Cotidiano

Iphan lamenta precário cuidado com acervo do Museu Integrado e cita riscos

Instituto diz se solidarizar “com o sentimento de perda da população roraimense” e que considera “urgente” a cobrança pela reconstrução do MIRR

A superintendência regional do Iphan-RR (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) divulgou nota em que lamenta a “precária” preservação do acervo do Museu Integrado de Roraima (MIRR), demolido para ser reconstruído em meio ao pacote de obras de reforma geral do Parque Anauá, de responsabilidade do governo estadual. A instituição ainda apontou problemas que colocam em risco a preservação dos materiais arqueológicos do espaço, inaugurado em 1984 (veja a nota completa ao final da reportagem).

Em nota assinada pelo superintendente Francisco Alves Gomes e pela arqueóloga Rafaela Regina Pascuti Leal, o instituto diz se solidarizar “com o sentimento de perda da população roraimense” e que considera “urgente” a cobrança pela reconstrução do MIRR e o provimento de cargos técnicos efetivos para manutenção do local a longo prazo.


Museu Integrado de Roraima é desmontado para reforma do Parque Anauá (Foto: Wenderson Cabral/FolhaBV)

O Iphan lembra que o acervo arqueológico do museu inclui materiais líticos, cerâmicos, ossos humanos e animais, restos alimentares, contas de colar (adornos), material construtivo, metal, vidros, conchas, com entrada nas décadas de 1990 e 2000, doação de materiais da “limpeza” do Forte São Joaquim do Rio Branco em 2000 e de doações diversas registradas na década de 1990.

No texto, o Iphan enumera uma série de problemas que colocam em risco a preservação de materiais arqueológicos sob responsabilidade da Secretaria Estadual de Cultura e Turismo (Secult), que por estar inapta junto ao instituto, faz com que itens arqueológicos encontrados em Roraima sejam levados para instituições de guarda e pesquisa de outros estados, “dificultando o acesso da população roraimense à sua própria história”.

O Iphan também disse que, desde a primeira fiscalização ao Museu, em 2015, tem apontado inconformidades na Secult, especialmente sobre a salvaguarda do acervo arqueológico. Entre os exemplos, estão a falta de prédio próprio e de equipe técnica mínima necessária (como arqueólogos, conservadores, museólogos e educadores).

O instituto também cita que a Secult não possui: plano (de evacuação de pessoas; e de evacuação de acervos), extintores de incêndio, detectores de fumaça, iluminação de emergência ou sinalização de saída, nem mesmo política de acervos, plano museológico, normas para recebimento e empréstimo de materiais e protocolos (para manuseio e movimentação de acervo; de utilização da reserva técnica; de limpeza dos espaços; e de higienização dos acervos). Por fim, nem todos os procedimentos estão documentados e formalizados, ressalta. “O grande problema do acervo reside no registro, identificação e catalogação das peças”, diz.

O Iphan-RR ainda explica que, para que a Secult se torne apta perante o instituto, a pasta deve se mostrar capaz de cumprir exigências legais para manter a pesquisa, a conservação e a extroversão do acervo a médio e longo prazo, garantindo a correta salvaguarda de seu atual acervo, bem como de possíveis novos acervos.

Em nota (que pode ser lida de forma completa ao final da reportagem), o Governo de Roraima, por meio da Secretaria Estadual de Infraestrutura (Seinf), disse estar prevista a construção de um espaço adequado e seguro para o funcionamento do Museu e a exposição de suas peças.

A pasta afirmou que o projeto do Museu ainda está em fase de elaboração e que o Centro Cultural, onde funcionará o Museu, está previsto para ser construído na terceira fase da revitalização do Parque. “Todo o acervo museológico está disponível e exposto adequadamente no prédio do Iater (Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural), localizado no Parque Anauá”, explicou.

Nota completa do Iphan

“Diante das últimas notícias sobre a demolição do antigo prédio do Museu Integrado de Roraima (MIRR), a Superintendência do IPHAN-RR, vem a público manifestar que não possui ingerência sobre a Instituição, visto que trata-se de uma Instituição estadual.

O MIRR foi criado pelo Decreto nº 26, de 25 de junho de 1984, e inaugurado no dia 13 de fevereiro de 1985, com os objetivos de “pesquisar, identificar, cadastrar, conservar e expor didaticamente o patrimônio natural e cultural do estado”. Inicialmente o Museu pertencia ao Departamento de Assuntos Culturais da Secretaria de Educação, passando em 2003 para a extinta Fundação Estadual do Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia (FEMACT), onde permaneceu até 2011, posteriormente passou a ser administrado pelo Instituto de Amparo à Ciência, Tecnologia e Inovação (IACTI), onde permanece até a extinção do mesmo em 25/01/2022, passando então para a Secretaria de Estado da Cultura SECULT.

