A morte do adolescente Paulo Henrique Medeiros Soares, de 16 anos, dentro do Centro Socioeducativo Homero de Souza Cruz (CSE), na noite de sábado, 21, colocou em evidência algumas problemáticas que estão ocorrendo dentro da unidade de internação de adolescentes em conflito com a lei. A vítima morreu após ser decapitada e desmembrada por outros internos. Em depoimento, os adolescentes confessaram que a motivação do crime foi o fato de Paulo colaborar com uma organização criminosa rival.
De acordo com o juiz da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Boa Vista, Marcos Oliveira, o crime ocorreu porque o adolescente disse fazer parte de uma organização criminosa e, ao chegar ao local, ele foi identificado como integrante de uma facção rival. O magistrado informou que desde junho vem ocorrendo rebeliões e tumultos sequenciais no CSE, que fragilizaram a estrutura do local. Ele contabilizou quatro rebeliões causadas pelos internos com o objetivo de desmoralizar o Estado.
“Eles não estão exigindo nenhum direito, não é alimentação, não é material de higiene. Nada disso. Com essas rebeliões, ocorreu um dano generalizado. Os blocos A e B foram destruídos. O único bloco que está sendo utilizado é o bloco C. Por conta disso, nós tivemos que suspender a execução das medidas socioeducativas de meninas. Eu preferi resguardar a integridade física delas para que depois que se organizassem elas pudessem voltar”, disse o juiz.
Segundo Marcos Oliveira, o que acontece atualmente é uma mudança drástica no perfil do jovem infrator que é recebido no CSE. “Ocorreu uma mudança nos atos infracionais em todo o Estado. Vez ou outra nós recebíamos um roubo. Um homicídio passou a ser constante. Adolescentes envolvidos tanto com esses atos mais graves, de violência e ameaça, e também envolvido em facções”, completou.
O juiz afirmou que a estrutura física da unidade em Roraima foi pensada em uma forma de incentivar o adolescente a ressocialização educativa, portanto, foi construída com a intenção de não parecer um presídio. “O CSE tinha até então, antes das rebeliões, uma estrutura satisfatória. Só que vem mudando de dois anos para cá. O que eles querem: bagunçar, destruir o sistema. Derrubar toda estrutura física que foi construída no sentido de dar suporte a eles. Eles criaram uma rivalidade em organizações criminosas”, ressaltou.
Marcos Oliveira disse que realizou uma reunião ontem, dia 23, com a Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (Sejuc) para pedir agilidade nas obras que estão sendo feitas pelo Governo do Estado para reparar os danos da unidade e reforçar o ambiente. “Esse reparo seria com um padrão mais adequado para a realidade de hoje. O CSE foi construído em outra realidade, quando tínhamos um ambiente tranquilo. Agora chegam adolescentes com esse nível de agressividade maior e as estruturas ficaram inadequadas”, apontou.
O magistrado também revelou que os internos estão todos no bloco C enquanto as obras não ficam prontas e que o efetivo de sócio-educadores está atuando com aumento da carga horária para ter presença mais vigilante. Os procedimentos de apuração sobre a morte do adolescente estão ocorrendo, em que os criminosos já foram identificados e receberão as medidas cabíveis.
FAMÍLIA – A equipe de reportagem da Folha conseguiu localizar a família do adolescente Paulo Henrique, mas ela não quis se manifestar por medo de represálias de facções criminosas e informou que já estava em contato com advogado para garantir os direitos da família.
“O Estado tem que agir”, diz presidente de comissão da OAB
A presidente da Comissão dos Direitos da Criança e Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Roraima (OAB-RR), Denise Cavalcante, disse que quem tem que garantir a prevenção do adolescente dentro do CSE é o Governo do Estado.
“Quem faz as inspeções e quem tem o poder é o Judiciário, então todas essas inspeções e o que tem de forma a tomar uma atitude coercitiva é a Vara da Infância e a Promotoria da Infância. Nós, da Comissão da OAB, vamos nos reunir e acompanhar o que está acontecendo. O que a gente vê hoje é que as facções criminosas estão dentro do CSE”, afirmou a advogada.
Denise disse ainda que o cenário dentro do Centro Socioeducativo está se tornando igual ao da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (PAMC) em relação às brigas de facções rivais e que já havia sinais que algum crime como o de sábado pudesse acontecer.
Para a advogada, o Estado está falhando em garantir a proteção e a ressocialização dos adolescentes detidos no CSE. “O que acontece: um que praticou o crime recém completou 18 anos e já vai ser conduzido para a penitenciária. Os demais vão ter um tempo maior de internação”, explicou.
Sobre as obras que estão sendo feitas na unidade, a presidente da comissão disse que está fazendo o acompanhamento e que aguarda o prazo solicitado pelo Governo do Estado. Denise ainda disse que a comissão deve solicitar uma reunião com representantes do Estado para monitorar o andamento das verbas destinadas e as ações feitas dentro do CSE. “Tem condições de acontecer novamente, tem risco de acontecer novamente. O Estado tem que agir porque está ali para garantir a segurança desses menores e a ressocialização desses meninos. É o Estado que tem que cumprir esse papel”, finalizou a advogada.
Sejuc diz que está tomando medidas
Por meio de nota, a Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania (Sejuc) informou que estão em andamento os serviços de reforma e reforço da estrutura física do prédio, que inclui a instalação de contenção interna, a fim de garantir que, em situações de conflito, os agentes públicos mantenham-se seguros e tenham tempo para reação. A previsão de término desses trabalhos é nos próximos 20 dias.
A nota informou ainda que a Secretaria Estadual do Trabalho e Bem-Estar Social (Setrabes) está trabalhando para convocação dos agentes sócio-orientadores aprovados no último concurso público, aumentando o quadro de servidores do CSE.
Em relação à morte do adolescente, a Sejuc ressaltou que adotou todas as medidas de segurança com o ingresso dele na unidade. “Considerando a situação verificada atualmente no sistema carcerário nacional e nas unidades de atendimento socioeducativo de todo o País, com frequentes conflitos entre pessoas de facções rivais, ele foi colocado num alojamento em que estavam outros adolescentes autodenominados da mesma facção, portanto tratou-se de um fato atípico e imprevisível”, disse. Ainda em relação ao homicídio, a Sejuc esclareceu que todas as medidas administrativas cabíveis para a situação foram tomadas.
Sobre uma visita do Ministério Público Estadual na unidade na manhã de ontem, 23, a Sejuc limitou-se a informar que “a visita é procedimento de rotina, realizado não apenas naquela unidade, mas em todo o sistema prisional”. (A.P.L)