Cotidiano

Instituto atende a mais de 600 acadêmicos indígenas na UFRR

Instituto foi criado para atender à demanda dos povos indígenas a partir de uma política de acesso e permanência no Ensino Superior adequada às especificidades

Criado como Núcleo Insikiran de Formação Superior Indígena em 2001, o Instituto Insikiran – transformado em 2009 – já diplomou 205 profissionais de origem indígena e possui 628 alunos estudando nos blocos da Universidade Federal de Roraima. O antigo núcleo e agora instituto foi criado para atender à demanda dos povos indígenas e organizações indígenas de Roraima a partir de uma política de acesso e permanência no Ensino Superior adequada às suas especificidades.
A diretora do Instituto, Ise de Goreth Silva, explicou que o Insikiran oferece cursos diferenciados para a Educação Superior indígena. “Ele é importante, pois atende à demanda dos povos para uma política de acesso e permanência no ensino superior. A UFRR, através do Insikiran, contempla a educação que é de direito de todos, inclusive destes povos”, disse.
O curso de Licenciatura Intercultural foi o primeiro curso aberto pelo então Núcleo, no ano de 2003, sendo a UFRR a primeira Universidade Federal a ofertar o curso de licenciatura superior voltado apenas para indígenas, montado com as especificações das características culturais. “A princípio, só havia este curso. Ele habilita professores indígenas em três áreas: Ciências Sociais, Ciências da Natureza e Comunicação e Artes”, explicou a professora. Dessa forma, relatou a diretora, “a UFRR é uma instituição federal brasileira pioneira, que formou a primeira turma exclusivamente de indígenas no País”.
O segundo curso criado pelo Insikiran foi o de Gestão Territorial Indígena, em 2009. Mais conhecido como ‘GTI’, o curso responde às necessidades da construção de estratégias que permitam a gestão dos territórios indígenas. A GTI possui 4 ênfases: Agroecologia, Patrimônio Indígena, Políticas Públicas e Infraestrutura, além de Empreendimentos Sociais.
Criado em 2012, o curso de Gestão em Saúde Coletiva Indígena tem a finalidade de formar e habilitar indígenas no âmbito do subsistema de saúde indígena e em suas articulações com o Sistema Único de Saúde (SUS).
MUDANÇAS – A diretora do Insikiran, Ise de Goreth, relatou a importância dos cursos na realidade das comunidades. Atualmente, o Instituto tem alunos de todas as etnias do Estado inscritos nos cursos oferecidos. “Acho que o grande papel da Universidade e do Insikiran em oferecer uma Educação Superior aos povos nativos está dando uma resposta equivalente às demandas que os indígenas anteriormente tinham. Temos observado que muitos graduados já ocupam espaço neste contexto, seja como representantes, gestores ou em lideranças”, afirmou.
Conforme Ise, o grande feito da Universidade, através do Insikiran, é justamente o de formar pessoas capazes de construir a autossuficiência dos povos nativos. “É muito importante saber que vários projetos estão sendo desenvolvidos simultaneamente. Isso reflete a capacidade do aluno e rompe quaisquer tipos de preconceitos que poderiam existir anteriormente. É a prova de que as coisas têm funcionado, e é muito gratificante”, concluiu a diretora. (J.P.P)
Acadêmicos relatam a experiência no Insikiran
No mês passado, o curso de GTI diplomou sete alunos indígenas. Jucilene Carneiro, da etnia Macuxi, foi uma das graduadas. Sua área escolhida foi Políticas Públicas e Infraestrutura. “Sigo trabalhando no Insikiran. Estou escrevendo um projeto em parceria com os professores, que servirá a todos os alunos da UFRR. A intenção é que haja mais interação entre os alunos, uma aproximação”, relatou.
Jucilene, que é da Maloca do Uiramutã, no município de mesmo nome, contou à reportagem que, desde o começo do curso, vem tentado fazer algo para auxiliar a sua comunidade. “No nosso caso, o trabalho é identificar quais são os gestores responsáveis em níveis estadual e federal, localizar recursos e exigir que sejam aplicados em distintas áreas”, explicou.
