ANA GABRIELA GOMES
Editoria de Cidade
A presidente da Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima (Sodiur), Irisnaide Silva, declarou com exclusividade à Folha de Boa Vista que a ação realizada pela Polícia Federal (PF), no último dia 12, na Comunidade do Napoleão, localizada na reserva Raposa Serra do Sol, não foi transparente. A ação, que ocorreu em conjunto com o Exército, resultou na prisão de cinco pessoas envolvidas com o garimpo ilegal, sendo quatro indígenas.
“Eu digo que foi uma visita. Eles não levaram aquilo como uma operação pela forma com que chegaram, dizendo que estariam fazendo um reconhecimento dos trabalhos”, explicou a presidente. Segundo ela, os quatro indígenas que se identificaram aos agentes teriam sido convidados a prestar maiores esclarecimentos sobre a atividade na sede da PF, em Boa Vista, mas ao chegarem à capital receberam a voz de prisão.
Irisnaide esclareceu que o acontecimento gerou uma situação delicada, uma vez que a PF e o Exército vão querer voltar à comunidade. “Os indígenas não vão ver eles de forma amigável. A forma com que abordaram eles e depois levaram os outros quatro causou uma revolta na comunidade”, disse. A presidente reforçou que os indígenas que atuam no garimpo artesanal estão amparados pelo Estatuto do Índio.
De modo geral, Irisnaide apontou que a Sodiur carrega uma bandeira para que todos os indígenas de Roraima tenham acesso a trabalho em suas comunidades, a fim de ter uma vida mais digna, e que isso inclui o garimpo. “Eles trabalham nisso há anos, e só trocam os minérios por alimentos ou outros objetos, não tenho conhecimento de vendas externas”, declarou.
No último contato que teve com o presidente Jair Bolsonaro, a presidente informou que a atividade de garimpo foi um dos temas debatidos e que, para Bolsonaro, os indígenas possuem o direito ao garimpo. Ela também foi informada que o Exército, e demais órgãos federais, poderiam acompanhar a atividade. Para ela, a falta de transparência na ação foi o problema.
De acordo com Irisnaide, os quatro indígenas foram encaminhados a Pamc e, na unidade, foram espancados. A Sodiur, quanto representante dos indígenas, acionou dois advogados para resolver o caso. Atualmente, os quatro indígenas já estão de volta à Napoleão. “Estão com o emocional abalado, porque não conseguem entender o motivo de tudo que aconteceu, já que eles estão trabalhando na própria terra”, contou.
MPF – Frente ao acontecimento, Irisnaide informou que pretende ingressar com ação junto ao Ministério Público Federal (MPF), e demais órgãos competentes, a fim de que situações semelhantes não venham a acontecer com o público.
OUTROS PROBLEMAS – A presidente esclareceu ainda que, diferente do que é veiculado pela imprensa roraimense, não há prostituição, ou trabalho escravo, na comunidade do Napoleão. “Eu mesma visito a região e nunca vi nada do tipo. Eu, como presidente, digo que isso não está acontecendo”, finalizou.
OUTRO LADO – Em nota, a Polícia Federal esclareceu que, os quatro indígenas que se identificaram como responsáveis pela coordenação do garimpo na região, explicaram o funcionamento das atividades de extração, a divisão de trabalho e dos lucros. Conforme consta na nota, aproximadamente 24% do total da venda do ouro extraído na região ficaria com os proprietários dos maquinários utilizados no processamento do metal, 4% com a própria comunidade e o restante seria dividido entre o grupo responsável pela extração. Ainda segundo os indígenas, cada “equipe” de mineração seria composta por até 12 integrantes, e apenas nesta região seriam 80 equipes. Além dos garimpeiros, cuja maioria seria indígena, segundo as declarações dos agentes envolvidos, havia também pessoas relacionadas com o comércio de insumos para garimpo, os responsáveis pelo transporte das pedras para o processamento e fiscais que buscariam controlar o acesso de não-índios, o consumo de bebidas alcóolicas e o andamento geral das atividades. O órgão informou que os quatro indígenas foram conduzidos para a Superintendência da PF em Roraima e presos em flagrante pelos crimes de usurpação de matéria-prima pertencente à União, associação criminosa e pela extração ilegal de recursos minerais. As penas podem chegar a 9 anos de prisão, além de multa. Além das lideranças, também foi preso em flagrante um não indígena proprietário de maquinário para a exploração ilegal que se encontrava no local.