Depois de ter sido alvo de sequestro pela segunda vez na cidade de Porto Ordaz, na Venezuela, em 2016, o jovem venezuelano Johs Rojas, de 23 anos, decidiu arriscar a vida no Brasil. Se desfez de todos os bens da empresa de audiovisual que possuía e mudou-se para Boa Vista há cinco meses. Hoje, ele possui dois empregos na Capital e é apenas um dos poucos mais de 800 imigrantes do país vizinho que conseguiu a emissão da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) temporária no ano passado em Roraima.
Atuando em uma área distinta de sua formação, Rojas conseguiu regularizar sua situação no Brasil e hoje é funcionário de uma franquia de rede fast-food, além de dar aulas de inglês em uma escola particular da Capital. “A crise venezuelana não é mais um problema só de governo. O povo hoje também se tornou uma espécie de problema. Porto Ordaz sempre foi perigoso, mas algumas pessoas, talvez movidas pelo desespero em decorrência da atual situação do país, passaram a apelar para o crime”, disse.
Antes de vir para Roraima, ele foi a Quito, no Equador. “Meu irmão mora lá e fui para tentar ver alguma coisa antes de deixar a Venezuela de vez. Lá existem mais oportunidades de se trabalhar como advogado, visto que não precisa de exame após o término do curso, sem contar que é o mesmo idioma [espanhol], mas aqui as pessoas são mais calorosas e receptivas. O que mais me encantou em Boa Vista foi a hospitalidade das pessoas”, disse.
Em Boa Vista, Johs Rojas enfrentou alguns problemas burocráticos para conseguir a regularização e a CTPS. A primeira vez que foi à Polícia Federal (PF), agendaram a entrevista com o venezuelano para outubro de 2017.
“Quase não acreditei, mas isso foi por conta da demanda. São milhares de venezuelanos tentando se estabelecer em Roraima. Depois disso, passei a trabalhar, mesmo de forma irregular, em uma padaria grande da Capital, que acabou falindo meses depois. Não recebi o que deveria, mas ao menos os proprietários me deram uma carta de recomendação, que findou facilitando o agendamento. Adiantaram e eu consegui me regularizar. A Carteira de Trabalho eu emiti em seguida e recebi com uma semana”, relatou.
Jéssica Morillo, de 24 anos, é uma das venezuelanas que também conseguiu emitir a CTPS em Roraima. Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade na cidade de Porto Ordaz, a jovem hoje trabalha no setor comercial da Folha, após três meses em busca de emprego em Boa Vista.
“Talvez pelo fato de ter dupla cidadania, não tive tantas dificuldades e nem enfrentei muita burocracia para tirar a Carteira de Trabalho. A dificuldade maior mesmo foi de conseguir o emprego em si. As pessoas, em Roraima, talvez no Brasil, ainda têm muito preconceito em relação aos venezuelanos”, disse.
Superintendência do Trabalho e Sine atendem aos estrangeiros
Segundo o chefe da Seção de Políticas de Trabalho, Emprego e Renda (Septer) da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Roraima (SRTE), Péricles Pedro Ferreira, outubro de 2016 foi o mês com maior número de CTPS emitidas por venezuelanos: 135. De dezembro a fevereiro deste ano, houve uma redução. Segundo estimativa da SEPTER, cerca de 200 imigrantes do país vizinho conseguiram obter o documento.
Tanto Johs Rojas quanto Jéssica Morillo não esperaram muito tempo para receber a CTPS. O venezuelano, ou qualquer imigrante, só necessita ter o protocolo da Polícia Federal, com Cadastro de Pessoa Física (CPF) e um comprovante de residência.
“A burocracia mesmo é em relação ao pedido de refúgio, visto que são muitos imigrantes para atender. Cada um precisa passar por uma entrevista na PF e só diante disso que é emitido o protocolo de permanência no país. Já a emissão da CTPS é mais simples. É uma carteira temporária, válida por um ano e prorrogável por mais um ano, enquanto não se emite a definitiva”, explicou Péricles Ferreira.
SINE – Desde 2016, o Sistema Nacional de Empregos de Roraima (Sine) passou a atender imigrantes. No último semestre do ano passado, 18 candidatos estrangeiros foram encaminhados pelo Sine para as entrevistas de emprego e dois deles foram inseridos no mercado de trabalho.
