Durante a manhã de ontem, 06, após a guerra entre facções, dezenas de familiares de presos aglomeraram-se em frente à Penitenciária Agrícola do Monte Cristo (Pamc), zona rural de Boa Vista. O clima era de tensão e todos aguardavam informações sobre os nomes dos mortos na chacina e sobre a situação dentro da unidade.
Muitos familiares estavam no local desde a madrugada. Por volta das 10h, uma viatura do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da Polícia Militar entrou na penitenciária e tiros foram ouvidos. Do lado de fora, muitas pessoas se desesperaram. Só enquanto a equipe da Folha esteve presente, o carro do Instituto Médico Legal (IML) entrou e saiu da Pamc três vezes. Quando isso ocorria, o desespero voltava à tona.
A aposentada Ivanilde chegou a passar mal algumas vezes. Sem conter o choro, ela disse que estava aguardando informações sobre o filho, preso na unidade há aproximadamente um ano e que respondia pelo crime de homicídio. Segundo ela, o filho não fazia parte de nenhuma facção.
“A última vez que vim visitá-lo foi há 15 dias, mais ou menos. Estava tudo tranquilo. Estou aqui desde cedo e até agora não vieram nos dizer nada, ninguém sabe disso e a gente fica aqui nesse desespero. Se todos esses familiares que estão aqui enfrentassem a polícia, talvez conseguiríamos alguma coisa, mas a maioria tem medo”, disse.
Durante a conversa, alguns familiares chegaram a mostrar fotos da parte interna da penitenciária, enviadas naquele momento pelos próprios presos. “Alguns deles têm coragem mesmo com a polícia lá dentro e com tudo isso acontecendo. Eles dão um jeito de se comunicar com o povo aqui fora”, afirmou um deles.
Por volta das 10h30, um carro com representantes da Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social de Roraima (Setrabes) chegou ao local com tendas, cadeiras e refeições. Foi informado aos familiares que o Governo do Estado havia enviado suporte às famílias que aguardavam.
“A gente não quer sair do sol, não quer sentar e nem comer. Ninguém aqui tem cabeça ou estômago pra isso. Só queremos que vocês [poder público] nos digam alguma coisa, nos passem alguma informação sobre o que está acontecendo ali dentro. Quantos presos estão mortos? Quais os nomes? Isso não é justo com as famílias que não têm nada a ver com isso”, gritou uma mulher.
A zeladora Silvana Saraiva, de 44 anos, aguardava notícias sobre o irmão preso. “Hoje seria o dia de trazer alimentos e produtos de higiene. Quando chegamos aqui, não deixaram a gente entrar e nem nos disseram o que estava acontecendo. É uma tremenda barbaridade o que acontece aí dentro. Meu irmão nem aqui estava. Ele é do regime semiaberto e foi transferido da Cadeia Pública para cá. Agora não sei se meu irmão está vivo ou morto. É triste”, desabafou.
Já Marilene dos Santos, de 35 anos, aguardava informações do marido, preso há quatro meses. “Eles [presos] chegaram a dizer que ia haver resposta [em relação ao massacre ocorrido em Manaus]. Meu marido chegou a comentar que estava preocupado com a situação. A culpa disso é do Estado. O governo não fez nada para resolver a situação. A polícia em si não tem culpa. Eles estão fazendo o trabalho deles. Meu marido errou, infelizmente, e está pagando pelo erro. Só quero que ele cumpra a pena e saia sem que nenhum problema aconteça”, disse.
GOVERNO – De acordo com nota enviada pelo Governo do Estado, o serviço de assistência funerária para famílias será fornecido pela equipe técnica quando requisitado. “Informamos ainda que durante todo o dia de hoje [sexta-feira, 6], equipes de psicólogos e assistentes sociais estão oferecendo todo o suporte necessário às famílias que se encontram na frente no Instituto Médico Legal [IML] e na Pamc”, informou a nota.
Número de mortos só é menor que massacres do Carandiru e da Compaj
As 31 mortes na Penitenciária Agrícola do Monte Cristo (Pamc), na manhã de ontem, 06, põem Roraima na 3ª colocação dos maiores massacres já registrados no sistema prisional do País. O número de vítimas ainda pode aumentar, pois os peritos terão trabalho para fazer a contagem dos corpos, que foram mutilados.
A chacina na Pamc está atrás somente do massacre do Carandiru, em São Paulo, onde 111 detentos foram mortos durante rebelião, e da carnificina no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), no último dia 1º, quando integrantes da facção Família do Norte (FDN) mataram 56 presos do Primeiro Comando da Capital (PCC).
Também entram na lista dos maiores massacres a chacina na Casa de Custódia de Benfica, no Rio de Janeiro, em 2004, que terminou com a morte de 30 presidiários e de um agente penitenciário, e o episódio no presídio de Urso Branco, em Porto Velho, em 2002, que vitimou 27 presos.
Para o vice-presidente das Prerrogativas Penitenciárias de Roraima, Marco Antônio Pinheiro, as mortes na Pamc ocorreram por omissão. “Ninguém aqui tinha dúvidas que isso iria acontecer. São bandidos, sim, mas aqui tem gente que está por causa de uma porção de maconha ou furto de celular, que convivem com estupradores, homicidas e traficantes”, disse.
Dos 31 mortos no massacre na Penitenciária Agrícola do Monte Cristo, 30 foram decapitados, alguns ainda vivos. As cenas de selvageria dentro da unidade prisional foram filmadas pelos próprios presos, que divulgaram um vídeo em grupos de WhatsApp.
As imagens mostram os criminosos armados com facas arrancando, uma a uma, a cabeça dos presos enfileirados no pátio do presídio. Eles ainda arrancam o coração e outras partes dos corpos das vítimas.