Cotidiano

Imigrantes voltam a dormir nas proximidades da Rodoviária

Cerca de mil pessoas acampam na região, dormindo no chão, embaixo de marquises ou mesmo na grama da Rodoviária

O cenário nas proximidades da Rodoviária Internacional José Amador de Oliveira, no bairro 13 de Setembro, voltou ao que era alguns meses atrás. Imigrantes se reúnem todas as noites para dormir ao relento. Cerca de mil pessoas dormem na região, seja no chão, embaixo de marquises ou mesmo na grama.

A aglomeração é motivada pelo medo que os imigrantes têm de serem assaltados ou sofrerem represálias por parte da população. Essa insegurança foi acentuada após a manifestação em Pacaraima, que resultou na saída de milhares de venezuelanos do país no dia 18 de agosto.

Para eles, dormir juntos faz com que se sintam menos vulneráveis a essas atitudes. Mesmo assim, furtos ainda ocorrem no local, mas os imigrantes afirmam que geralmente são feitos por pessoas que não costumam se misturar com eles.

O imigrante Denis Sanchez, vindo de Puerto de La Cruz e que está há quase três meses acampado em frente à rodoviária, conta que, apesar de não haver grandes atritos entre os venezuelanos, ainda há o risco de pequenos furtos ocorrerem.

“É muito comum chegar alguém, dar uma olhada nas nossas coisas e passar a mão quando podem. Depois saem despercebidos. Já tivemos dinheiro, caixas de madeira, mochilas, cigarros, entre outros objetos pequenos furtados. Por isso, apesar da segurança, todo mundo costuma ficar agarrado a seus objetos”, explicou.

Outro imigrante, de El Tigre, que está dormindo em frente à rodoviária há dois meses, Omaro Mera, disse que a procura por emprego é dura. “Achar um emprego é muito difícil, pois a cidade é pequena. Todos os dias estamos tentando, seja levando currículos para todos os cantos ou realmente usando as placas de papelão”, contou.

Durante o dia, os refugiados saem para buscar emprego, pedir por dinheiro em semáforos ou vender produtos que conseguem trazer da Venezuela. Jesus Daniel, também de Puerto de La Cruz, contou que em fiscalizações da polícia esses produtos costumam ser apreendidos.

“Quando amanhece, todo mundo sai. Geralmente para buscar emprego, comida, alguma forma de conseguir sustento até o final do dia, quando começamos a nos reunir de novo por aqui. Alguns de nós até conseguem emprego e ficam aqui mais um mês, muitas vezes dormindo com o uniforme de trabalho. Alguns vendem produtos da Venezuela, mas precisam ter cuidado para não serem apreendidos em alguma fiscalização”, explicou. 

A relação com a polícia costuma ser pacífica. Os imigrantes falam que só são proibidos de se concentrar perto da rodoviária. Jesus Daniel conta que já conseguiu um emprego em uma oficina mecânica, mas que gosta de passar no local para visitar amigos e ajudar na medida do possível.

“Viemos nos encontrando no meio do caminho. Somos todos imigrantes, passando por uma situação difícil e só queremos sobreviver. Por isso, acabamos fazendo amizades. Contamos um com o outro, pois já que estamos na mesma situação, toda ajuda é válida”, concluiu. 

Comerciantes dizem que convivência é pacífica, mas prejudica vendas

Durante o período noturno, lanches e restaurantes ficam abertos até mais tarde na parte lateral da rodoviária. Para os donos destes comércios, a aglomeração é difícil para os negócios e gera diversos problemas, que resultaram numa perda estimada de 90% dos lucros. Entretanto, a convivência é pacífica.

Antônio Neto é dono de um dos restaurantes e relatou que a concentração no entorno dos restaurantes ainda é intensa durante a noite. De acordo com o empresário, além de imigrantes nos arredores dos lanches, também existem aqueles que dormem no terreno abandonado ao lado, pertencente ao Governo Federal, que havia sido destinado à construção de uma escola em 2010.

“O meu comércio só voltará a ter uma boa clientela depois que os imigrantes forem transferidos para outro lugar. Isso é fato. Eu vejo uma falta de preocupação por parte da esfera pública, ou isso ou eles não fazem ideia do que estão fazendo. Com a situação de Pacaraima, muito dos imigrantes estão com medo de ficar por lá e estão vindo para cá”, disse.

Antônio também destacou que é comum imigrantes usarem uma vala, para fazerem suas necessidades ao longo da noite. O comerciante descreve que quando há alagamentos é comum que os dejetos se alastrem e o cheiro suba, espantando clientes.

“É muito comum quando chove e alaga por aqui por perto subir o mau cheiro causado pelas fezes dos imigrantes. Até tinham alguns banheiros químicos por aqui, mas a maior parte deles foi destruída. E os comércios já não deixam mais eles entrarem nos banheiros. Quando estou aqui, eu deixo uma torneira aberta para o pessoal utilizar, pois também não vou deixar de ajudar”, frisou.

A dona de outro restaurante, Ritiane Teixeira, conta que o maior problema vem da falta de condições de poder prestar ajuda a mais pessoas, pois, segundo ela, toda vez que alguém é ajudado, com comida ou um trocado, outros pedem pelo mesmo favor.

“Eu mesma tenho uma funcionária que é venezuelana e já dormiu junto com o grupo que existe acampado ali por um tempo. Eu já havia contratado venezuelanos antes e eles são muito bons no que fazem. Mas tenho problemas quando um pede emprego para um amigo ou vem pedir comida. Infelizmente, não posso ajudar todo mundo”, lamentou.

Ritiane ressaltou que, apesar dos pesares, a situação atual é menos crítica do que no ano passado, quando centenas de imigrantes acamparam na Praça Simón Bolívar.

“Antes de eles começarem a se concentrar na Praça Simón Bolívar, os imigrantes já costumavam ficar aqui na frente da rodoviária. E havia muita briga entre eles, o pessoal costumava ser mal educado. Hoje em dia, dá para ver que o pessoal é mais organizado, mas os problemas ainda continuam, e enquanto os poderes ficarem brigando entre si sobre abrir ou fechar fronteira, não haverá solução, e, como sempre, sobra para o povo”, finalizou.

PM faz rondas na região

A Polícia Militar de Roraima (PMRR) informou, por meio de nota, que o policiamento no entorno da Rodoviária Internacional José Amadeu Oliveira, assim como nos demais bairros da Capital, ocorre normalmente 24 horas por dia, com radiopatrulhamento e atendimento às ocorrências.

“A companhia do 1º Batalhão da PM é responsável pelas ocorrências realizadas nos bairros adjacentes à rodoviária”, complementou a nota. (P.B)