A única ligação do IPHAN com a instituição diz respeito à guarda do acervo arqueológico. Destaca-se que o MIRR/SECULT é a única Instituição de Guarda e Pesquisa no estado de Roraima e encontra-se inapta perante o IPHAN (https://www.gov.br/iphan/pt-br/patrimonio-cultural/patrimonio-arqueologico/instituicoes-de-guarda-e-pesquisa) por não atender aos dispositivos da Portaria IPHAN nº 196/2016, estando portanto impedida de fornecer endossos para recebimento de materiais arqueológicos eventualmente encontrados no estado. Tal situação impede o cumprimento do Art. 52 da Instrução Normativa IPHAN nº 1/2015 e, lamentavelmente, materiais arqueológicos evidenciados em Roraima têm sido levados para IGPs aptas em outros estados, dificultando o acesso da população roraimense à sua própria história.

A primeira fiscalização do IPHAN ao MIRR foi realizada em 2015 e, desde então, vem sendo realizada anualmente (processo 01419.000154/2016-28), sendo os relatórios de livre acesso à população através do SEI (https://sei.iphan.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_pesquisar.php?acao_externa=protocolo_pesquisar&acao_origem_externa=protocolo_pesquisar&id_orgao_acesso_externo=0). Desde a primeira fiscalização, o IPHAN vem apontando inconformidades na Instituição, especialmente quanto à salvaguarda do acervo arqueológico.

Além de não possuir prédio próprio, a instituição segue sem equipe técnica mínima necessária (arqueólogos, conservadores, museólogos, educadores, etc.), questões bastante preocupantes, especialmente considerando a manutenção da Instituição e do acervo no médio e longo prazo.

A IGP ainda não possui plano de evacuação de pessoas, nem plano de evacuação de acervos, extintores de incêndio, detectores de fumaça, iluminação de emergência ou sinalização de saída. Também não possui Política de acervos, Plano Museológico, Normas para recebimento e empréstimo de materiais, Protocolos para manuseio e movimentação de acervo, Protocolos de utilização da RT, Protocolos de limpeza dos espaços, nem Protocolos de higienização dos acervos. Alguns procedimentos gerais são realizados (nenhum específico voltado para a RT de arqueologia), mas nem todos estão documentados e formalizados.

A reserva técnica da arqueologia é ampla, com 30m², grades de proteção e película nas janelas, e organizada, apresentando espaço para receber novos acervos. O acervo está distribuído em 5 estantes e 6 armários de ferro, bem acondicionado, conforme suas tipologias, em sacos plásticos perfurados, vasilhames plásticos, e suportes adaptados em isopor e TNT para peças maiores O grande problema do acervo reside no registro, identificação e catalogação das peças.

O acervo arqueológico da Instituição conta com materiais líticos, cerâmicos, ossos humanos e animais, restos alimentares, contas de colar (adornos), material construtivo, metal, vidros, conchas, provenientes dos trabalhos do pesquisador Pedro Augusto Mentz Ribeiro na década de 1980 (projeto financiado pelo Governo do Território Federal de Roraima que teve seus resultados publicados nas revistas do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas (CEPA) da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC)), do processo 01490.000023/2000-11 (Projeto de Salvamento Arqueológico na Linha de Interligação Venezuela/Brasil – Trecho Boa Vista a Pacaraima), com entrada nas décadas de 1990 e 2000, doação de materiais da “limpeza” do Forte São Joaquim do Rio Branco em 2000 (Reinaldo Imbrósio Barbosa do IMPA), e de doações diversas registradas na década de 1990.

Para que a Instituição se torne apta perante o IPHAN é necessário cumprir os pressupostos da Portaria IPHAN nº 196/2016, tornando-se capaz de manter o tripé pesquisa, conservação e extroversão do acervo no médio e longo prazo, garantindo a correta salvaguarda de seu atual acervo, bem como de possíveis novos acervos. Cumpre apontar que tramita no MPF o Procedimento Preparatório PP 1.32.000.000771/2019-56.

Por fim, apesar de não possuir ingerência sobre a instituição, por ser esta de responsabilidade do Governo do Estado, a Superintendência do IPHAN-RR lamenta a precária situação da mesma, e se solidariza com o sentimento de perda da população roraimense. Mais do que nunca, é urgente cobrar dos órgãos competentes a reconstrução do Museu Integrado de Roraima, bem como o provimento de cargos técnicos efetivos para manutenção do mesmo a longo prazo.

Rafaela Regina Pascuti Leal – Arqueóloga

Francisco Alves – S”.

Nota completa do Governo de Roraima

“A Secretaria de Infraestrutura informa que está prevista a construção de um espaço adequado e seguro para o funcionamento do Museu e a exposição de suas peças. Espaço esse que faz parte do projeto de modernização do Parque Anauá.

O projeto arquitetônico prevê o funcionamento do Museu dentro do Centro Cultural do Parque Anauá, que também abrigará a Escola de Música e auditório para apresentações artísticas.

O projeto do Museu ainda está em fase de elaboração pela equipe da pasta. Somente a partir da conclusão desse projeto é que será divulgado o cronograma de obras. O Centro Cultural, onde funcionará o Museu, está previsto para ser construído na terceira fase do Projeto de Revitalização do Parque Anauá.

E esclarece que todo o acervo museológico está disponível e exposto adequadamente no prédio do Iater (Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural), localizado no Parque Anauá.”

*Por Lucas Luckezie