
Moradores da Gleba Tepequém, no município de Amajari, denunciaram à Folha uma suposta tentativa de apropriação indevida de terras públicas por parte do pastor e presidente da AD Brasil, Isamar Ramalho, que estaria tentando transferir a titularidade da área para o nome da filha, Naara Ramalho.
Segundo os relatos, o caso gira em torno da vicinal Paraíso, onde diversas famílias vivem há quase 20 anos, com moradia fixa, criação de animais e produção agrícola. Uma das áreas, de mais de 1, 5 mil hectares já está em disputa na Justiça após Naara entrar com pedido de reintegração de posse no Instituto de Terras e Colonização de Roraima (Iteraima) em janeiro deste ano utilizando três supostos posseiros que teriam vendido as terras em 2020.
A documentação apresentada por ela, no entanto, estaria sobreposta a terras já ocupadas e em processo de regularização por oito moradores, conforme indicam análises técnicas anexadas ao próprio processo acessadas pela reportagem. Ainda assim, os posseiros denunciam que parte da área foi cercada, plantações destruídas, animais soltos irregularmente. Cerca de 12 famílias estariam sendo afetadas com a situação na vicinal.
“Ele está cercando tudo e dizendo que é dele. Mas nós já moramos aqui muito antes. Eu entrei nessa terra em 2005 e meu pai já estava aqui desde antes. A gente planta, cria galinha, cria gado, tem roça de macaxeira, de açaí. A terra é nossa por direito de posse”, relatou um dos ocupantes da terra, que pediu para não ter o nome revelado.
Entre os casos relatados está o do agricultor Uvilson Pinheiro, que afirma que a mãe, de 80 anos, foi ameaçada por pessoas ligadas ao pastor. Segundo ele, a mãe mora no local desde 2000.
“Ele começou a fazer proposta em 2018, inclusive pra minha mãe, que tá morando lá desde 2000 porque a gente teve o conhecimento [das terras] pelo finado Ottomar de Sousa Pinto. Mas no ano passado eu fui na casa dele aqui em Boa Vista para resolver essa situação e ele disse que não ia fazer o desmembramento. Quando eu cheguei [na terra], ele tinha autorizado o jagunço dele e os capatazes para entrar no terreno e derrubar a mata, inclusive tem alguns vídeos do drone jogando inseticida na casa e nas plantações”, relatou Uvilson.
Depois dessa situação, o Uvilson mostrou registro de boletins de ocorrência e denúncias ambientais ao Ibama e à Femarh. A intenção do grupo é levar o caso à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Terras da Assembleia Legislativa de Roraima.
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Interesse na vicinal Paraíso
Os moradores alegam que o processo de regularização feito em nome de Naara Ramalho é uma tentativa de esconder o real interesse do pastor, que já não poderia mais registrar terras em seu nome nem no nome do filho. “Todo mundo aqui sabe que ele só está usando a filha como laranja. A terra continua sendo dele, ele que manda cercar, que manda os piões virem ameaçar”, reforçou outro morador.
Além disso, os moradores afirmam que a área em disputa inclui o percurso do igarapé Cabo Sobral, que tem cachoeiras próximos à Serra do Tepequém, o que, segundo eles, explicaria o interesse crescente pela região.
“Ele [pastor Isamar] comprou lá para frente da beira do igarapé Cabo Sobral. Ele chegou dizendo que comprou 1.500 hectares. Esse lote que ele quer tomar, que ele diz que é dele, fica aqui perto do igarapé mesmo, é o limite. […] Essas terras aqui foram doadas há muitos anos. Meu pai e minha mãe vieram para cá porque era terra livre. Eles abriram tudo na mão, plantaram, construíram casa. Agora que a terra vale, estão dizendo que é deles”, completou o homem.
Pastor nega acusações e diz que posse é legítima
O pastor Isamar Ramalho negou, por meio de nota oficial, as denúncias feitas por moradores da Gleba Tepequém, em Amajari, que o acusam de tentativa de grilagem e uso de ameaças para tomar terras na Vicinal Paraíso.
Ele afirma que a área em questão pertence à filha, Naara Sodré Ramalho, e é gerida por ele “há anos, de forma contínua, mansa e pacífica”. Ainda segundo Isamar, a propriedade cumpre a função social, com criação de gado, cercas, sede, poço artesiano, barracão e outras benfeitorias. O pastor ainda alegou que os moradores não tem registro formal.
“Trata-se de uma posse legítima e de conhecimento público de todos os moradores antigos da região […] As pessoas que hoje me acusam nada contribuíram para a formação da comunidade local, não possuem qualquer título, contrato ou registro formal de aquisição da área, tampouco há comprovação de posse ou atividade produtiva desenvolvida por elas. Trata-se, portanto, de tentativas indevidas de ocupação, razão pela qual foi necessário o ingresso com ação judicial de reintegração de posse”, diz trecho da nota.
Confira a nota na íntegra
O que diz o Iteraima
O Iteraima também foi procurado para informações sobre o andamento do processo e sobre eventuais medidas para apurar a denúncia de sobreposição de áreas. Em nota, o Instituto afirmou que área está judicializada e somente após decisão judicial poderá averiguar a situação.
O Instituto de Terras e Colonização de Roraima esclarece que a área está judicializada e que não pode intervir até a decisão judicial, conforme prevê o Art. 20 da Lei n° 976/2014, que dispõe sobre a Política de Regularização Fundiária do Estado de Roraima, que diz: “não serão objeto de regularização as ocupações que incidam sobre áreas em litígio administrativo ou judicial”.
Informa ainda que, após a decisão judicial, caberá ao Iteraima aplicar a legislação para averiguar se a parte que detém a posse preenche os requisitos para regularização fundiária.
O Iteraima reafirma seu compromisso com a governança responsável da terra, utilizando de todos os meios para garantir segurança jurídica e transparência nos seus atos.