Em 2017, cerca de 50 estrangeiros foram atendidos, sendo a maioria de nacionalidade venezuelana. Segundo o Sistema, a documentação continua sendo o principal entrave para a realização dos encaminhamentos de estrangeiros para o mercado de trabalho.
“O Sine-RR esclarece que qualquer estrangeiro que esteja em situação regular no Brasil pode procurar a sala 26, da Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social (Setrabes). Havendo oportunidade equivalente à área de atuação e que atenda os requisitos da empresa, será encaminhado para as entrevistas de emprego”, explicou, através de nota enviada à Folha.
Desenvolvendo atividades informais nos semáforos, estrangeiros buscam emprego
Em busca de uma vida promissora e fugindo dos problemas políticos e econômicos da Venezuela, milhares de venezuelanos estão migrando para o Brasil. De 2015 para 2016, o número de pedidos de refúgios de venezuelanos ao Brasil cresceu 3.000%. Só no ano passado, cerca de 30 mil venezuelanos ingressaram em Roraima, segundo estimativas do governo Estadual, com base em informações da Polícia Federal (PF).
Desse total, a maioria ainda aguarda a regularização para entrar no mercado de trabalho local. Quem passa pelos semáforos das principais avenidas, pode ver vários venezuelanos trabalhando de forma informal: seja lavando os para-brisas dos veículos, vendendo frutas, acessórios diversos, entre outros. Para eles, o que importa é a subsistência.
José Patiño é um deles. Com 55 anos, o venezuelano está há um mês em Roraima e veio em busca de novas oportunidades. Para trás deixou a esposa e os filhos com intuito de conseguir mais recursos para ajudá-los a enfrentar a crise do país. Em baixo do semáforo da Avenida Mário Homem de Melo, de carro em carro, ele oferece alguns produtos à venda, como escovas de cabelo.
“Já consegui emitir o meu CPF, mas ainda estou aguardando o agendamento da PF. Na Venezuela, eu trabalhava como taxista. Não penso em voltar agora. Preciso me regularizar para conseguir um emprego de verdade, mas, enquanto isso, aceito qualquer trabalho, seja de cozinheiro, garçom, jardineiro, qualquer coisa. Desde que seja um trabalho honrado”, pediu.
A poucos metros dali, Gledis Thomaz, de 43 anos, e Cesar García, de 23 anos, oferecem pitombas aos motoristas. Cada cacho da fruta custa, em média, R$ 3,00. Gledis compra um saco grande da fruta de um brasileiro a R$ 100. Em dois dias, ela afirma conseguir vender tudo. O lucro da venezuelana é de pouco mais de R$ 30,00 por saco.
“Dá para viver, mas não é o suficiente. Moro em uma casa com mais 11 venezuelanos. Pagamos por mês R$ 300,00 de aluguel, fora contas de luz e água. É pequeno, é difícil, mas é melhor do que estar na Venezuela”, disse a mulher, afirmando que chegou a Boa Vista há um mês.
Gledis antes vivia em Maturín, na Venezuela. Lá deixou o marido e o filho adolescente, que hoje é universitário. “Trabalho para enviar dinheiro para eles. Meu filho às vezes necessita de dinheiro e eu mando. Lá, eu trabalhava em um supermercado. Com a crise, ele fechou as portas e fui para as ruas vender produtos, mas não consegui me manter. Aqui só quero trabalhar, qualquer coisa é bem-vinda”, disse.
O jovem Cesar está ajudando Gledis no trabalho após ter atuado como pedreiro. Quando a obra para a qual foi contratado em Boa Vista terminou, o venezuelano ficou desempregado. “O que eu ganhava na obra em um dia era o equivalente a uma semana de trabalho na Venezuela. Para tentar melhorar de vida, precisei trancar meu curso de Construção Civil na universidade, após quatro semestres. Me despedi da minha esposa e meu filho de 5 anos e hoje estou aqui tentando juntar dinheiro. Estou aguardando a minha regularização. Minha entrevista foi agendada na PF para agosto desse ano”, relatou o jovem, que também pediu emprego a quem puder ajudá-lo.