A ex-aluna, que agora almeja um mestrado, apontou que a questão da infraestrutura é um problema que atinge o Estado como um todo. “Recentemente, saiu na mídia que a maior parte das escolas estaduais de Roraima estava dentro de terras indígenas. Na verdade, lá estão os ‘nomes’. O prédio mesmo você não vê. Em geral, essas ‘escolas’ são construídas pela própria comunidade e funcionam embaixo de uma mangueira ou num barracão improvisado”, disse.
Jucilene explicou que agora, com diploma em mãos, é o momento de elaborar projetos que contemplem o setor infraestrutural nas comunidades indígenas. As principais se relacionam às áreas da Saúde e da Educação. “Justamente para que depois não existam desculpas da falta de projetos ou representatividades para construir. Sabemos que boa parte do trabalho compete à Funai ou à Sesai, mas o Estado e os municípios também respondem por estas políticas”, completou.
Dales Neto Alexandre e Alex Teixeira, ambos Macuxi, cursam GTI juntos. Dales é da comunidade Aakan, no baixo São Marcos, em Boa Vista. Alex é de Uiramutã, da comunidade Pedra Preta. Os dois também fazem Atividades Produtivas e Manejo Ambiental, há quatro anos.
O aluno relatou que busca auxiliar no trabalho de agricultura de sua região. “Algumas comunidades trabalham com o gado. Outras já trabalham com a piscicultura e tentamos fortalecer isso. Levamos o conhecimento daqui para ajudar os grupos das comunidades, que são familiares. Cada um tem suas roças. Elas não são muito grandes, mas temos vontade de melhorar o que existe”, afirmou Dales.
Alex é da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e já está fazendo o trabalho de conclusão de curso. “Se Deus quiser, até dezembro defendo meu trabalho”, disse. Alex explicou que hoje em dia sua comunidade não enfrenta tantas dificuldades em relação a gestão de projetos. “Temos dois projetos de agropecuária, mas falta planejamento”, contou.
O acadêmico explicou que apesar de alguns problemas pessoais no início do curso, conseguiu completá-lo de forma tranquila. Questionado sobre as raízes na comunidade, revelou não ter tido dificuldades por estar em Boa Vista, um pouco mais afastado dos costumes. “Onde eu estiver, sou índio”, disse, bem-humorado.
Geovane Souza dos Santos é Wai-Wai, da comunidade indígena Jatapuzinho, da terra indígena Trombetas-Mapuera, no Caroebe, Sul do Estado. Ele também faz Gestão Territorial, mas sua ênfase está nos Empreendimentos Sociais. “Tratamos de incubadora de projetos, de trabalhos no cooperativismo. Buscamos a melhor forma de vender produtos indígenas ou como agregar valor à marca, por exemplo”, explicou.
Segundo Geovane, hoje em dia as comunidades indígenas têm muita dificuldade em comercializar produtos próprios. “Na minha região, a gente produz muita farinha e extrai castanha-do-pará. Temos vontade de produzir um selo indígena que comprove a origem do nosso material orgânico e diferenciado”, disse. “Então, com o que eu aprender aqui, pretendo colocar na prática. Assim eu posso levar para a aldeia e contribuir com a qualidade de vida da forma que puder”, completou.
Outros três indígenas da comunidade de Geovane estão cursando Licenciatura Intercultural. “Ficávamos dois meses aqui e dois meses lá, alternando sempre. A gente chama de tempo comunitário e tempo universitário. É importante cumprir esses tempos para que vejamos nossas dificuldades e, em cima disso, trabalhar em pesquisas e levantamentos para ajudar a comunidade”, destacou. Geovane está na fase final do TCC. “Vou falar sobre turismo etnológico e ecológico na minha região. Depois, meu sonho é fazer uma pós e mestrado”, disse.
O aluno confessou nunca ter sofrido preconceito por suas origens. “Acho que de uma maneira ou outra, todos somos indígenas. Como me criei na comunidade, minha única dificuldade era não ter tanto conhecimento da Língua Portuguesa. Quando eu vim, aprendi muito, em todos os sentidos”, concluiu. (J.P.P)