhecido justamente por criar coisas diferentes – esse é meu diferencial”, explicou o estilista.  

Do papel para a realidade

O trabalho minucioso do estilista vai desde a idealização do croqui até a colagem das pedrarias. Pedrinha por pedrinha os figurinos vão ganhando vida com a ajuda de várias mãos que auxiliam Diogo no período do São João.

O estilista conta que, desde que entrou para o universo das quadrilhas juninas, em 2013, sempre teve vontade de criar roupas para si e seus companheiros. Integrante da Eita Junino, atual campeã do arraial de Boa Vista 2025, Diogo explicou que a sua história com a criação de figurinos surgiu a partir de um incômodo.

“Eu sempre pedia roupas de outros estados, só que quando chegava os figurinos eu me via um pouco frustrado em relação a alguns trabalhos e aí eu decidi desenvolver os meus próprios, falei para mim mesmo: Não, eu preciso começar a fazer as minhas próprias criações, porque acho que consigo chegar em lugares que eu realmente quero”, e a partir daí surgiu o ateliê Diogo Araújo.

Oportunidades para a comunidade LGBTQI+

Estilista, quadrilheiro, coreógrafo e empreendedor, esses são vários adjetivos para descrever Diego. Mas um, ao qual ele carrega com orgulho, é o de pertencer à comunidade LGBTQIAPN+. Ser um microempreendedor, de acordo com ele, sempre foi o seu destino e devido a isso ele relatou que nunca precisou ver portas sendo fechadas em sua cara só por pertencer a comunidade Queer. 

Segundo pesquisa inédita do Sebrae, cerca de 55% da comunidade LGBTP (composta por lésbicas, gays, bissexuais, pansexuais, transgêneros e/ou travestis) empreende ou tem um potencial empreendedor e vê na ideia de ter o próprio negócio não apenas um instrumento para a conquista da autonomia financeira, mas um caminho também de emancipação, autoafirmação e resistência.

Como é o caso do Diogo, enquanto membro da comunidade LGBTQI ele se sentiu abraçado pelo universo colorido e animado das quadrilhas juninas, e com o apoio de sua mãe ele seguiu os seus sonhos. De acordo com o estilista, ele nunca teve dificuldades enquanto empreendia por pertencer a comunidade queer.

“Desde os 10 anos, sempre fui empreendedor – nunca trabalhei com carteira assinada. Sempre busquei fazer o que amo, e isso me poupou de enfrentar os desafios que muitas pessoas da comunidade enfrentam no mercado de trabalho”, explicou Diogo.

O empreendedorismo foi a porta de entrada para as oportunidades na vida de Diogo (Foto: Nilzete Franco/FOLHABV)

As pessoas Queer enfrentam todos os dias desafios enquanto integrantes da comunidade. O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIAPN+ no mundo, com 122 mortes registradas em 2024. Sendo apontado pelo dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) como um dos países mais letais para essa comunidade.

Desafios de ser empreendedor no extremo norte

Empreender no extremo Norte do país apresenta desafios únicos. No ano passado, Diego enfrentou situações em que seus croquis foram usados por clientes sem o devido pagamento. “Eu fazia até oito versões do desenho, e depois levavam para outras costureiras”, conta. A partir disso, estabeleceu uma nova regra: o croqui só é entregue após o pagamento de 50% do valor. Se houver desistência, a arte não é liberada.

Ele também precisou aprender a lidar com prazos, contratos e parcerias. “Hoje trabalho com duas costureiras: um rapaz cuida das peças femininas, e uma mulher fica com as masculinas. O nome que aparece é o meu, porque a responsabilidade final é minha”, explica.

A valorização do talento local é uma bandeira defendida com orgulho. “Por muito tempo valorizamos profissionais de fora. Agora vemos que temos aqui pessoas extremamente capacitadas”, afirmou. O reconhecimento já vem de fora: visitantes do Piauí e de Campina Grande se surpreenderam com a grandiosidade das quadrilhas e da Arena Junina em Boa Vista.

“Me relataram que lá fora, o foco é o show do artista que canta. Aqui, os artistas somos nós. A Arena existe para nos valorizar”, compartilha Diego, reforçando a importância da cultura junina como expressão artística genuína da região.

Da vitrine virtual ao reconhecimento nacional

Pequenos empreendedores estão investindo cada vez mais nas redes sociais para impulsionar seus negócios. Segundo o Sebrae, 7 em cada 10 já marcam presença nestas plataformas, com destaque para o Instagram (64%) e o Facebook (41%). Os setores de beleza, alimentação e economia criativa lideram a atividade digital.

E com o Diogo não foi diferente, ele explicou que de início o seu perfil no instagram foi criado de maneira despretensiosa, mas que me pouco tempo ganhou proporções maiores, chegando até a receber encomendas de fora do estado e abrindo leques para outros segmentos como a moda country, formaturas e casamentos.

“O perfil tomou uma proporção maior do que eu imaginava. Eu criei apenas para postar fotos das minhas criações, e no início tínhamos 15 seguidores e agora ultrapassamos 3 mil seguidores em um ano e meio. As pessoas vão seguindo exatamente por conta do segmento que eu faço. E eu recebo muita mensagem das pessoas de outros estados, querendo arranjo, roupa, ou até que eu vestisse uma quadrilha inteira de fora”, contou Diogo.

O resultado foi o alcance de pessoas de fora do estado que reconhecem não só o trabalho do estilista, mas também a tradicional festa junina de Roraima. Marcada pelas competições de quadrilha com saias longas, enredos de tirar o fôlego e paixão dos quadrilheiros. Essa paixão, alcançou a rainha junina bicampeã nacional, Jeciane Sousa do Piauí, que usou uma das criações de Diego para se apresentar com a tradicional saia longa do arraial roraimense.

Em seu Instagram a rainha agradeceu o empenho do estilista e elogiou a tradição roraimense. “Obrigada Ateliê Diogo Araújo por em tempo recorde me vestir como uma divina dama roraimense esse figurino é uma joia”, escreveu em sua rede social Jeciane Sousa.  

Diego compartilha a felicidade do reconhecimento e deseja que o mercado roraimense seja mais reconhecido e que os seu profissionais sejam mais valorizados.

“Eu quero muito que o trabalho dos Roraimenses seja valorizado. Acredito que aqui no nosso estado nós temos formado, muitos profissionais de qualidade, que trabalham com arranjo, com alegoria, com costura, e com uma diversidade de coisas. O meu conselho é, não desistam dos seu sonhos”, finalizou o estilista.

Das suas mãos para o tablado, as peças feitas pela sua equipe de artesãos iluminam a noite de arraial (Foto: Nilzete Franco/FOLHABV

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