
Uma família procurou a Folha para denunciar que um colégio particular de Boa Vista teria recusado a matrícula de uma criança autista de 4 anos após a apresentação do laudo médico. Segundo a mãe, que prefere não ser identificada, a instituição inicialmente confirmou vagas, apresentou a estrutura, realizou avaliações com as crianças e sinalizou que a matrícula seria concluída, mas mudou de posição ao ser informada sobre o diagnóstico.
A família afirma que procurou a escola após indicação de uma amiga que já tinha filhos matriculados no local. No primeiro contato, os responsáveis dizem que foram recebidos por um funcionário, visitaram as dependências, receberam materiais informativos e deixaram a unidade com a informação de que havia vagas disponíveis. “Eles me mostraram tudo, falaram dos valores, entregaram kit e confirmaram que tinha vaga”, disse a mãe.
No dia seguinte, a mulher retornou à escola para uma nova visita e foi orientada a levar as duas crianças para avaliações individuais. A mãe afirma que informou o diagnóstico da filha de 4 anos à profissional responsável e percebeu mudança de postura. “Quando eu falei que ela era autista, ela ficou surpresa e séria. Eu senti na hora”, contou.
De acordo com a mulher, após as avaliações, a escola informou que apenas o filho mais novo seria aceito, enquanto a filha seria colocada em uma lista de espera. Ela afirma que questionou o motivo, já que as redes sociais da instituição anunciavam vagas abertas na mesma turma. “Eles disseram que devido à ausências de profissionais não poderiam matricular e que já tinham atingido a quantidade de alunos autistas. Eu ofereci a nossa própria psicóloga para ficar responsável pela minha filha, mas mesmo assim não aceitaram”, disse.
A mãe afirmou ainda que pediu uma negativa formal de matrícula, mas relata que a instituição não entregou qualquer documento. “Eu pedi a negativa por escrito. Eles disseram que não iam fazer. Então comecei a gravar tudo, porque eu estava me sentindo muito ofendida”, afirmou.
No áudio ao qual a reportagem teve acesso, ela questiona a existência de vagas anunciadas e a suposta lista de espera específica para crianças autistas. A funcionária confirma, no diálogo, que existe uma lista e que a criança não seria matriculada naquele momento.
Advogada vê possível prática discriminatória
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A família procurou a advogada Milena Bruna Lopes, especialista em direito dos autistas, que analisou o caso e foi até a escola. Segundo ela, a direção não a recebeu e informou que apenas o jurídico da instituição, localizado fora de Boa Vista, poderia tratar do assunto. “Eles disseram que só o jurídico poderia falar comigo. Eu me disponibilizei, mas até agora não houve retorno”, afirmou.
Milena afirma que, pelos relatos e áudios, a situação pode caracterizar negativa indevida. “A escola teria dito à família que já tinha ultrapassado uma suposta cota de crianças autistas. A legislação não estabelece limite e proíbe a recusa de matrícula por deficiência”, disse.
A advogada acrescenta que acompanhou a mãe ao Ministério Público. “O MP informou que esse tipo de denúncia é mais comum do que se imagina e orientou que o caso fosse formalizado”, afirmou.
Ela também cita falas da própria instituição presentes nos áudios. “A funcionária reconhece que existe uma lista de espera específica para crianças autistas. Esse tipo de triagem para impedir matrícula não é permitido. A Lei Brasileira de Inclusão veda qualquer negativa por deficiência”, declarou.
O que diz a escola
Após ser procurada pela FolhaBV, a escola enviou nota afirmando que “em nenhum momento houve negativa de matrícula” e que seria necessário aguardar o retorno do gestor escolar para avaliar a situação da criança e dar continuidade ao processo. A instituição também declarou que atende alunos da educação especial em todas as turmas e que permanece à disposição da família para seguir com a matrícula.
Nota enviada na íntegra:
“Em resposta à solicitação sobre o posicionamento do colégio referente ao processo de matrícula, esclarecemos que em nenhum momento houve negativa de matrícula.
No primeiro contato, a mãe manifestou interesse em matricular a filha, e foi informado que prezamos pela qualidade do atendimento educacional, especialmente no que diz respeito aos estudantes que necessitam de apoio inclusivo. Na turma desejada, já há um número significativo de alunos com necessidades educacionais específicas, razão pela qual seria necessário aguardar o retorno do gestor escolar, que estava em viagem, para avaliarmos o melhor encaminhamento e darmos continuidade ao processo, inclusive a construção do PEI (Plano Educacional Individualizado), instrumento utilizado para trabalhar com especificidades de cada aluno público-alvo da educação especial (PAEE).
Em diálogo com a amiga da família, que conhecia o colégio, foi agendado um atendimento presencial com ela e com a mãe para segunda-feira (01/12), às 14h30. Na ocasião, iríamos efetuar a matrícula, bem como explicar que precisaríamos dialogar sobre o turno desejado para efetuarmos remanejamentos de maneira que conseguíssemos atender da melhor forma a aluna, tendo em vista que todas as turmas dessa série possuem alunos PAEE. Entretanto, no horário marcado, quem compareceu foi a advogada da família. Diante disso, informamos que seria mais adequado a advogada dialogar com nosso representante jurídico.
Mas continuamos à disposição da mãe para entendermos os detalhes do caso e efetivar a matrícula contando com a participação da família na construção do PEI.
Reforçamos que a nossa educação é reconhecida por sua prática inclusiva, e nosso colégio reflete esse compromisso: atendemos alunos da Educação Especial em todas as turmas, sempre dentro das condições necessárias para garantir acompanhamento pedagógico responsável, seguro e de qualidade.
Permanecemos à disposição da família para tratar do assunto e avançar no processo de matrícula”.