A população roraimense ultrapassará os 984 mil habitantes em 2060 e se tornará um dos oito estados brasileiros que não têm previsão de diminuição populacional. É o que aponta a Projeção da População do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao contrário da média nacional, que deve chegar ao ápice em 2047 com 233 milhões de pessoas e começar a recuar, chegando em 228 milhões em 2060.
Um dos fatores que deve contribuir para esse aumento no Estado é a taxa de fecundidade, que deverá ser a maior do país em 2060, com 1,95 filhos por mulheres em Roraima. Dentro das análises feitas pelo Instituto está também a migração venezuelana, que tem se intensificado nos últimos três anos.
De acordo com o IBGE, de 2015 a 2017, 20,5 mil venezuelanos entraram em Roraima. Esse número deve aumentar levando em conta a projeção e pode chegar, em 2022, a 58,5 mil venezuelanos dentro do Estado, um aumento de 185%.
Para chegar nesse resultado, o IBGE avaliou o número de pedidos de refúgio e residência feitos à Polícia Federal. Somente neste ano, já foram 17.203 pedidos de refúgio venezuelanos em Roraima. Ao levar em consideração que esse fluxo migratório deve continuar nos próximos quatro anos, grandes impactos devem ser sentidos nas esferas sociais.
As políticas públicas que estão sendo aplicadas atualmente não são suficientes para abrigar as pessoas que atravessam a fronteira e as que já estão aqui, conforme avaliação do sociólogo Eloi Martins. Para ele, no cotidiano, já é possível perceber a absorção e a não absorção dos venezuelanos no mercado de trabalho. Alguns são contratados no setor de comércio e serviços, outros são limitados a pedir esmola nos semáforos da cidade.
“O boom migratório venezuelano dos últimos três anos tem marcado significativamente a paisagem de Boa Vista e de Pacaraima. Em um estado em que a população totaliza pouco mais de 500 mil de habitantes, a vinda num curto espaço de tempo de quase 40 mil migrantes venezuelanos mostra o quão grave é para as políticas públicas. Portanto, existe uma forte pressão no âmbito da segurança, mas principalmente no âmbito da saúde e da educação”, disse o sociólogo.
Eloi apontou ainda que a saúde e a educação, mesmo sendo sistemas universais, não estão mais conseguindo suprir a demanda, o que acarreta falta de atendimento e crianças venezuelanas fora das escolas. O sociólogo ainda esclareceu que o perfil de política pública adotada para os imigrantes tem a necessidade de fazer articulações nas três esferas: municipal, estadual e federal.
“Uma vez que Roraima tem uma forte dependência de transferências federais, para uma boa e satisfatória evolução da agenda de incorporação dos imigrantes refugiados na sociedade roraimense, se faz necessário o envio de verbas federais. O Governo Federal, em 2017, começou a manifestar uma agenda mais proativa, mas ela é altamente insatisfatória. Portanto, existe uma grave lacuna nas políticas públicas para o atendimento aos imigrantes refugiados. Então nós continuamos numa situação de um relativo silêncio administrativo e de um crescente agravamento das situações de vulnerabilidade social”, ressaltou.
Migração contribui para enriquecimento sociocultural
Com as mudanças causadas pela migração, existe uma adaptação e intercâmbio cultural ocorrendo drasticamente com a presença de diferentes interações no cotidiano. Eloi Martins confessa que essa dinâmica entre diferentes povos é permeada com conflitos, mas também com cooperações. Em Roraima, é possível perceber todo esse processo.
“Estamos em um momento em que a vinda dos venezuelanos traz a tona uma série de problemas, mas traz também uma série de potencialidades do ponto de vista sociocultural. Então existe claramente um enriquecimento sociocultural na sociedade roraimense”, frisou o especialista.
Dentre essas mudanças no patamar cultural, aponta-se o mercado de trabalho, com a implantação de restaurantes com comidas típicas e também na prestação de serviços. Atualmente existem profissionais que estão com alto nível de escolaridade e inseridos no mercado roraimense.
“O que já era comum tende a se difundir cada vez mais, então, a ideia de fomentar uma economia criativa em função da vinda dos refugiados mostra certas potencialidades e, também, a ideia que a sociedade brasileira que é caracterizada pela miscigenação. Nós vamos ter cada vez mais esses processos de interação”, completou.
PERMANÊNCIA – A migração dos venezuelanos para o Brasil está caracterizada pela crise econômica e política enfrentada no país vizinho. Segundo Eloi, o governo de Nicolás Maduro e a deterioração da economia do petróleo contribuíram para esse cenário. Ao analisar o cenário político venezuelano, o especialista entende que a problemática deve durar, refletindo que a migração também não deve cessar.
“Roraima não é o principal destino. O principal destino tem sido a Colômbia e outros países. O Estado se posiciona como o quinto principal destino. Apenas uma situação de reversão da dinâmica econômica e política faria com que parte desses venezuelanos que migraram para Roraima e outros países vizinhos eventualmente voltassem para a Venezuela. De todo modo, nessa construção de cenários, essa é uma situação com baixo grau de probabilidade”, afirmou.
FUTURO – Com a entrada de mais gente no Estado e sem ter empregos formais para oferecer, existe o aumento da pobreza e da violência. Os abrigos superlotados podem contribuir para o crescimento de favelas.
Para diminuir esses impactos, Eloi Martins acredita que o Estado de Roraima precisa deixar um isolamento administrativo e procurar políticas públicas de incorporação dos imigrantes que já estão no país. Outro ponto destacado pelo sociólogo é uma seletividade de quem passa pela fronteira. “Qualquer perfil de venezuelano, não necessariamente de refugiados políticos, acaba chegando a Roraima. Então se faz necessária uma política fronteiriça para determinar o perfil vulnerário que aqui chega”, finalizou. (A.P.L)