Caps II, localizado no bairro Mecejan. (Foto: FolhaBV)
Caps II, localizado no bairro Mecejan. (Foto: FolhaBV)

Após a reorganização anunciada pelo Governo do Estado na Rede de Atenção Psicossocial, a FolhaBV procurou a Prefeitura de Boa Vista para saber quais seriam os impactos da medida na rede municipal. Em nota, o Município afirmou que as unidades estaduais especializadas deixaram de receber novos pacientes psiquiátricos desde outubro de 2024, decisão que teria sido tomada de forma unilateral e sem prazo de transição.

Segundo a Prefeitura, a interrupção ocorreu em outubro de 2024, quando o Estado comunicou, por meio de um ofício circular, que as unidades estaduais não receberiam mais novos pacientes psiquiátricos ou psicológicos. O Município alega que o documento não estabelecia período de adaptação nem permitia reorganização interna, e que não houve notificação técnica ou institucional adequada.

Município diz que assumiu demanda sem aviso e ampliou rede de acolhimento

A Prefeitura afirma que, diante da interrupção dos novos atendimentos pelo Estado, ampliou a capacidade de acolhimento na Atenção Básica. Entre as medidas, realizou a capacitação de 80 profissionais da rede municipal para qualificar o atendimento em saúde mental – ação registrada e publicada oficialmente pela gestão. O treinamento, segundo a nota, foi necessário porque a demanda antes atendida pelo nível estadual passou a recair de forma abrupta sobre o Município.

Prefeitura relata agravamento em 2025 e repasse de pacientes sem prontuários

De acordo com a nota, a situação se agravou em 2025, quando o Governo Estadual também teria passado a deixar de atender parte dos pacientes já remanescentes. Em agosto, segundo o Município, vários deles foram encaminhados “de forma verbal” para a rede municipal, sem prontuários ou documentação clínica mínima.

Em um caso citado como exemplo, o CAPS II recebeu, no mesmo dia, 20 pacientes oriundos do Hospital Coronel Mota, todos sem registro médico. A Prefeitura afirma que a prática compromete a segurança do paciente, dificulta a organização do cuidado e fere a responsabilidade sanitária compartilhada entre Estado e Município.

Prefeitura questiona falta de expansão da rede estadual

A nota também contesta a justificativa do Governo, que afirmou que a sobrecarga na rede especializada teria começado em 2011. Para o Município, se o problema era conhecido desde então, deveria ter havido planejamento para ampliar a capacidade de atendimento, o que, segundo a gestão municipal, não ocorreu de forma estruturada.

A Prefeitura argumenta que, enquanto a rede estadual manteve praticamente a mesma estrutura, Boa Vista ampliou significativamente suas equipes de Saúde da Família, passando de 54 equipes em 2011 para 150 em 2025, além de registrar 4.783 atendimentos psicológicos nas UBSs apenas neste ano.

Município apresenta dados de produção e diz que continua acolhendo a população

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Na nota, a Prefeitura também divulgou dados do CAPS II entre janeiro e agosto de 2025:

  • 15.154 procedimentos realizados
  • 623 acolhimentos
  • 381 novos prontuários abertos
  • 627 consultas psicológicas
  • 4.604 consultas psiquiátricas
  • 493.615 medicamentos dispensados

Para a gestão municipal, os números demonstram fortalecimento da rede local, em contraste com o que descreve como retração estadual. O Município reforça que não foi comunicado sobre mudanças na política estadual de saúde mental e que, mais uma vez, precisou assumir responsabilidades que não são exclusivas do nível municipal.

A Prefeitura conclui afirmando que segue ampliando equipes, capacitando profissionais e mantendo o atendimento ativo, mas considera irregular e prejudicial a transferência de pacientes sem prontuário pelas unidades estaduais.

O que diz o Governo

Por outro lado, o Governo afirma que nenhuma das alegações da Prefeitura condiz com os fatos. Segundo a Sesau, a reorganização não foi unilateral nem repentina e seguiu normas federais e pactuações prévias com os municípios. A pasta diz que o processo começou oficialmente em outubro de 2024, com comunicação formal sobre o novo fluxo, e que a finalização das atividades ambulatoriais na Policlínica Coronel Mota ocorreu dentro de um período de transição planejado. O Estado também nega que pacientes tenham sido encaminhados sem prontuários ou que tenha havido desassistência.

A seguir, a íntegra da nota enviada pelo Governo:

NOTA DO GOVERNO

“A Secretaria de Saúde refuta de forma categórica as alegações da prefeitura de Boa Vista e reforça que nenhuma das informações apresentadas pelo município condiz com os fatos.

Esclarece que a reorganização da Rede de Atenção Psicossocial não foi unilateral nem repentina. Oficialmente o processo teve início ainda em outubro de 2024, quando os municípios foram oficialmente comunicados sobre o novo fluxo de atendimento em saúde mental por meio do Ofício Circular nº 37/2024 da Coordenadoria Geral de Atenção Básica da Sesau, que orientou a regulação via Centros de Atenção Psicossocial sobre o novo fluxo de regulação para consultas especializadas em psiquiatria, conforme normas federais e a Portaria GM/MS nº 757/2023.

No entanto, é importante ressaltar que mesmo antes disso, a Sesau já havia iniciado diálogo com o município desde 2011 sobre a necessidade de se adequar os pontos de atenção conforme a Política Nacional de Saúde Mental (Portaria 3.088/2011).

Ainda, a Nota Técnica publicada na edição nº 5045 do Diário Oficial do Estado também regulamentou a finalização das atividades ambulatoriais em psiquiatria na Policlínica Coronel Mota, também em conformidade com a Política Nacional de Saúde Mental. O documento definiu um período de transição entre outubro e dezembro de 2025, com encaminhamentos graduais e documentação clínica obrigatória, garantindo continuidade assistencial e organização do fluxo entre Caps, unidades básicas de saúde e demais pontos da Raps.

É importante esclarecer que a figura de “ambulatório psiquiátrico permanente” não existe na estrutura oficial da Raps. A Policlínica Coronel Mota atuava de forma complementar, mas suas atividades de psiquiatria tinham caráter transitório dentro da política nacional.

Dessa forma, não procede a afirmação da prefeitura de que pacientes teriam sido encaminhados “sem prontuários” ou que houve “sobrecarga inesperada”. Todos os municípios foram informados com antecedência, participaram das pactuações e, pela Política Nacional de Saúde Mental, têm responsabilidade primária sobre atendimentos leves e moderados, por meio da Atenção Básica e dos Caps municipais.

A reorganização da Raps não retirou acesso, não interrompeu serviços e não deixou pacientes desassistidos. O processo foi técnico, planejado e executado conforme as diretrizes do SUS, com foco na segurança do cuidado, no atendimento territorial e na integração dos pontos da rede”.