Prédio do Departamento de Apoio ao Educando (DAE) da Seed, responsável pela merenda escolar (Foto: Lucas Luckezie/Folha BV)
Prédio do Departamento de Apoio ao Educando (DAE) da Seed, responsável pela merenda escolar (Foto: Lucas Luckezie/Folha BV)

Três empresas são acusadas de falsificar documentos para ganhar uma licitação para fornecer merenda escolar à Secretaria Estadual de Educação (Seed). Elas teriam formado um conluio para conseguir o contrato de mais de R$ 80 milhões, dividido em seis lotes.

A denúncia, protocolada no Ministério Público Federal (MPF), é baseada em um recurso apresentado à Seed e à Secretaria de Licitação e Contratos (Selc). A Folha BV teve acesso ao documento ainda durante a fase de classificação das empresas para os lotes.

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O recurso detalha diversos indícios de fraudes em atestados de capacidade técnica, notas fiscais e alterações contratuais apresentados pelas empresas, além de supostas ações em conluio com a própria pregoeira responsável pelo processo licitatório.

Indícios de fraude

Conforme o documento, uma das empresas, por exemplo, teria alterado seu contrato social em 24 de outubro de 2024, um dia antes do início do pregão, para incluir atividades compatíveis com o objeto da licitação.

A empresa alterou sua Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) para incluir o comércio de carnes. Anteriormente, ela possuía apenas classificação para comercialização de veículos usados.

A denúncia informa ainda que, no mesmo dia da alteração contratual, a empresa obteve licença sanitária para atuar na área. No entanto, o despacho do órgão competente só ocorreu após a abertura do pregão, em 29 de outubro.

A empresa também é acusada de falsificar assinaturas em atestados de capacidade técnica. Ela teria apresentado documentos que alegavam negócios com uma distribuidora de alimentos. Entretanto, quando questionado por meio de ofício, o proprietário dessa distribuidora negou qualquer negociação com a empresa.

Em outro atestado, o empreendimento afirmou ter fornecido carnes para um supermercado de Boa Vista entre 2010 e 2012. No entanto, naquele período, a empresa estaria inativa e sem o CNAE necessário para o comércio de produtos alimentícios.

Há ainda acusações de que as amostras apresentadas pela empresa não eram compatíveis com o lote disputado. O edital exigia corte dianteiro de carne bovina, mas a empresa teria entregue o corte denominado “ponta de agulha”, considerado inferior e mais gorduroso – mesmo assim, aprovado pela nutricionista responsável.

A empresa venceu o lote com proposta de R$ 29.931.065,00. Outra empresa teria oferecido proposta equivalente por valor R$ 1.181.346,65 menor durante o ano de 2024.

Em nota, o empreendimento esclareceu que a empresa denunciante ingressou com recurso judicial, que já foi analisado e indeferido, confirmando a total legalidade e transparência de todo o processo licitatório. Além disso, disse que atua há anos no fornecimento de produtos para instituições públicas e privadas, sempre com histórico de conformidade e excelência.

“No caso citado, todas as exigências do edital foram rigorosamente cumpridas, os documentos foram analisados pelos órgãos competentes e a Justiça ratificou a regularidade do processo”, disse.

A Atacadão Distribuidora Aliança, por sua vez, também é acusada de falsificar documentos. A empresa foi alvo de operação da Polícia Federal (PF) que investiga possível fraude em licitação de R$ 11,6 milhões para fornecimento de peixe à merenda escolar da Seed. A empresa foi contemplada em três lotes do pregão para fornecer carnes, peixes, hortifrúti e gêneros alimentícios em geral.

Viatura da Polícia Federal em frente ao DAE, da Seed
Viatura da Polícia Federal em frente ao DAE, da Seed (Foto: Lucas Luckezie/FolhaBV)

Conforme a denúncia, a Aliança teria apresentado uma certidão negativa de débitos com validade indeterminada devido a uma liminar judicial. Mas uma decisão posterior, no entanto, negou o direito à certidão, sem prazo determinado, tornando ela inválida. Mesmo assim, a pregoeira aceitou o documento.

A Aliança também é acusada de usar atestados de capacidade técnica emitidos na Venezuela, que estariam em português, com erros gramaticais e formatação idêntica. Esses documentos deveriam estar com a tradução juramentada em cartório, conforme o art. 67 da Lei nº 14.133/2021.

Além disso, a empresa é suspeita de apresentar amostras irregulares, como a de peixe tambaqui que não estava embalada a vácuo (como exige o edital) e não possuía tabela nutricional, data de validade do frango inferior a seis meses e amostras de hortifrúti divergentes das especificações técnicas do termo de referência.

Já a Adryelly B. P. de Melo LTDA apresentou notas fiscais de suas únicas vendas, no valor total de R$ 234.495,62. Contudo, seu balanço patrimonial declarou receita de apenas R$ 46.150,21 – uma discrepância que sugeriria inconsistência contábil.

A empresa também é acusada de emitir atestados de capacidade técnica que alegavam transações comerciais com as mesmas empresas envolvidas no suposto conluio, reforçando as suspeitas de articulação fraudulenta entre os participantes do pregão.

O que diz o Governo

Por meio de nota, a Seed e a Selc afirmaram que o pedido foi analisado e a Justiça confirmou a total legalidade do processo, indeferindo o pedido das empresas que apresentaram recursos, insatisfeitas com o resultado.

“A Secretaria de Licitação e Contratação e a Secretaria de Educação e Desporto informam que tiveram conhecimento dos recursos apresentados no âmbito do Pregão Eletrônico SRP nº 90047/2024 (Processo nº 17101.016775/2024), referente à aquisição de gêneros alimentícios destinados à merenda escolar.

No caso específico, a parte denunciante ingressou com recurso judicial contestando a habilitação da empresa. O pedido foi analisado e a Justiça confirmou a total legalidade do processo, indeferindo o recurso das empresas que apresentaram recursos, insatisfeitas com o resultado.

Durante a fase administrativa, as alegações apresentadas foram devidamente analisadas pelo pregoeiro responsável e consideradas improcedentes, com base nos laudos técnicos emitidos pela Comissão de Avaliação da Seed, que atestaram a conformidade das amostras e da documentação apresentada. Cabe destacar que parte das alegações foi apresentada fora do prazo recursal previsto em lei e, portanto, não tem efeito sobre a validade do certame.

Ainda assim, por zelo e transparência, a documentação comprobatória exigida foi solicitada e entregue pela empresa, incluindo atestados, notas fiscais e registros de fornecimento, sendo devidamente analisada e validada pelos setores técnicos competentes.

A Selc ressalta que a decisão administrativa, proferida em 23 de junho de 2025, foi confirmada judicialmente, o que reforça a legalidade e a transparência de todo o procedimento, assegurando a correta aplicação dos recursos públicos e a continuidade da oferta de merenda escolar de qualidade aos estudantes da rede estadual.”

A Folha BV também tentou contato com as outras duas empresas citadas, mas sem sucesso. O espaço segue aberto.