Cotidiano

'Desumanização tomou conta do sistema prisional', diz ex-senador em nova carta aberta

No documento, Telmário Mota denuncia superlotação, alimentação precária e negligência médica nas unidades prisionais de Roraima

(Foto: ilustrativa/Nilzete Franco/FolhaBV)
(Foto: ilustrativa/Nilzete Franco/FolhaBV)

O ex-senador Telmário Mota voltou a fazer relatos sobre o sistema prisional de Roraima. Em nova carta aberta, assinada nesta sexta-feira (9), afirmou que a “desumanização absoluta tomou conta do sistema”.

No documento, Telmário, que cumpre prisão domiciliar temporária por questão de saúde, faz graves denúncias sobre as condições de superlotação, insalubridade, alimentação inadequada, negligência médica e regras severas de visitação nas unidades prisionais de Roraima.

Em seu relato, o ex-senador descreve que as celas, inicialmente projetadas para três ou quatro detentos, abrigam até vinte. As condições, segundo ele, são extremas, com ambientes quentes, escuros e infestados de insetos, como aranhas, mosquitos, lacraus — e até cobras. A alimentação, que ele considera insuficiente e de péssima qualidade, também foi alvo de críticas, com o ex-parlamentar denunciando a presença de ossos nas refeições, apesar das restrições de segurança que proíbem itens perigosos.

Telmário deixou a prisão acompanhado de seu irmão (Foto: José Magno/FolhaBV)

Outro ponto destacado por Telmário é a falta de acesso adequado à saúde nas unidades prisionais. O ex-senador afirma que, em diversas ocasiões, detentos não receberam atendimento médico a tempo, e que a omissão de socorro levou à morte de um preso, que teria sido ignorado ao relatar problemas de saúde.

“Testemunhei a morte de um companheiro de cela, acusado de estar ‘se fingindo’. Foi jogado de volta na cela e morreu minutos depois”, relata Telmário Mota.

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Visitas rígidas, escoltas desrespeitosas e um apelo

Ele também aponta a rigidez nas visitas, limitadas a uma vez por mês e apenas para familiares diretos. Ainda, que, durante as escoltas, os presos vão “algemados com as mãos para trás, sem cinto de segurança e em compartimentos fechados”.

Por fim, Telmário Mota afirma que a carta, além de ser um pedido de socorro, também é um apelo para que as autoridades apurem com urgência as denúncias e adotem medidas para restaurar a dignidade humana nas unidades prisionais do estado.

Carta na íntegra

CARTA ABERTA ÀS AUTORIDADES E À POPULAÇÃO DE RORAIMA

Roraima já viveu o horror dentro do sistema prisional: rebeliões, chacinas, assassinatos — tudo isso está na memória do nosso povo. Mas, graças a medidas como a construção de novas unidades, a contratação de policiais penais e a intervenção federal, conseguimos recuperar o controle. Hoje, podemos dizer que o sistema está sob domínio da polícia penal — com 99% de segurança. Mas a que custo?

A desumanização absoluta tomou conta do sistema. O que antes era uma crise de segurança, agora se tornou uma crise de dignidade humana. Diante disso, torno público o que presenciei e relato abaixo denúncias graves, que devem ser imediatamente apuradas.

CELAS INSALUBRES E SUPERLOTADAS
As celas, originalmente projetadas para 3 ou 4 pessoas, abrigam até 20 detentos. São ambientes escuros, quentes, infestados de insetos, aranhas, lacraus, mosquitos — e até cobras. Isso é inadmissível. A superlotação e a insalubridade são violações diretas dos direitos humanos e precisam ser combatidas com urgência.

ALIMENTAÇÃO INDIGNA
A comida oferecida é inadequada e perigosa. Pedaços de osso são servidos — sendo que até cotonete é proibido por questão de segurança. Como pode algo tão perigoso como ossos passar? Além disso, as famílias são impedidas de fornecer alimentos, como ocorre em presídios de outros estados. O detento depende exclusivamente da alimentação fornecida pelo sistema, que é insuficiente e de péssima qualidade.

ACESSO À SAÚDE É UMA FARSA
As unidades de saúde funcionam sem remédios, e o acesso aos exames é burocrático e humilhante. Os presos não recebem os resultados de seus próprios exames. Vi pessoas passando mal e não sendo atendidas. Testemunhei a morte de um companheiro de cela, acusado de estar “se fingindo”. Foi jogado de volta na cela e morreu minutos depois.

VISITAS RÍGIDAS E DESUMANIZADAS
Há apenas uma visita por mês, e só familiares diretos são autorizados. Amigos ou companheiros que desejam visitar em nome da família são proibidos. Não há visita íntima, não há espaço para contato humano. Os casais mal podem se tocar. É um sistema que destrói famílias, que pune além da pena, que isola sem necessidade.

ESCOLTA DESRESPEITOSA E PERIGOSA
O transporte dos presos é feito em condições degradantes. Vão algemados com as mãos para trás, sem cinto de segurança, em compartimentos fechados, abafados e inseguros. Em caso de acidente, é pena de morte antecipada. Durante os atendimentos médicos, os presos são humilhados, algemados o tempo todo, e nem têm direito à informação sobre sua própria saúde.

APELAMOS POR JUSTIÇA E DIGNIDADE
Essa carta não é um pedido, é um grito de socorro. O controle do sistema não pode custar a dignidade das pessoas. Quem está privado de liberdade continua sendo humano. Peço às autoridades estaduais, ao Ministério Público, à Defensoria Pública, aos parlamentares e à sociedade civil que acompanhem de perto a situação do sistema prisional de Roraima.

Lutar por justiça é também lutar por humanidade.
Boa Vista, [09/05/2025]

Telmário Mota
Ex-senador da República

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