Cotidiano

Janot questiona no STF lei que regulamenta vaquejada em Roraima

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a suspensão da eficácia da lei 900/2013

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5703 no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Lei Estadual 900/2013, que regulamenta a vaquejada como prática desportiva e cultural em Roraima. Para Janot, a lei roraimense autoriza uma atividade que “inevitavelmente submete animais a tratamento violento e cruel”.

Para defender sua decisão, o procurador-geral alegou que a Constituição Federal veda qualquer tipo de tratamento cruel à fauna brasileira e impõe ao Estado e à coletividade o dever de proteção de animais, tanto silvestres quanto domesticados. “Proteção da fauna, em todos os seus aspectos possíveis, é a medida necessária a assegurar o direito fundamental à preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado”, afirma.

Ainda de acordo com Janot, “além dos traumas físicos decorrentes da atividade, o confinamento prévio e a provocação dos animais para que corram nas pistas enquanto são perseguidos pelos vaqueiros, geram neles estresse intenso, apenas em nome do prazer de alguns de assistir à competição e da ambição econômica de outros, que exploram a prática”. O procurador-geral pediu concessão da medida cautelar para suspender a eficácia da lei junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Defensor da vaquejada como prática esportiva, o deputado estadual Brito Bezerra (PP) afirmou que os praticantes de esportes equestres de Roraima podem ficar “tranquilos”, já que existe uma nova lei, de 2016, de sua autoria, que reconhece e declara a vaquejada como patrimônio cultural e imaterial de Roraima. “A Lei 900 é antiga, ou seja, essa decisão do procurador-geral não surtirá nenhum efeito. Temos agora a Lei 1.139, que foi sancionada pela governadora [Suely Campos] em dezembro do ano passado, que considera patrimônio cultural e imaterial do Estado, além da vaquejada, montarias, provas de laço, rodeio e outras provas típicas, tais como concurso de berrante e apresentações folclóricas”, garantiu o parlamentar.

Ele citou ainda a aprovação no Senado da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 002 de 2017, que possui a mesma finalidade da Lei 1.139, além de garantir o bem-estar dos animais e vaqueiros envolvidos, vedando qualquer tipo de maus tratos durante a realização dos eventos. “A vaquejada é uma prática secular no País e em Roraima. É uma verdadeira cadeia produtiva, pois gera empregos e movimenta mais de R$ 8 bilhões por ano, de acordo com a ABV [Associação Brasileira de Vaquejada]. Aqui em Roraima, por exemplo, temos uma vaquejada tradicional que acontece anualmente no município de São Luiz do Anauá em outubro. Em uma semana de evento, movimenta-se cerca de R$ 6 milhões, sem contar que é realizada em um parque público, ou seja, o próprio poder público investe no setor”, sustentou.

Em relação ao argumento de Janot, sobre “submeter animais a tratamento violento e cruel”, o parlamentar estadual afirmou que a prática da vaquejada não permite maus-tratos, inclusive, que a Lei 1.139 foi criada para salvaguardar os animais envolvidos em esportes equestres. “As pessoas que falam sobre maus tratos aos animais desconhecem como se pratica o esporte. Não se pode puxar a calda, existe hoje uma espécie de calda artificial, o curral precisa ser coberto, é necessária toda uma documentação, presença de médico veterinário, não se pode usar chicote e qualquer possibilidade de maus tratos desclassifica o vaqueiro na mesma hora. É bom também garantir à comunidade que sustenta essa hipótese de crueldade aos animais que, quem pratica o esporte, ama o que faz e ama esses bichos”, enfatizou.

DISCUSSÃO – A discussão sobre a vaquejada não é uma novidade na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF). Em outubro de 2016, a corte, por maioria, derrubou uma lei do Ceará que regulamentou a vaquejada como prática desportiva e cultural no Estado.

Em dezembro, o tema voltou à Corte quando uma associação de proteção aos animais ingressou com Reclamação pedindo que o STF proibisse a vaquejada numa festa no Piauí. O pedido, contudo, foi negado pelo ministro Teori Zavascki. Em sua decisão, o ministro explicou que o Supremo decidiu que a lei cearense que regulamentava a prática era inconstitucional, mas isso não significa que a vaquejada esteja proibida no País.

Em meio às discussões sobre a constitucionalidade da prática, a Lei 13.364/2016, sancionada em novembro do ano passado pelo presidente Michel Temer (PMDB), tornou a vaquejada e o rodeio como manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial.

Vaquejada: cultura e esporte ou maus tratos? População diverge sobre o tema

De um lado, há quem considere a prática da vaquejada como uma manifestação cultural e/ou atividade esportiva; do outro, estão os que definem como fonte de maus-tratos a animais. Após a tentativa de Janot de declarar inconstitucional a lei de Roraima, o assunto voltou a repercutir no Estado, principalmente nas redes sociais. Confira algumas opiniões:

FAVORÁVEIS:

– Gilvan Costa (jornalista): Respondo com uma pergunta: Será que esses que defendem o fim da vaquejada não comem carne bovina? Porque os bois precisam morrer para isso e, na maioria das vezes, com sofrimento. Na vaquejada, que é uma manifestação cultural, sim, eles não chegam nem perto de sofrer o que sofrem quando são abatidos para o consumo humano.

– Felipe Facioni (universitário): Acredito que ignorando o fator da cultura presente no esporte, abrimos grande fragilidade à nossa interação com animais. Todos os esportes de certo modo trazem “maus tratos”, incluindo a domesticação, as doenças modernas, os cruzamentos com consequências terríveis, ansiedade, problema de pele, câncer e problemas motores em diversas raças “cultivadas” em nossas casas. Tudo que foge à natureza do animal pode entrar como maus tratos. Temos que ver a amplitude do tema. Quem abdicaria de todos os maus tratos aos animais do mundo?

– Aureana Lisboa (zootecnista): Vaquejada é um esporte, tem inúmeras regras e fiscalização. O bem-estar animal é sempre monitorado, mesmo porque se o mesmo estiver machucado ele não corre, e nem rende nada na competição. A alimentação é totalmente equilibrada para os animais estarem fortes. O modo como ele é pego não causa a ruptura do rabo, como muitos pensam. A questão maior é que nesses torneios – feitos de forma legalizada – é assim que acontece, mas clandestinamente é realmente mais violento. Assim como rinha de galo ou briga de cães. O que acontece é que a maioria das pessoas não tem conhecimento na área e acha que é violência pura. Isso, na verdade, é falta de conhecimento e manipulação midiática.

CONTRÁRIOS:

Carolina Bardaro (geóloga): Vaquejada é pegar um animal para fazer um “ritual” ou “brincadeira”, onde a peça principal é um ser que não tem como dizer se quer participar ou não. Instigam o animal a uma irritação desnecessária causando dor e, por vezes, até morte. Você brincaria de uma coisa que você sabe que vai te ferir? Eu não.

Tamille Cunha (jornalista): Se divertir à custa do sofrimento do animal é uma coisa, pois causa um sofrimento desnecessário. Matar para se alimentar (não há tortura quando é morto para o consumo) é outra totalmente diferente. Pode até ser cultural, no entanto, existem certas práticas de culturas que discordamos e não aceitamos, como por exemplo, o infanticídio indígena.

Diego Rodrigo (advogado): Sou contra a vaquejada/rodeio, porque é notória a violência sofrida pelos animais. Os animais sofrem fraturas, escoriações, levam choques elétricos para se “espertarem”, passam por situações de grande estresse. Chegamos a um estágio civilizatório que não permite mais esse tipo de “comportamento cultural”. Se há violência, não é cultura, é crime!

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