Três empresas são acusadas de falsificar documentos para ganhar uma licitação para fornecer merenda escolar à Secretaria Estadual de Educação (Seed). Elas teriam formado um conluio para conseguir o contrato de mais de R$ 80 milhões, dividido em seis lotes.
A denúncia, protocolada no Ministério Público Federal (MPF), é baseada em um recurso apresentado à Seed e à Secretaria de Licitação e Contratos (Selc). A Folha BV teve acesso ao documento ainda durante a fase de classificação das empresas para os lotes.
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O recurso detalha diversos indícios de fraudes em atestados de capacidade técnica, notas fiscais e alterações contratuais apresentados pelas empresas, além de supostas ações em conluio com a própria pregoeira responsável pelo processo licitatório.
Indícios de fraude
Conforme o documento, a H.E. Rodrigues Comércio Atacadista Varejista LTDA, por exemplo, teria alterado seu contrato social em 24 de outubro de 2024, um dia antes do início do pregão, para incluir atividades compatíveis com o objeto da licitação.
A empresa alterou sua Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) para incluir o comércio de carnes. Anteriormente, ela possuía apenas classificação para comercialização de veículos usados.
A denúncia informa ainda que, no mesmo dia da alteração contratual, a empresa obteve licença sanitária para atuar na área. No entanto, o despacho do órgão competente só ocorreu após a abertura do pregão, em 29 de outubro.
A H.E. também é acusada de falsificar assinaturas em atestados de capacidade técnica. Ela teria apresentado documentos que alegavam negócios com uma distribuidora de alimentos. Entretanto, quando questionado por meio de ofício, o proprietário dessa distribuidora negou qualquer negociação com a empresa.
Em outro atestado, a H.E. Rodrigues afirmou ter fornecido carnes para um supermercado de Boa Vista entre 2010 e 2012. No entanto, naquele período, a empresa estaria inativa e sem o CNAE necessário para o comércio de produtos alimentícios.
Há ainda acusações de que as amostras apresentadas pela H.E. Rodrigues não eram compatíveis com o lote disputado. O edital exigia corte dianteiro de carne bovina, mas a empresa teria entregue o corte denominado “ponta de agulha”, considerado inferior e mais gorduroso – mesmo assim, aprovado pela nutricionista responsável.
A H.E. Rodrigues venceu o lote com proposta de R$ 29.931.065,00. Outra empresa teria oferecido proposta equivalente por valor R$ 1.181.346,65 menor durante o ano de 2024.
A Atacadão Distribuidora Aliança, por sua vez, também é acusada de falsificar documentos. A empresa foi alvo de operação da Polícia Federal (PF) que investiga possível fraude em licitação de R$ 11,6 milhões para fornecimento de peixe à merenda escolar da Seed. A empresa foi contemplada em três lotes do pregão para fornecer carnes, peixes, hortifrúti e gêneros alimentícios em geral.
Conforme a denúncia, a Aliança teria apresentado uma certidão negativa de débitos com validade indeterminada devido a uma liminar judicial. Mas uma decisão posterior, no entanto, negou o direito à certidão, sem prazo determinado, tornando ela inválida. Mesmo assim, a pregoeira aceitou o documento.
A Aliança também é acusada de usar atestados de capacidade técnica emitidos na Venezuela, que estariam em português, com erros gramaticais e formatação idêntica. Esses documentos deveriam estar com a tradução juramentada em cartório, conforme o art. 67 da Lei nº 14.133/2021.
Além disso, a empresa é suspeita de apresentar amostras irregulares, como a de peixe tambaqui que não estava embalada a vácuo (como exige o edital) e não possuía tabela nutricional, data de validade do frango inferior a seis meses e amostras de hortifrúti divergentes das especificações técnicas do termo de referência.
Já a Adryelly B. P. de Melo LTDA apresentou notas fiscais de suas únicas vendas, no valor total de R$ 234.495,62. Contudo, seu balanço patrimonial declarou receita de apenas R$ 46.150,21 – uma discrepância que sugeriria inconsistência contábil.
A empresa também é acusada de emitir atestados de capacidade técnica que alegavam transações comerciais com as mesmas empresas envolvidas no suposto conluio, reforçando as suspeitas de articulação fraudulenta entre os participantes do pregão.
Outro Lado
Por meio de nota, a Seed e a Selc afirmaram que o pedido foi analisado e a Justiça confirmou a total legalidade do processo, indeferindo o pedido das empresas que apresentaram recursos, insatisfeitas com o resultado.
A H.E. Rodrigues Comércio Atacadista Varejista LTDA negou as acusações e afirmou que o recurso foi analisado e indeferido, confirmando a legalidade e transparência do processo licitatório.
A Folha BV também tentou contato com as outras duas empresas citadas, mas sem sucesso. O espaço segue aberto.
Notas completas
Seed e Selc
“A Secretaria de Licitação e Contratação e a Secretaria de Educação e Desporto informam que tiveram conhecimento dos recursos apresentados no âmbito do Pregão Eletrônico SRP nº 90047/2024 (Processo nº 17101.016775/2024), referente à aquisição de gêneros alimentícios destinados à merenda escolar.
No caso específico, a parte denunciante ingressou com recurso judicial contestando a habilitação da empresa. O pedido foi analisado e a Justiça confirmou a total legalidade do processo, indeferindo o recurso das empresas que apresentaram recursos, insatisfeitas com o resultado.
Durante a fase administrativa, as alegações apresentadas foram devidamente analisadas pelo pregoeiro responsável e consideradas improcedentes, com base nos laudos técnicos emitidos pela Comissão de Avaliação da Seed, que atestaram a conformidade das amostras e da documentação apresentada. Cabe destacar que parte das alegações foi apresentada fora do prazo recursal previsto em lei e, portanto, não tem efeito sobre a validade do certame.
Ainda assim, por zelo e transparência, a documentação comprobatória exigida foi solicitada e entregue pela empresa, incluindo atestados, notas fiscais e registros de fornecimento, sendo devidamente analisada e validada pelos setores técnicos competentes.
A Selc ressalta que a decisão administrativa, proferida em 23 de junho de 2025, foi confirmada judicialmente, o que reforça a legalidade e a transparência de todo o procedimento, assegurando a correta aplicação dos recursos públicos e a continuidade da oferta de merenda escolar de qualidade aos estudantes da rede estadual.”
H.E. Rodrigues Comércio Atacadista Varejista LTDA
“A H.E. Rodrigues Comércio Atacadista Varejista LTDA vem a público esclarecer que todas as acusações recentemente divulgadas são infundadas. A empresa denunciante ingressou com recurso judicial, que já foi analisado e indeferido, confirmando a total legalidade e transparência de todo o processo licitatório.
A H.E. Rodrigues atua há anos no fornecimento de produtos para instituições públicas e privadas, sempre com histórico de conformidade e excelência. No caso citado, todas as exigências do edital foram rigorosamente cumpridas, os documentos foram analisados pelos órgãos competentes e a Justiça ratificou a regularidade do processo.
Reiteramos que não há qualquer irregularidade envolvendo a habilitação da empresa e que as tentativas de descredibilizar nosso trabalho não se sustentam diante das decisões oficiais. A H.E. Rodrigues reafirma seu compromisso com a ética, a legalidade e a qualidade dos serviços prestados, prezando pelo respeito às instituições e à população atendida.
Atenciosamente,
H.E. Rodrigues Comércio Atacadista Varejista LTDA”